sábado, 3 de abril de 2021

Agnaldo Timóteo - O Escudo

Carta de Clarice Lispector ao Presidente Getúlio Vargas

Por Revista Prosa Verso e Arte




Clarice Lispector, uma das maiores escritoras brasileiras, nem sempre foi considerada brasileira.

A escritora nasceu na cidade ucraniana Tchetchelnik, em 1920, e veio para o Brasil com seus pais e suas duas irmãs quando ainda era recém nascida, tendo chegado no Brasil em março de 1922. Na ocasião seus pais alteraram seu nome estrangeiro ‘Haia’ por ‘Clarice’.

Ao completar 21 anos – idade mínima para requerer a nacionalidade brasileira -, Clarice escreveu uma carta direto para o presidente Getúlio Vargas requerendo atenção à sua solicitação.

Que audácia hein?!

Confira:

Rio de Janeiro, 3 de junho de 1942¹

Senhor Presidente Getúlio Vargas:

Quem lhe escreve é uma jornalista, ex-redatora da Agência Nacional (Departamento de Imprensa e Propaganda)², atualmente n’A Noite, acadêmica da Faculdade Nacional de Direito e, casualmente, russa também.

Uma russa de 21 anos de idade e que está no Brasil há 21 anos menos alguns meses. Que não conhece uma só palavra de russo mas que pensa, fala, escreve e age em português, fazendo disso sua profissão e nisso pousando todos os projetos do seu futuro, próximo ou longínquo. Que não tem pai nem mãe – o primeiro, assim como as irmãs da signatária, brasileiro naturalizado – e que por isso não se sente de modo algum presa ao país de onde veio, nem sequer por ouvir relatos sobre ele. Que deseja casar-se com brasileiro e ter filhos brasileiros. Que, se fosse obrigada a voltar à Rússia, lá se sentiria irremediavelmente estrangeira, sem amigos, sem profissão, sem esperanças.

Senhor Presidente. Não pretendo afirmar que tenho prestado grandes serviços à Nação – requisito que poderia alegar para ter direito de pedir a V. Ex.ª a dispensa de um ano de prazo, necessário a minha naturalização. Sou jovem e, salvo em ato de heroísmo, não poderia ter servido ao Brasil senão fragilmente. Demonstrei minha ligação com esta terra e meu desejo de servi-la, cooperando com o DIP, por meio de reportagens e artigos, distribuídos aos jornais do Rio e dos estados, na divulgação e na propaganda do governo de V. Ex.ª E, de um modo geral, trabalhando na imprensa diária, o grande elemento de aproximação entre governo e povo.

Como jornalista, tomei parte em comemorações das grandes datas nacionais, participei da inauguração de inúmeras obras iniciadas por V. Ex.ª, e estive mesmo ao lado de V Ex.ª mais de uma vez, sendo que a última em 1º de maio de 1941, Dia do Trabalho.

Se trago a V. Ex.ª o resumo dos meus trabalhos jornalísticos não é para pedir-lhe, como recompensa, o direito de ser brasileira. Prestei esses serviços espontânea e naturalmente, e nem poderia deixar de executá-los. Se neles falo é para atestar que já sou brasileira.

Posso apresentar provas materiais de tudo o que afirmo. Infelizmente, o que não posso provar materialmente – e que, no entanto, é o que mais importa – é que tudo que fiz tinha como núcleo minha real união com o país e que não possuo, nem elegeria, outra pátria senão o Brasil.

Senhor Presidente. Tomo a liberdade de solicitar a V. Ex.ª a dispensa do prazo de um ano, que se deve seguir ao processo que atualmente transita pelo Ministério da Justiça, com todos os requisitos satisfeitos. Poderei trabalhar, formar-me, fazer os indispensáveis projetos para o futuro, com segurança e estabilidade. A assinatura de V. Ex.ª tornará de direito uma situação de fato. Creia-me, Senhor Presidente, ela alargará minha vida. E um dia saberei provar que não a usei inutilmente.

Clarice Lispector

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[1] Carta publicada originalmente em Eu sou uma pergunta (Rocco, 1999), de Teresa Montero.

[2] A sede da Agência Nacional era no prédio da atual Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), na avenida Primeiro de Março. Para acelerar os trâmites de seu processo de naturalização, Clarice escreve a carta ao presidente da República. O pedido só foi concedido em 12 de janeiro de 1943, dias antes de expirar o prazo determinado.

Clarice Lispector, no livro “Todas as cartas”. Rocco, 2020

 

 


 


 Currais Novos RN




 

 
Nenhuma descrição de foto disponível.
Alguém já ouviu falar da Rosa de Saron??
Aí está uma foto.🌷
Suas sementes são como grãos de areia e podem sobreviver por décadas no deserto e ao primeiro sinal de água elas brotam.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

 


 


A HISTÓRIA DO PRIMEIRO JOGO INTERNACIONAL DE FUTEBOL NO RIO GRANDE DO NORTE

 04/10/2011

QUANDO O AMÉRICA F.C. GANHOU DO MELHOR TIME DE FUTEBOL DA MARINHA INGLESA

Rostand Medeiros – Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte – IHGRN

Em uma tranquila tarde de uma quinta feira, dia 27 de agosto de 1931, a capital potiguar, que na época era uma cidade que nem sequer possuía 40.000 habitantes, seguia a vida sem maiores novidades.

A monotonia foi quebrada pelo surgimento de um navio de guerra, na cor cinza, que se prostrou diante da barra do Rio Potengi.

Este era o cruzador H.M.S. Dauntless que realizava a sua primeira visita ao Brasil e a capital potiguar havia sido escolhida como sua primeira parada em terras tupiniquins.

O cruzador Dauntless entrando em um porto na década de 1930

A chegada deste poderoso navio parou a nossa cidade. Segundo informações dos tripulantes ingleses, ao longo da margem do Rio Potengi se debruçavam mais de 5.000 natalenses, observando extasiados, no final da tarde, aquele barco de 144 metros de comprimento, que entrava vagarosamente no rio, ostentando a bandeira inglesa na sua proa.

Dauntless era comandado pelo oficial da Marinha de Sua Majestade John Guy Potheroe Vivian, mais conhecido como capitão J. G. P. Vivian, um veterano comandante naval, calvo, com 44 anos, alto e extremamente educado.

Jornal “A Republica”, edição de 28 de agosto de 1931

Este foi recebido no cais pelo Vice Cônsul inglês em Natal, o Sr. Eric Gordon, que apresentou o capitão do H.M.S. Dauntless ao então comandante do Regimento Policial Militar, o tenente coronel Sandoval Cavalcanti de Albuquerque, que representava Herculino Cascardo, o então Interventor Federal. Cascardo era um oficial da Marinha do Brasil, com apenas 31 anos de idade, que governava o Rio Grande do Norte desde julho daquele ano por indicação de Getúlio Vargas, seguindo a ordem vigente com a deflagração da Revolução de outubro de 1930.

A chegada do cruzador foi noticiada pelos jornais da época como sendo “Uma tranquila visita de cortesia de 400 oficiais e marinheiros da marinha de Sua Majestade”.

Capitão John Guy Potheroe Vivian

Para os ingleses o local que visitavam era conhecido como “Port Natal”. Eles acharam os edifícios da cidade bem construídos e bastante modernos, mas as ruas eram muito ruins. Realmente nesta época Natal tinha poucas ruas calçadas e como eles estavam chegando ao final de agosto, de um ano de chuvas regulares no litoral, as nossas artérias deveriam estar em péssimo estado de conservação.

Os marujos estrangeiros se espantaram com a grande quantidade de pessoas que frequentavam o porto para ver os hábitos e a rotina dos membros do Dauntless.

Natal, Avenida Duque de Caxias, Ribeira, década de 1930

No sábado, dia 29 de agosto, entre as duas e às seis da tarde os tripulantes abriram seu cruzador a visitação e mais de 5.500 natalenses estiveram a bordo do H.M.S. Dauntless. O estranho para os marujos foi mostrar o que havia no navio apenas por meio de gesticulações. Nesta noite os ingleses colocaram sua banda para tocar no convés e uma multidão foi atraída pela música, passeando pelo cais do porto e aplaudindo entusiasticamente a seleção musical apresentada.

Jornal “A Republica”, edição de 30 de agosto de 1931

Não faltaram nesta visita recepções que movimentaram a capital potiguar, com um baile a bordo do cruzador e outras festividades. Entre estas foi organizada uma festa em honra a visita dos ingleses no Aero Clube, considerado pelos visitantes como o principal local de encontro da sociedade de Natal.

Logo os tripulantes do cruzador souberam que havia poucos cidadãos da terra de Sua Majestade na cidade e que a maioria destes trabalhava junto a empresas que exportavam algodão, a nossa principal matéria prima. Mas havia um comércio que chamou a atenção dos marujos estrangeiros; o de peles de cobra e de lagarto para a fabricação de calçados femininos.

Entrada do “Juvenal Lamartine”, entre o final da década de 1920 e início da seguinte. A imagem mostra, conforme se apresentam as bandeiras hasteadas, que provavelmente estava ocorrendo um clássico entre o América e o ABC.

Os homens do H.M.S. Dauntless acharam que a população natalense mantinha um padrão de vida muito baixo. Entretanto consideraram a cidade muito calma, onde e as pessoas ficavam na rua no máximo até as dez e meia da noite e depois tudo era silêncio. Mas em compensação a cerveja era de boa qualidade, muito barata e abundante.

Outro dado interessante desta visita foi que os marujos ingleses informaram que não existiam cabarés na cidade em 1931. Se a afirmação era correta, ocorreriam muitas mudanças em pouco mais de dez anos, quando Natal receberia milhares de militares americanos e iria conhecer a paraibana Maria Alves Barros, a famosa Maria Boa.

Mas se não havia cabarés, havia futebol e logo os ingleses se animaram para jogar.

Parte da Frota da Marinha de Sua Majestade. Na foto são navios baseados no Mar Mediterrâneo

Em pouco tempo foi organizado para o domingo, dia 30, um jogo entre os membros do time do H.M.S. Dauntless com os jogadores do América Futebol Clube, campeão estadual do ano anterior e considerado a melhor equipe potiguar naquela época.

Logo a edição matutina do jornal “A Republica” do dia 30 de setembro de 1931, anunciava o sensacional “Match” que ocorreria naquela tarde. O jornal informava que a cidade se encontrava em grande euforia com aquele jogo. E não era para menos, pois iria se realizar o primeiro embate entre uma equipe de futebol potiguar e um time de outra nação.

Jogo de Gala

O confronto seria realizado no Estádio Juvenal Lamartine, ou campo do Tirol, também conhecido como campo da Liga de Desportos Terrestres. A antiga Liga é a atual Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol, que naquele ano era dirigida pelo Dr. Potiguar Fernandes e tinha Eliseu Leite como tesoureiro.

Um detalhe interessante é que nenhum momento, as reportagens sobre o jogo indicam o nome do campo como “Stadium Juvenal Lamartine”, batizado em honra a este conhecido governador potiguar. A razão foi a deposição de Juvenal em 5 de novembro de 1930, como parte do processo revolucionário desencadeado em outubro do ano anterior.

A tranquilidade da Avenida Rio Branco Na década de 1930

Estaria presente ao espetáculo o Dr. Gentil Ferreira de Souza, então delegado da Confederação Brasileira de Desportos, a extinta CBD (atual CBF) e futuro prefeito de Natal. Gentil Ferreira havia sido nomeado para este cargo por Renato Pacheco, presidente da CBD na época, conforme podemos comprovar em nota publicada na primeira página da “A Republica”, edição de 2 de julho de 1931.

Haveria uma preliminar, que começaria as escaldantes duas da tarde, onde Aparício Martins estaria na arbitragem entre o time do Força e Luz S. C. e um clube que possuía o estranho nome de “Morte F.C.”.

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Aspectos da arquibancada

Mas o que ninguém queria perder era o jogo entre o campeão local e aquele que foi propagado pelos jornais como o “melhor time de toda a armada britânica”.

Através de informações fornecidas pelos ingleses, no cruzador Dauntless a prática esportiva era tão incentivada, que ele mais parecia um ginásio olímpico flutuante do que uma arma de guerra naval. Os dados apontam que além do futebol, a bordo havia equipes de críquete, rúgbi, polo aquático e hóquei sobre a grama.

O time de futebol do barco de guerra da Royal Navy (Marinha Real) utilizava uma combinação um tanto estranha para seu uniforme; camisa azul escura e calção kaki. O calção chamou a atenção de todos na cidade, pois possuía a mesma coloração utilizada pela força policial na época.

A12 - Copia

Mas independente do que vestiam, os marujos deveriam se sentir extremamente superiores no trato com a bola.

Segundo dados fornecidos pelos próprios ingleses, O Dauntless pertencia nesta época a Divisão de Cruzadores do Atlântico e eles afirmavam serem os campões de futebol deste setor da marinha inglesa. Aquele era o terceiro cruzeiro do navio pelos mares Atlânticos e, até aquela data, haviam realizado 23 paradas em diversos portos da América do Norte e Central, onde realizaram 37 jogos de futebol. Destes haviam vencido 22 partidas, tiveram 8 empates e sofreram 7 derrotas. A equipe do cruzador havia marcado incríveis 116 gols e sofrido apenas 29 tentos dos adversários.

Como havia uma rivalidade muito grande entre as tripulações dos navios da marinha de Sua Majestade, para os homens do Dauntless a vitória mais importante, pelo placar de 2 a 1, foi contra a equipe do cruzador inglês H. M. S. Dheli, em um embate ocorrido durante uma parada em Nova York, Estados Unidos.

Nesta época a Marinha da Inglaterra era a maior do mundo em número de navios de guerra, com diversas frotas atuando em todos os oceanos do planeta e o futebol era extremamente incentivado entre seu pessoal.

Símbolo da Royal Navy Football Association

Para organizar campeonatos entre as várias frotas, só com uma entidade própria, no caso uma associação. A Royal Navy Football Association havia sido criada em fevereiro de 1904 e tinha a sua sede na Base Naval de Portsmouth, uma das maiores daquela marinha.

Não é difícil de imaginar que naquela época, esta entidade futebolística era maior e tinha uma atuação muito mais ampla que a própria FIFA.

Mas agora os marujos da terra de Sua Majestade se batiam pela primeira vez com sul-americanos, representados pelos brasileiros do América de Natal.

O jogo foi marcado para as três e meia da tarde, com dois tempos de 45 minutos e o apito ficou a cargo do Dr. Aníbal Azevedo. Estariam presentes na tribuna de honra do campo o Interventor Cascardo, o capitão Vivian, o Cônsul Gordon e outras autoridades.

Um exemplo do engajamento dos marinheiros ingleses em atividades esportivas ao redor do mundo. Na foto vemos membros da tripulação do encouraçado “H.M.S. Hood” com uma taça a ser disputada em um jogo no Rio de Janeiro, em setembro de 1922

Jack Romaguera, diretor da Companhia Força e Luz, responsável pelos transportes urbanos na capital potiguar, mandou aumentar o número de bondes e ônibus para trazer a maior quantidade de torcedores para apoiarem a equipe do América.

Segundo o amigo Ricardo Argm, de Recife, Pernambuco, Jack Romaguera nasceu em Liverpool e chegou ao Brasil, junto com a família, por volta de 1905, estabelecendo-se no Recife onde, tempos depois, ingressou na The Pernambuco Tramways, empresa inglesa (depois adquirida pela americana General Eletric) que operou o transporte público e distribuição de energia elétrica na capital pernambucana até 1962. Posteriormente, adotou a cidadania brasileira, casou e transferiu-se para Natal onde manteve sólidos vínculos, construídos desde a época em que dirigiu a Companhia de Força e Luz na capital potiguar. Um dos seus amigos, até o fim da vida, foi Teodorico Bezerra que, no início da amizade, não era o empresário e político famoso que veio a se tornar anos depois. O Sr. Jack, ao adotar a cidadania brasileira, retirou o sobrenome britânico e passou a usar apenas o da família paterna de origem espanhola e até hoje com descendentes em Pernambuco e Rio de Janeiro. 

Mas voltando ao jogo sabemos que os preços dos ingressos para assistir o espetáculo seriam de 3.000 réis a arquibancada. As senhoras, crianças e o pessoal da “geral”, pagariam 1.000 réis e quem fosse de carro, era cobrado o valor de 2.000 réis por pessoa. Aqui acredito que ainda não havia um muro lateral no campo e o pessoal mais abonado da cidade assistia o jogo de seus veículos.

Seria entregue ao vencedor uma taça denominada “Eric Gordon”, em honra ao Vice Cônsul inglês, o grande incentivador da realização do jogo.

O comentário nos jornais foi que a taça havia sido adquirida pelo próprio Gordon, sendo definida como uma bela e caríssima peça de decoração de sua residência em Petrópolis, mas diante de tão importante acontecimento ele decidiu ceder o objeto para o campeão da peleja desportiva. O belo troféu havia sido comprado em uma visita recente que Gordon havia feito a Amsterdam, na Holanda e era considerada pelos jornalistas locais como “Uma beleza em bronze, confeccionada de maneira nobre”.

Jornal “A Republica”, edição de 30 de agosto de 1931

Apesar de todo o característico cavalheirismo inglês, a fanfarronice deles estava a toda e tinham a certeza da vitória.

O time do cruzador  Dauntless entraria com o artilheiro naval Blake como “goalkeeper” (goleiro), o timoneiro Kelleway e o sinaleiro Barrington eram os “backs” (beques). Já ao telegrafista Pay não era apontada a sua posição no campo, mas comentavam ser competente no que fazia. O marinheiro Cartland era um bom “center half” (centro de meia), já o baixinho Castlelman era tido como “ligeiro” e havia o ponta Giblin, que no navio exercia a função de cozinheiro. O artilheiro naval Hillier era considerado muito bom driblador, ótimo cobrador de escanteios e era uma espécie de líder do time. Já o mecânico naval Robson e o marujo Hall eram os armadores. O marujo Lynch era um bom driblador sendo considerado o craque da equipe inglesa. Já a função de técnico estava a cargo do tenente A. B. R. Sands.

O H.M.S. Dauntless

Já o nosso América Futebol Clube era um time ainda considerado amador, que se reunia de forma voluntária para jogar pelo amor ao desporto e a camisa. Na época, através dos jornais locais, os jogadores eram “convidados” a comparecerem aos treinos e aos jogos. O jornal não fala em nenhum momento que seriam ofertados prêmios em dinheiro para os jogadores do Mecão.

A escalação do time para o importante jogo era composta dos “Players” Milton (goleiro), Everardo de Barros Vasconcelos, Hemetério e Canuto (beques), Jeremias Pinheiro Junior, João Teixeira de Carvalho e Reynaldo Praça (linha média), Glicério, Neném, Baltazar e Acióli (atacantes). Não foi divulgada aqueles que ficaram na “grade”, como era conhecido aqui em Natal, o pessoal que estavam no banco de reservas.

Lendo os jornais do período percebemos que a imprensa natalense, proporcionalmente não dava maiores detalhes sobre a equipe alvirrubra, ou sobre a sua preparação, o espirito reinante no grupo e nem abordava maiores informações sobre os jogadores.

Arquibancada coberta do “Stadium” Juvenal Lamartine

Certamente que os ingleses eram uma força respeitável, merecia destaque como visitantes e os nossos jornais pareciam não acreditar no time vermelho. Além disso, havia o caso do último jogo do campeonato brasileiro.

Naquela época a extinta CBD promovia um “Campeonato Brasileiro de Foot-ball”, entre as seleções dos estados. Em 9 de julho de 1931, desembarcam do paquete “Pará” os jogadores da seleção de futebol cearense para um grande jogo contra os potiguares, criando uma enorme movimentação na cidade. Até o juiz da partida, o pernambucano Lindolfo Altino, designado pela CBD, veio de Pernambuco em um avião de linha da companhia Sindicato Condor.

Havia uma grande discussão nos jornais da cidade sobre a formação do time potiguar, que seguia para a pugna contra os cearenses apenas com jogadores americanos e abecedistas. Houve até mesmo um equilíbrio na convocação do time, onde cinco jogadores rubros foram chamados; Neném, Pinheiro, Hemetério, Acióli e Glicério.

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HMS Dauntless – Fonte – https://www.pinterest.co.uk

Mas o resultado do jogo, realizado no domingo, 12 de julho, foi um desastre. O time potiguar perdeu de 8 a 5 para os cearenses.

Na crônica sobre o jogo, publicado em “A Republica”, em 14 de julho, vemos que a imprensa local foi muito dura em suas críticas aos jogadores rubros. Pinheiro foi tratado como “O mais fraco dos atacantes”, Glicério “Pouco produziu”. Acióli, mesmo tendo marcado um tento, sendo classificado como “esforçado”, foi criticado por ter chutado pouco contra o gol cearense.

Não seria nenhuma surpresa que estas críticas marcaram os atletas americanos que participaram daquele jogo e eles aguardaram o momento para mostrar ao público potiguar que tinham o seu valor.

Mas voltando ao jogo do time rubro contra os ingleses, sabemos que o campo, ou “Field”, do Tirol lotou. Mas antes teve a preliminar.

E a “Morte” venceu o Força e Luz S.C.

O placar foi 3 tentos a 2, com os gols da equipe vencedora sendo marcados por Montenegro (2) e Toseli (1), em meio a muita correria. É informado que a equipe com uma denominação que evoca tanta negatividade tinha um uniforme totalmente preto. Foi ofertado ao time vencedor a taça “Jack Roamguera”, entregue pelo próprio diretor da Companhia Força e Luz, teoricamente “dono” do time perdedor. Mas não é comentada a sua opinião sobre a derrota.

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Foto do time americano, campeão estadual em 1919 – Fonte – https://curiozzzo.com/2017/05/06/como-o-futebol-comecou-no-rio-grande-do-norte/post-como-comecou-historia-futebol-no-rn-escalacao-america-fc-1919/

Às três e meia da tarde entraram no campo os atletas do América e do Dauntless e foram intensamente aplaudidos pela enorme assistência. Não encontrei indicações que a torcida abecedista se reuniu para torcer pelo “Team” do navio de guerra inglês.

No centro do campo a moeda foi jogada para o alto pelo juiz Aníbal Azevedo e coube ao representante do time americano escolher a “Barra de baixo” como o lado onde a equipe alvirrubra potiguar iniciaria a disputa.

Com menos de dez minutos ocorre uma situação extremamente positiva. Após o segundo ataque realizado pela equipe potiguar, Acióli marca o primeiro gol rubro.

Aparentemente os marinheiros ingleses sentem a pancada, mas não desistem, bem como o time americano. Logo Hemetério sai lá da defesa rubra e obriga o goleiro Blake a realizar uma boa defesa.

Depois Jeremias Pinheiro Junior, conhecido como Pinheirão, rouba a bola de Robson, mecânico naval e armador do time estrangeiro, passa para Neném, que toca rasteiro para Glicério, que em um bom arremate marca o segundo gol para a equipe potiguar, que ocasiona verdadeiro delírio da torcida presente.

Foto ilustrativa que mostra as vestimentas dos jogadores e do juiz, na final da Taça Jules Rimet, quando o Uruguai se sagrou campeão sobre a Argentina, um ano antes do jogo entre o América e a equipe do “Dauntless”

Com este novo tento, a imprensa informa que os ingleses vieram para cima com força total em dois ataques. No primeiro Canuto salva o América de levar um gol e Hillier chuta forte para fora.

O time estrangeiro domina a partida, mas o América reage. Analisando o material descritivo do jogo, esta fase foi um dos momentos mais dinâmicos de todo o embate. Hillier chuta duas vezes para fora, mas em um ataque inglês, Acióli marca uma penalidade máxima. Tensão nas arquibancadas enquanto o juiz Aníbal apita para o jogador inglês correr para pelota e bater contra o gol de Milton.

Em uma atitude atualmente impensada, em um verdadeiro gesto de cavalheirismo, o batedor inglês dispara a bola propositadamente para longe da meta americana. Ele é muito aplaudido pelo gesto.

Logo o juiz assinalou o fim do primeiro tempo.

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HMS Dauntless – Fonte – https://www.pinterest.co.uk

A segunda fase do espetáculo começou com os ingleses vindo para cima com toda a força. O América responde com um escanteio, que foi desperdiçado por Teixeira.

Os ingleses voltam para as imediações da grande área americana e, numa furada de Canuto, Lynch chuta forte e marca o primeiro gol dos marujos do “Dauntless”.

Aquele gol acorda a equipe rubra que parte a toda para o ataque, perigosamente adentrando o campo adversário pelo lado direito. Baltazar escapa e centra “por fora” e Hemetério marca o terceiro gol americano.

Podemos compreender que houve mudanças no ataque do time potiguar e estes acuaram os ingleses. Entretanto, em nenhuma página dos jornais pesquisados, foi encontrada alguma referência se a equipe americana possuía uma pessoa desempenhando a função de técnico.

Nova saída e, apesar de uma reação inglesa, o time potiguar não se deixa envolver e continua atacando e realizando boas investidas com Neném, Hemetério e Glicério.

Mas então Cartland, em uma rápida descida, faz um ótimo passe a Hillier, que entrega a Lynch, que dribla Canuto e passa a Robson, que marca o segundo gol inglês.

Notícia do triunfo americano. Jornal “A Republica”, edição de 1 de setembro de 1931

A partida pega fogo. Os ingleses com a esdrúxula combinação de azul escuro e kaki correm bastante para marcar o gol de empate. Mas a defesa rubra, principalmente com Canuto, Teixeira e Pinheirão seguram o esforço inglês de marcar um gol contra a trave do time potiguar.

Com a segurança atrás, o ataque americano parte em contra ataque, obrigando Blake a realizar difícil defesa. Mas a sua meta seria novamente atacada, desta vez por Acióli, que dispara para o gol adversário. Quando o defensor inglês tenta interceptar, acaba provocando um gol contra. Era o quarto tento americano. A torcida local delira diante do marcador.

Ocorre o quarto reinício de partida por parte dos jogadores do “Dauntless” e o jogo não para. Os ingleses investem pela direita, onde Reynaldo Praça evita um gol de Hills.

O time Rubro continua buscando o ataque e ocorre uma penalidade máxima a favor do time americano. Neném, o comandante do ataque rubro vai para a marca do pênalti, mas, tal qual havia feito o adversário inglês, ele joga a bola distante da meta do time estrangeiro. Segundo o jornal “A Republica”, neste momento o público aplaudiu com forte intensidade o gesto do jogador americano.

Logo o árbitro apitou o final do jogo, com o América vencendo a equipe do “Dauntless” por 4 a 2.

Reportagem sobre o jogo entre o Sport Club Natal e a tripulação do “Dauntless”. Jornal “A Republica”, edição de 4 de setembro de 1931

Infelizmente os jornais foram extremamente econômicos em trazer maiores relatos sobre o pós-jogo. Sabemos que na parte da tarde ocorreu no cruzador um tradicional “chá das cinco”, tipicamente inglês, onde se reuniram os oficiais britânicos e as autoridades potiguares. Mas sobre o jogo nada foi comentado nas páginas dos jornais.

Na terça feira, 2 de setembro, a equipe do Dauntless se bateu com o time de futebol do tradicional Sport Club de Natal. Este clube de remo da capital potiguar, fundado em 1915, tinha nesta época uma equipe de futebol.

O Dauntless no Canal do Panamá

Por alguma razão sem explicação nos jornais, a peleja estava marcada para começar às três e meia da tarde, mas só teve início as quatro e dez. Ficou definido que a partida teria dois tempos de 35 minutos, visto o Campo do Tirol não ter iluminação e a partida terminou debaixo de forte polêmica.

Para o jornalista de “A Republica” o jogo foi considerado muito bom e terminou empatado em 2 a 2. Mas este mesmo periodista definiu como “uma coisa imaginária” o segundo gol do time inglês.  Em sua opinião, em um lance de ataque dos jogadores do “Dauntless”, a bola nem sequer passou da linha do gol do Sport. Mas o juiz que referendou o tento era membro da tripulação do cruzador. O mesmo marujo deixou de marcar um pênalti a favor do Sport Club de Natal e ainda apontou duas vezes a marca do pênalti a favor do time estrangeiro, uma delas convertida em gol.

Para se ter uma ideia como era simples o nosso futebol nesta época, os jogadores americanos Milton, Praça, Pinheiro e Neném atuaram com a camisa rubro negra do Sport, sem que isso gerasse polêmicas nem constrangimentos.

Logo o Dauntless levantou ferros de Natal deixando uma boa lembrança.

Seu destino posterior foi Recife, onde sua chegada e permanência, ao menos ao visualizarmos as páginas do “Diário de Pernambuco”, foi muito mais discreta e pouco chamou atenção. Mesmo assim os ingleses jogaram bola na capital pernambucana.

A equipe do Dauntless preferiu se bater contra equipes de empresas inglesas com sucursais em Recife, onde inclusive havia uma numerosa colônia de cidadãos do país de Sua Majestade. Os adversários foram as equipes do “British Country Club”, da “Transport and Motor Traction Comporation” e da “Telephone Company”, onde respectivamente venceram as duas primeiras equipes de 5×0 e 6×0 e empataram com a última por 2×2.

Tripulação do H.M.S. Daunless

Aparentemente, depois do ocorrido em Natal, a turma do cruzador evitou confrontos com equipes recifenses, como os tradicionais times do Náutico, Santa Cruz e Sport.

Lendo as velhas páginas amareladas percebemos um forte senso de responsabilidade entre os jogadores do time rubro, onde prevalecia a ideia que eles não estavam apenas representando Natal, ou o Rio Grande do Norte, mas todo o país.

Evidentemente que a equipe de futebol do Dauntless não era um time profissional e alguns podem nem sequer considerá-lo uma equipe futebolística na acepção da palavra. Mas para os súditos de Sua Majestade, o futebol sempre foi algo muito sério, mais ainda no interior de uma força naval respeitada e poderosa como era a Marinha Inglesa da época, onde o esporte era intensamente incentivado e desenvolvido.

Neste sentido, esta vitória do América F.C., na primeira partida de futebol contra uma equipe estrangeira realizada no Rio Grande do Norte, não pode ser esquecida.

De: https://tokdehistoria.com.br/

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