sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Por João Lins Caldas

Sentiu na carne a sua deprimente pobreza
Nos olhos, na cara toda.
E era a pobreza.
Nada da vida lhe sorria em torno.
E era assim essa mal posta mesa.
Um dia, na avareza,
Os homens lhe consumiram toda essa sua tão pequena riqueza...
– Vamos, está posta a mesa...
E tudo foi essa miséria toda.

O poeta assuense João Lins Caldas, na sua modesta casa da Rua Ulisses Caldas, em 1965. Ele, Caldas, faleceu em 1967.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014


Assim eu vejo a vida
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
Cora Coralina

MANOEL DE BARROS

A poesia brasileira está mais pobre com o encantamento do poeta maior de Cuiabá, chamado Manoel de Barros (1916-2014). Vejamos alguns versos de sua autoria:

Há muitas maneiras de dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

E esse outro:

Uso a palavra para compor meus silêncios.

Postado por Fernando Caldas

DILÚVIO – A DESTRUIÇÃO ATRAVÉS DAS ÁGUAS NA MITOLOGIA

Arca de Noé - Fonte - gif15.blogspot.com
Arca de Noé – Fonte – gif15.blogspot.com
FONTE - http://historiablog.wordpress.com/
De um lado pesquisadores, do outro, religiosos – ambos empenhados em conseguir provas para demonstrar que a Bíblia não é apenas um apanhado de lendas. E foi com esse espírito que muita coisa do tempo de Jesus e da antiga Jerusalém conseguiu sair do papel e ser provada. Porém, quando as pesquisas se voltam a algum episódio do Antigo Testamento, parte da Bíblia que também remete à história dos judeus, o caminho das pedras torna-se um pouco mais difícil. Para os cientistas apenas provas materiais os convenceriam de que aquelas personagens bíblicas realmente existiram, mas para os historiadores os registros escritos já são pistas preciosas, suficientes para investigar o que aconteceu no passado remoto das civilizações antigas.
Entre as figuras bíblicas do Antigo Testamento que mais chamam a atenção dos pesquisadores históricos, duas se sobressaem: Abraão e Noé. E mesmo entre esses dois há muito mais chance de descobrirmos a verdade sobre o primeiro do que sobre o segundo. O que se sabe basicamente sobre Noé é que ele construiu uma arca e tornou-se o último dos patriarcas antes do famoso dilúvio. Mas, ao contrário do que costumamos imaginar, o dilúvio não é uma histórica tipicamente hebréia. Até hoje foram obtidas cerca de cem narrativas místicas consagradas ao evento cataclísmico, a versão do Gênesis (capítulos 6 a 9), portanto, é apenas mais uma.
Fonte - fatoecuriosidademundial.blogspot.com
Fonte – fatoecuriosidademundial.blogspot.com
De acordo com o livro Terras e Povos Desconhecidos, da Time-Life americana, as narrações do dilúvio bíblico não contêm nenhuma descrição completa. Nesse sentido, a passagem bíblica seria apenas um conto um tanto quanto confuso, complexo e heterogêneo, que traria a compilação de duas versões conhecidas, uma de origem javeísta (mais tradicional e mais antiga) e outra sacerdotal (mais acessível e recente). Para os estudiosos isso não seria de se espantar, já que os hebreus passaram um longo tempo como escravos na Babilônia. “É muito difícil você passar qualquer período de tempo em um lugar sem absorver, consciente ou inconscientemente, seus hábitos”, diz Armando Calvo Laslis, do Departamento de Estudos Históricos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Se a linha de raciocínio de Laslis estiver correta, a tarefa de descobrir a primeira matriz histórica sobre esse tema torna-se mais árdua ainda, pois lendas sobre o dilúvio são encontradas na literatura e na tradição oral de povos do mundo inteiro.
Para se ter uma ideia, a catástrofe aquática tem registro entre os nativos de Gales, do Irã, da índia, da Austrália e até mesmo dos Mares do Sul. Isso sem falar das versões nórdica, lituana, inuíte, apache e indonésia – muitas origens para um mesmo assunto. Seria esse um indicador de que o dilúvio é muito mais do que uma lenda? Pouco se sabe sobre o mundo antes dessa catástrofe, mas o fascínio pela história encanta os arqueólogos e cientistas do mundo inteiro.
Noé
 Antes de seguirmos o rastro de todas essas lendas, vale relembrar a versão do dilúvio que é mais conhecida pelo mundo Ocidental, a de Noé. Pesquisadores, como o historiador Renée Noorberger, acreditam tanto  em sua veracidade que o  estabelecem como ponto de partida em busca do chamado mundo ante-diluviano (época anterior ao registro bíblico) que estaria misturado a relatos de   civilizações   perdidas, afogadas nas águas, como Atlântida e as terras de Mu e Lemúria.
O diluvio - Antonio Marziale Carracci - óleo sobre tela - 166 x 247 cm - 1616 - (Musée du Louvre (Paris, França) - Fonte - http://pt.wahooart.com/@@/8Y3VLN-Antonio-Marziale-Carracci-O-Dil%C3%BAvio-(3)
O diluvio – Antonio Marziale Carracci – óleo sobre tela – 166 x 247 cm – 1616 – (Musée du Louvre (Paris, França) – Fonte – http://pt.wahooart.com/@@/8Y3VLN-Antonio-Marziale-Carracci-O-Dil%C3%BAvio-(3)
A história bíblica conta que, após o estabelecimento dos patriarcas do período, o ser humano caiu em pecado. Deus então decidiu eliminar a raça humana e escolheu Noé para que salvasse não só a sua família, como também todos os animais da Terra. Então, Noé recebeu orientações para a construção de uma arca que os manteria em segurança e, assim que a embarcação ficou pronta e um casal de cada espécie animal subiu a bordo, as águas irromperam e dominaram a Terra por quarenta dias e quarenta noites. Quando finalmente a situação se acalmou, Noé conduziu sua arca para o monte Ararat e de lá recebeu novas instruções de Deus para construir uma sociedade mais justa que a anterior. Após um breve período de calmaria, os descendentes do patriarca se reuniram na Torre de Babel que depois de muito se desentenderem, espalharam-se pelos quatro cantos da Terra.
Livre adaptação
Uma prova de que o mito do dilúvio pode ter sido assimilado pelos hebreus de seus captores babilônicos é a antiga lenda de Gilgamesh. Trata-se de uma história que não deve nada aos poemas épicos de Homero e que é considerada um dos textos mais antigos já preservados. Nessa história há uma passagem que conta como um patriarca babilônico, de nome Utnapishtim, recebeu também o aviso de seus deuses sobre uma catástrofe iminente que destruiria toda a humanidade. Assim, ele construiu uma embarcação que salvou sua família, alguns animais e diversos artesãos. A tempestade durou aqui sete dias e, quando as coisas se acalmaram, o patriarca enviou três pássaros em busca de terra seca. Uma pomba, que voltou para ele; uma andorinha, que também retornou e um corvo, que não voltou, o que foi considerado um sinal de que já era seguro desembarcar.
Gilgamesh encontra Utnapishtim, o noé sumério - Fonte - http://eden-saga.com/fr/deluge-arche-gilgamesh-enki-viracocha-atrahasis-ziusudra.html
Gilgamesh encontra Utnapishtim, o noé sumério – Fonte – http://eden-saga.com/fr/deluge-arche-gilgamesh-enki-viracocha-atrahasis-ziusudra.html
Estudiosos britânicos e alemães, que se envolveram com escavações arqueológicas em terras turcas e nos arredores do que seria o Monte Ararat, mostraram-se intrigados com alguns restos de madeira encontrados no cume que seriam, segundo eles, da Arca de Noé. Porém as autoridades do local não cedem autorizações para estudos mais conclusivos, o que só faz aumentar a polêmica. E esses mesmos pesquisadores afirmam que a incidência em diversas culturas lenda sobre o dilúvio deve ser levada em alta consideração, pois não se trata mais de uma coincidência, já que as variações encontradas podem ter se originado de uma única fonte, ou seja, do episódio da Torre de Babel. Renée Noorbergen é um dos pesquisadores que mais defendem essa tese, principalmente depois que estudou a tradição chinesa e descobriu uma lenda que narrava os esforços de Nuwah, progenitor daquele povo que havia escapado de um dilúvio com sua mulher e filhos.
Immanuel Velikovsky foi um psiquiatra russo-judeu, mais conhecido como o autor de uma série de livros controversos que reinterpretam acontecimentos da história antiga, em particular o livro Mundos em Colisão, publicado em 1950 - Fonte - www.velikovsky.de
Immanuel Velikovsky foi um psiquiatra russo-judeu, mais conhecido como o autor de uma série de livros controversos que reinterpretam acontecimentos da história antiga, em particular o livro Mundos em Colisão, publicado em 1950 – Fonte –http://www.velikovsky.de
Outro acadêmico, o russo Immanuel Velikovsky, divulgou em 1955 registros de fósseis que comprovavam que a Terra já havia sofrido um cataclismo como o dilúvio, nos moldes do descrito nas lendas. Cardumes inteiros de peixes foram encontrados em amplas áreas com sinais de morte em estado de agonia. Mas, para o pesquisador, o cataclismo teria sido originado quando um cometa proveniente de Júpiter passou rente ao planeta, o que teria mexido com o eixo terrestre e provocado o transbordamento de rios, mares e oceanos, “assim não há como falar em intervenção divina”, explicou.
O mito nórdico
 Odin era filho de Bôer e da giganta Besta e neto de um homem chamado Buri, que era feito de um bloco de sal. Ele tinha dois irmãos, Vila e Vá, com os quais dava-se maravilhosamente bem e com os quais realizava as maiores aventuras possíveis. Um dia, cansados de tantas artimanhas em que estavam constantemente envolvidos, os três resolveram formar o globo terrestre e chegaram à conclusão de que tudo que necessitavam para criar o Inundo estava contido no corpo de um gigante.
"As últimas palavras de Odin a Baldr "(1908) por WG Collingwood
“As últimas palavras de Odin a Baldr “(1908) por WG Collingwood
Com esse objetivo, os filhos de Bôer e Besta mataram o gigante Ymer e com seu corpo formaram o globo terrestre assim: os ossos originaram as montanhas, os dentes os rochedos, o crânio a abóbada celeste. Mas ao morrer o gigante espalhou sobre a terra todo o seu sangue, que se tornou um imenso dilúvio e fez com que toda a raça dos gigantes morresse afogada, exceto Belgemer e sua mulher, que conseguiram se salvar agarrados a uma arca de pão.
Odin e seus irmãos resolveram então criar um casal humano com os troncos de um freixo e com uma faia do norte que crescia no mar Báltico, dessa forma, garantiram o repovoamento do planeta.
O mito védico
Manú, filho semi-humano dos deuses, considerado o pai da raça humana, era tão bom que o deus Vishnu o salvou do ‘dilúvio, uma catástrofe que feriu todos os semidivinos que se tornaram ruins. Manú, como agradecimento, ofereceu a Vishnu um bolo de leite coalhado, creme e manteiga depois de esse deus o haver salvo do dilúvio universal.
No dilúvio Hindu, nas escrituras védicas da índia, Svayambuva Manu foi avisado sobre o dilúvio por uma encarnação de Vishnu - Fonte - http://nathalie-pachecomoradadadeusa.blogspot.com.br/2013/01/nefilins-anjos-caidos-ou-rebeliao.html
No dilúvio Hindu, nas escrituras védicas da índia, Svayambuva Manu foi avisado sobre o dilúvio por uma encarnação de Vishnu – Fonte – http://nathalie-pachecomoradadadeusa.blogspot.com.br/2013/01/nefilins-anjos-caidos-ou-rebeliao.html
Vishnu em retribuição fez surgir desse bolo uma mulher, bela e doce chamada Ida (ou lia). Os Acvins, elegantes cavaleiros, filhos do Sol e da Égua Saranyou, que as nuvens simbolizavam quando corriam ligeiras pelos céus, apaixonaram-se por ela e desejaram-na. Mas Ida repeliu-os violentamente exclamando: “Eu sou daquele que me criou”. Assim a criação da mulher está intimamente ligada ao dilúvio, e, o repovoamento do mundo, da união de Manú e Ida.
O mito mexicano
Mesmo no Novo Mundo podem ser encontradas lendas que falam sobre um dilúvio, como a de Cox cox Tezpi. Tezpi era um homem muito justo e bom, temente a Deus e que via com olhos tristes a corrupção dos homens, seus irmãos. Estes puseram de lado os princípios com que tinham sido criados, que pertenciam a seus antepassados, e não queriam compartilhar os benefícios de Deus na Terra – desde as águas que refrescavam seus corpos até a companhia de seus irmãos. A ganância dos homens e a mesquinhez das mulheres eram características comuns, assim a humanidade caminhava para um fim pouco animador.
coxcox
Tezpi começou a compreender que alguma coisa de anormal estava por acontecer e, temendo a justiça divina, começou a fazer uma embarcação para sua salvação. Aqui temos uma diferença: não há intervenção divina no sentido de que Tezpi tenha sido avisado da catástrofe nem que tenha tido qualquer intenção de salvar os animais. Mas escavações mexicanas recentes nos arredores da Cidade do México descobriram pinturas antigas que retratavam a cena surpreendente de uma arca flutuando sobre as águas com Tezpi, suas mulheres, filhos e alguns animais. Essas mesmas pinturas contam que, depois que as águas baixaram, Tezpi soltou um beija-flor para que fosse verificar se era seguro sair da embarcação. Assim, quando a ave retornou com um ramo verde de planta no bico, Tezpi e sua família acompanhado dos animais saíram da arca e começaram o processo de repovoamento do mundo.
O mito hindu
 Quando o deus Brama saiu de sua imobilidade para animar o universo, a princípio criou os Devas, os espíritos e os anjos que * iriam povoar o céu. Alguns deles, porém, ao chegarem lá em cima, viram lugares na Terra muito bonitos, cheios de frutos, flores, águas límpidas e lagoas. Começaram, então, a imaginar como seria viver em tais paisagens. Assim tornaram-se Rclasas, gênios malfeitores que se ocupam em perturbar os humanos. Essas entidades maldosas corromperam-se tanto que se dividiram em diversas e poderosas categorias de malfeitores. Tornaram o Mal o domínio absoluto sobre a humanidade corrompida. Brama, entretanto, era bom e ficou perturbado com o trabalho daqueles espíritos. Mas ele guardava em segredo um outro mundo, desconhecido dos demônios. O objetivo do deus era transportar os homens e os anjos do primeiro mundo para o segundo, mais perfeito. Porém não queria que o antigo mundo ficasse contaminado e assim aconteceu o dilúvio. Apenas um homem bom, chamado Waivaswata, foi prevenido da catástrofe iminente. Ele construiu um navio e juntou sua família e um casal de todos os animais disponíveis para, depois, repovoar o mundo.
Do blog http://tokdehistoria.com.br/, de Rostand Medeiros

Original do poema intitulado "Mina Terra, data de 1907, do poeta potiguar João Lins Caldas, escrito, a pedido de sua mãe, em 1907.Vejamos abaixo.

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A REVOLTA DA CHIBATA

Chibata (19)
Por Fernando Granato – Revista Aventuras na História
A baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, estava repleta de navios estrangeiros na manhã de 16 de novembro de 1910. As embarcações haviam aportado com autoridades para a posse do marechal Hermes da Fonseca na Presidência da República. No encouraçado Minas Gerais — o maior navio de guerra brasileiro, atracado a poucos metros do cais do porto — o clima não era nada festivo. Ao raiar do dia, toda a tripulação fora chamada ao convés para assistir aos castigos corporais a que seria submetido o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes.
Ele tinha ferido a navalhadas o cabo Valdemar Rodrigues de Souza, que o havia denunciado por tentar introduzir no navio duas garrafas de cachaça. Sua pena: 250 chibatadas. Esse seria o estopim para a eclosão da chamada Revolta da Chibata, movimento deflagrado pelos marinheiros contra os maus-tratos, que paralisaria a coração do Brasil por quatro dias e custaria a vida de dezenas de pessoas, entre civis e militares. Quase 94 anos depois, os primeiros documentos reservados sobre o conflito vêm à tona e serão revelados nesta reportagem.
João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata
João Cândido, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata
Naquela manhã, depois de ser examinado pelo médico de bordo e considerado em perfeitas condições físicas, o marinheiro Marcelino Menezes, conhecido como “Baiano”, foi amarrado pelas mãos e pés e submetido ao castigo. Primeiro soaram os tambores. Em seguida, o comandante do navio, Batista das Neves, ordenou a entrada dos carrascos, que apanharam uma corda de linho e amarraram nas pontas pequenas e resistentes agulhas de aço. A guarda entrou em formação. Tiraram as algemas das mãos do marujo e o suspenderam, nu da cintura para cima, no “pé de carneiro”, uma espécie de ferro que se prendia num corrimão. Os oficiais assistiram à cerimônia em uniforme de gala, com luvas brancas e armados de suas espadas. Alguns viraram o rosto para o lado, para não ver a tortura.
Educar na Marra
A punição pela chibata foi um hábito herdado pelo Brasil da Marinha portuguesa. Os castigos tinham a função de educar na marra os supostos maus elementos que compunham os quadros inferiores. Como diziam os oficiais, as chicotadas e lambadas tinham o objetivo de “quebrar os maus gênios e fazer os marinheiros compreenderem o que é ser cidadão brasileiro”.
Chibata (8)
Na noite seguinte aos castigos sofridos por Marcelino, os demais marinheiros do Minas Gerais, recolhidos em seus beliches, decidiram que a situação não podia continuar daquela forma. “Isso vai acabar”, disse o marujo João Cândido, um negro alto, de 30 anos, que despontava como o líder absoluto da revolta que se aproximava.
Depois de muita conversa, decidiram tomar o poder dos navios à força, na noite de 22 de novembro. Na data estabelecida, tudo aconteceu dentro da estratégia programada. O sinal combinado entre os marujos para dar início ao movimento foi a chamada das 10 horas. Naquela noite, o toque do clarim não pediu silêncio e sim combate.
Cada um assumiu o seu posto e a maioria dos oficiais já estava em seus camarotes. Não houve afobação. Cada canhão foi guarnecido por cinco marujos, com ordem de atirar para matar contra quem tentasse impedir o levante.
Cabo Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do encouraçado Minas Gerais, um dos mais modernos e poderosos navios de guerra do mundo em 1910
Cabo Gregório do Nascimento, que assumiu o comando do encouraçado Minas Gerais, um dos mais modernos e poderosos navios de guerra do mundo em 1910
Logo depois do toque da corneta, o comandante Batista das Neves — que estivera num jantar a bordo do cruzador francês DuaguayTrouin — voltou ao seu navio em companhia do ajudante de ordens. Conversou rapidamente com o segundo-tenente Álvaro da Mota Silva – que assistia à faxina no convés – e recolheu-se aos seus aposentos.
No momento em que descia as escadas inferiores do navio e se despedia do comandante, Mota Silva recebeu uma forte pancada no peito, um golpe de baioneta desferido em cheio por um marinheiro que estava de tocaia. O segundo-tenente tropeçou, mas ainda conseguiu apoiar-se com a mão esquerda na arma do marujo e com a direita sacou sua espada. Com a força que ainda lhe restava, atravessou o estômago do marinheiro que, aos gritos, deu alguns passos e caiu.
Oficial comandante Baptista das Neves, morto pelos marinheiros rebeledados
Oficial comandante Baptista das Neves, morto pelos marinheiros rebeledados
Atraídos pelo ruído, muitos marujos foram ao convés, para onde subiram também outros oficiais procurando conter os revoltosos. A tribulação, bradando vivas e aclamando “liberdade” e “abaixo a chibata”, avançou contra o pequeno grupo de superiores para massacrá-lo. O comandante Batista das Neves ainda tentou acalmar os ânimos e manter a disciplina. Atacado, reagiu e lutou de espada em punho cerca de 10 minutos, até ser atingido na cabeça, por golpes de machadinha.
Primeiro Disparo
O marujo Aristides Pereira, conhecido como “Chaminé”, chegou perto do corpo estendido do comandante, certificou-se de que ele estava morto e urinou sobre seu cadáver. O corpo permaneceu horas no convés e alguns marinheiros ainda fizeram graça com o comandante morto, imitando movimentos de ginástica à sua volta. A ironia referia-se ao fato de que Batista das Neves obrigava os marujos a fazer ginástica pesada todas as manhãs, para compensar a relativa imobilidade física da vida de bordo nos navios.
Chibata (6)
Cinquenta minutos depois, quando cessou a luta no convés, João Cândido mandou disparar um tiro de canhão, sinal para dar o alerta aos outros navios aliados: o São Paulo, o Bahia e o Deodoro. O estrondo do primeiro tiro de canhão, vindo da direção do mar, fez tremer a cidade do Rio de Janeiro. Nem cinco minutos depois, novo tiro. Dessa vez, janelas e vidraças foram quebradas em casas do centro da cidade.
Chibata 1
O líder do movimento ordenou que todos os holofotes iluminassem o Arsenal da Marinha, as praias e as fortalezas. Expediu também uma mensagem por rádio para o Palácio do Catete, sede do governo federal, informando que a esquadra estava rebelada para acabar com os castigos corporais.
O presidente recém-empossado, marechal Hermes da Fonseca, e todo seu ministério assistiam, no Clube da Tijuca, à apresentação da ópera Tanhauser, de Wagner, numa inesquecível recepção que ainda fazia parte dos festejos pela vitória eleitoral. Depois do primeiro tiro de canhão, ele voltou imediatamente para o Catete.
Chibata (13)
Em seu gabinete, Hermes da Fonseca foi avisado de que a Marinha estava revoltada e que a estação de rádio do morro da Babilônia captara a primeira mensagem dos rebeldes: “Não queremos a volta da chibata. Isso pedimos ao presidente da República, ao ministro da Marinha. Queremos resposta já e já. Caso não tenhamos, bombardearemos cidade e navios que não se revoltarem. Assinado: guarnições Minas, São Paulo e Bahia”.
Almirante Negro
De início, o governo resolveu endurecer. Avisou que mandaria torpedear as embarcações caso não houvesse rendição. A repercussão da notícia, no entanto, gerou pânico na cidade. O presidente preferiu então abrandar a reação. Ele dispunha de 2 630 homens para enfrentar os 2 379 rebeldes. O poder de fogo dos amotinados — instalados naqueles que eram alguns dos mais sofisticados navios de guerra do mundo-entretanto, era muito maior. Diante da impossibilidade de combate e com o perigo iminente de um bombardeio, Hermes da Fonseca convenceu-se de que era muito mais prudente negociar com os marinheiros revoltosos.
Chibata (14)
Enquanto o governo se debatia atrás de uma solução, a esquadra rebelada permanecia atenta, com a rotina de navios em guerra. Cada soldado tinha uma função predeterminada. Foram designados turnos de trabalho para que nunca um serviço ficasse desguarnecido.
Chibata (18)
Astuto e desconfiado, o Almirante Negro — como passou a ser chamado João Cândido pela imprensa — determinou que uma barca abastecesse os navios de água. Antes que o líquido fosse descarregado, no entanto, ele ordenou que o condutor da embarcação provasse para ver se não havia veneno. Com seu uniforme branco, já bem velho e desgastado, um pé calçado num chinelo e outro numa botina, a única marca que diferenciava o líder dos demais marujos era um lenço vermelho que levava amarrado ao pescoço. Aquele era o seu distintivo.
Caricatura da revista "O Malho" de novembro de 1910, mostrando a anistia para os marinheiros rebelados.
Caricatura da revista “O Malho” de novembro de 1910, mostrando a anistia para os marinheiros rebelados.
Em tempo recorde, a anistia foi aprovada a toque de caixa pelo Congresso Nacional e, na manhã de 26 de novembro, com o sol brilhando sobre a Guanabara, os navios iniciaram a aproximação para a rendição. Os morros, o cais e as praias estavam lotados de curiosos, alguns com binóculos, para assistir à chegada dos marinheiros. A bordo o clima era de festa e euforia.
Motim da Ilha das Cobras
Mas a anistia não durou dois dias. Em 28 de novembro, os marinheiros foram surpreendidos pela publicação do decreto número 8.400, que autorizava demissões, por exclusão, dos praças do Corpo de Marinheiros Nacionais “cuja permanência se torne inconveniente à disciplina”. O decreto abriu uma brecha para que a Marinha excluísse de seus quadros quem bem entendesse, sem maiores formalidades. As demissões foram muitas. Vários navios ficaram sem pessoal suficiente para os serviços essenciais.
Chibata (11)
Instaurou-se um novo clima de tensão nas Forças Armadas – pela publicação do decreto – e as autoridades encontraram justificativa para pensar na convocação de um regime de exceção, com poderes amplos e irrestritos para o presidente da República.
Circulavam boatos de que na ilha das Cobras — sede dos Fuzileiros Navais, localizada em frente ao cais do porto e ao lado da ilha Fiscal – o batalhão de terra organizava outro motim. Os boatos partiram das próprias autoridades, interessadas em incitar uma segunda rebelião para decretar o estado de sítio. Os oficiais esperavam apenas o primeiro tiro para entrarem em ação e deflagrarem o conflito armado.]
Chibata (1)
No dia 9 de dezembro, houve a rebelião esperada na ilha das Cobras. Às 9 horas e 30 minutos, foi dado o toque de recolher e, em vez de se dirigirem para suas camas, parte dos fuzileiros permaneceu no pátio, em grande algazarra, dando vivas à liberdade. Um primeiro tiro foi disparado, não se sabe vindo de onde. As luzes da ilha foram apagadas e os marinheiros começaram a caçar os oficiais. No escuro, disparando tiros de fuzis, eles gritavam: “Viva a liberdade. Morram os oficiais”.
A luta durou toda a madrugada, a manhã do dia seguinte e só parou ao entardecer, com a morte da maioria dos amotinados. Por todos os lados, junto aos canhões e metralhadoras destruídas, havia corpos de marinheiros. As forças fiéis aos oficiais estavam preparadas e esmagaram os rebeldes.
Presos e Mortos
O governo federal decretou o estado de sítio, tendo como justificativa a revolta dos fuzileiros navais na ilha das Cobras. As autoridades determinaram o desembarque imediato da tripulação dos navios Minas Gerais e São Paulo, que haviam tomado parte no primeiro levante. João Cândido foi preso assim que colocou os pés em solo e levado ao quartel-general do Exército. No dia 24 de dezembro, o Almirante Negro e mais 17 companheiros foram transferidos para a ilha das Cobras e colocados numa prisão sem iluminação e com ventilação imprópria, localizada no subterrâneo do Hospital Militar.
Chibata (3)
Na madrugada de 25 de dezembro, dia de Natal, o guarda da prisão notou movimento estranho na cela e ouviu gritos. O fato foi comunicado ao oficial de serviço e, em seguida, o recado chegou ao comandante Marques da Rocha, responsável pela ilha das Cobras. Nenhuma providência foi tomada.
Chibata (2)
Na manhã seguinte, o comandante Marques da Rocha, que havia levado as chaves, abriu a prisão. A cena chocaria até mesmo o mais insensível dos militares: jogados num extremo estavam 16 corpos de marujos mortos por asfixia. Num outro canto, em estado de choque, os dois únicos sobreviventes  – João Cândido e o soldado naval João Avelino. Acabava assim uma das mais violentas rebeliões militares no Brasil.
VER IGUALMENTE – http://tokdehistoria.com.br/2011/07/23/o-fuzileiro-de-taipu-que-morreu-em-nova-york/

Do blog: http://tokdehistoria.com.br/
Recife

"Ó cidade de rios que te fez tao bela?"

  UMA VEZ Por Virgínia Victorino (1898/ 1967) Ama-se uma vez só. Mais de um amor de nada serve e nada o justifica. Um só amor absolve, santi...