sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Lembranças de João Lins Caldas


João Lins Caldas, norte-rio-grandense que viveu a maior parte de sua vida na cidade de Açu-RN, mais de cinquenta anos após sua morte, ainda não é nacionalmente conhecido, apesar de ter sido um dos melhores poetas brasileiros.

Morreu inédito e apenas quase dez anos depois teve sua poesia reunida em um livro editado pela Fundação José Augusto, de Natal, em 1975 (Poética).

Convivi com seu Caldas, como era chamado, bem menos do que gostaria de ter feito. Inicialmente, porque saí de minha cidade (aquela que ele adotara como sua) aos quatro anos de idade, numa primeira mudança familiar. Nas conversas com meu pai, soube que Caldas era visita frequente lá em casa. Quando minha irmã nasceu (um ano e meio antes de mim), Caldas escreveu para seu álbum de bebê: “Na casa de Hélio e Dolores, / longe de males e insânia, / tem, tendo Márcia Bethânia, / todo seu mundo de flores”.

Enquanto morei em Natal (de 49 a 59), todas as minhas férias eram passadas no Açu. E lá, encontrava sempre Caldas, figura curiosa, miúda, tido por muitos como um tanto amalucado, característica comum aos gênios. A diferença de idade entre nós era muito grande, ele mais velho que minhas avós, por exemplo. Na verdade, eu me aproximava dele desde menino, e ele deixava que assim fosse. Chamava-me de meu Caboclinho. Creio que só fui uma única vez a sua casa, a mesma em que foi encontrado morto, em 1967. Acho mesmo que naquele tempo eu nem compreendia sua grandeza e sua genialidade. Em 1958, fiquei sabendo que ele sairia de seu tugúrio e viajaria à capital, quando a intelligentsia potiguar o homenageou, dos mais antigos e acadêmicos aos jovens poetas que o conheciam de nome.  Grudei nele o máximo que pude, eu que sempre me enxeri achegando-me aos que eu admirava.    

Com uma nova mudança, fomos morar no Rio de Janeiro, em 1960, e as ida ao Açu e os encontros com Caldas ficaram mais raros. Voltei à terrinha em 1963 (julho e dezembro). Então, eu já escrevera meus primeiros versos, as incultas produções da adolescência, e ousei mostrá-los àquele que eu tanto respeitava. Ele foi gentil demais e me estimulou a prosseguir.

Na última oportunidade que tive de conversar com ele, falou-me de seu projeto um tanto megalomaníaco de publicar-se numa edição trilingue, e disse que gostaria que eu o ajudasse na versão de seus poemas para o inglês e o francês, algo que reconheço era superior à minha capacidade.

Guardo como preciosidade uma página (frente e verso) com alguns de seus versos autografados, assinados um a um. Estão ali “A Tia”, “O amigo”, “A rosa dos ventos” e outros sem título, dentre os quais um poemeto que reputo um dos melhores, daqueles que eu gostaria de ter escrito: ”O pobre me deu uma esmola de Deus te favoreça, “Deus te favoreça”. Favoreça-me, Deus com essa esmola do pobre”. E mais outro que idolatro: ”À vida pedi, como quem pede um beijo na face / Que ela, a vida, não me negasse... / Passou a vida, não me quis ver.../ - Ora morrer... / Morrer é a vida de que se nasce”.

Caldas sempre soube que um de seus poemas fora lido na BBC de Londres, “A minha dor na grande guerra”. É causa de admiração constatar que aquele poeta, nos rincões perdidos do Nordeste, demonstrava sua cultura, como dizer que maior que a dor pela segunda grande guerra era a que sentia pelo fim que levara Chénier, guilhotinado pelos que ajudara a fazer a Revolução Francesa.

E são diversas as histórias sobre sua vida. Ele reunira poemas para encher dois ou três livros, mas não encontrava quem os publicasse segundo seus ditames, ele que tinha perfeita noção da qualidade de sua obra. Aliás, quem o conheceu nos cerca de 20 anos em que morou no Sul maravilha (de 1912 em diante) louvava sua excelência. E eram intelectuais do porte de Lima Barreto, Hermes Fontes, Osvaldo Aranha, Lima Campos e José Geraldo Vieira, que o transformou em personagem de um livro (Cássio Murtinho, de Território humano).

Caldas não teve como comprovar o vaticínio feito a seu respeito: “Publica-te, meu filho, para mostrares ao mundo que ninguém é maior que tu” (Lima Campos).

João Celso Neto

(Do blog: João Celso Neto é poeta assuense da velha guarda, funcionário aposentado da EMBRATEL, advogado em Brasília. Neto de João Celso Filho, sobrinho de Celso da Silveira e da ex-prefeita do Assu Maria Olímpia Neves de Oliveira).

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Que eu seja eternamente eterno louco e nunca deixe de sonhar na vida. (João Lins Caldas, pensador potiguar).