Geraldo Melo
(Artigo publicado no jornal TRIBUNA DO NORTE, edição de 2 de abril de 2017)
NÃO SE PODE REFORMAR deixando tudo como está. É a primeira coisa que me
vem à cabeça quando se fala em reforma da previdência. Se, para
reformar, tem que alterar, seja muito, seja pouco, é preciso que nos
ponhamos de acordo sobre se precisamos mesmo reformar ou não.
Qual é o motivo alegado para reformar? O “deficit”. A previdência arrecada menos do que tem de pagar.
Há os que dizem que o “deficit”não existe. Foi inventado pelo governo.
Se não existisse o “deficit”, para que este governo, ou qualquer outro,
haveria de comprar uma encrenca do tamanho desta, que coloca um pedaço
grande da população aos berros na rua contra ele? Para que mesmo? Só pra
chatear.
Existindo o “deficit”, só podem ser contra uma reforma que
o elimine aqueles que acham que o dinheiro do governo cai do céu e,
portanto, o governo pode e deve cobrir o buraco, seja qual for o
tamanho. Junto com todos os outros buracos. Da saúde. Da educação. Da
segurança. Da infra-estrutura. E quantos outros mais apareçam.
O
dinheiro do governo não cai do céu e o “deficit” existe. Infelizmente, é
maior do que aquele que o governo anuncia. O valor anunciado pelo
governo não inclui, por exemplo, o crédito contra a previdência que, mês
a mês, vai sendo acumulado pelos contribuintes ativos enquanto não se
aposentam. Como segurados e contribuintes eles são credores das quantias
que recolhem todos os meses. Ou não?
A previdência é um sistema
que se baseia na solidariedade da população ativa, mais jovem e
saudável, para com a população inativa, mais idosa ou com limitações
físicas que a impedem de continuar trabalhando. Os ativos de hoje
custeiam a manutenção dos inativos, que são os ativos de ontem.
Como, desde o começo, essa conta era difícil de fechar contando apenas
com a solidariedade do pessoal ativo, os empregadores foram chamados a
contribuir também – mesmo sendo, em sua quase totalidade, empresas,
pessoas jurídicas, que não se aposentam nunca. Pagam, mas não são
segurados.
Juntando o dinheiro de empregados e empregadores, resta
saber: quanto custa a aposentadoria dos inativos? Quantos são eles?
Quanto cada um vai receber? Por quanto tempo?
A nossa previdência é
um sistema tão tristemente engraçado que tem prejuizo se a população
passa a viver mais tempo: se a vida média da população aumenta, a vida
média dos aposentados também aumenta. Ora, quanto mais rápido um
aposentado morre, mais rápidamente a previdência se vê livre do encargo
de pagar a ele no fim do mês...
Do mesmo modo, quanto mais cêdo uma
pessoa se aposenta, mais cedo deixa de pagar e mais cedo começa a
receber dinheiro da previdência.
O indivíduo que se aposenta cêdo e acha de só morrer bem tarde... é de fato uma grande bronca para a previdência.
Tenho a impressão de que, sem radicalismos e partidarismos, qualquer
pessoa de bom senso concordará com a necessidade da reforma. Isso não
quer dizer concordar com a proposta do governo.
O governo fez lá a sua
proposta. Outras propostas podem ser feitas, desde que resolvam o
problema que se precisa resolver: acabar o “deficit” de hoje sem gerar
novo “deficit”amanhã.
Para definir o que fazer concretamente, não
seria humilhante para o Brasil olhar para o resto do mundo. Como é
feito, por exemplo, no Canadá, com seus 50.000 dólares de renda
per-capita anuais enquanto nós temos 11.000? Idade mínima de 60 e 65
anos para mulheres e homens, e um prêmio (Old Age Security) para os que
se aposentarem mais tarde. Como é no Japão e na Alemanha? Ambos têm
renda pessoal anual da ordem de 45.000 dólares. Ali a idade mínima para
aposentadoria é de 65 e 67 anos respectivamente. A comparação certamente
vai mostrar que nós aqui, embora mais pobres, criamos, e muitos de nós
não queremos alterar, um sistema previdenciário mais generoso (e caro)
do que o desses países e muitos outros bem mais ricos do que nós.
É
bom ter um sistema de aposentadoria que seja assim generoso. A questão
é: sem a ajuda de Papai Noel, como é que vamos pagar por isso?