quinta-feira, 11 de junho de 2015

O Julgamento de Jesus



Ilegalidades Processuais nos Direitos Romano e Hebreu

Publicado por Mariana Hamm 
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Resumo

A história do personagem mais conhecido e misterioso de todos os tempos. A história de Jesus modificou toda história. Porque Jesus foi executado? A mando de quem? Dos romanos ou das autoridades judaicas? Porque Jesus passou por dois julgamentos? Foram formalmente legais? Jesus cometeu algum crime? A crucificação era a pena a ser imposta? Este estudo expõem a análise jurídica do julgamento de Jesus através de um viés histórico. O Julgamento de Jesus foi, sem dúvida, o maior escândalo judicial da história da humanidade. Jesus Cristo não deixou nenhum registro de próprio punho. As fontes de sua história são, principalmente os Evangelhos Canônicos, fontes da Bíblia Sagrada, de fé. Fé pelo que Jesus representa. Jesus foi um revolucionário: foi acusado, processado e executado como um, devido sua pregação radical. Foi condenado por Pôncio Pilatos à crucificação – a forma mais terrível de pena capital da época. O motivo de sua condenação foi exibido pelos romanos no alto da sua cruz como sua reivindicação de ser o “Rei dos Judeus”. Para os poderosos da época, ele passou a significar uma ameaça a ordem social. Jesus moveu multidões, deixou inúmeras mensagens de sabedoria e amor ao próximo. Jerusalém era a capital da Judéia, terra santa dos judeus, onde estava o Templo: centro da vida econômica e religiosa. A base jurídica do povo hebreu era o Torah e a Misnah. Os juízes aplicadores do direito compunham o Sinédrio. Jerusalém era domínio do Império Romano. O poder jurídico era celebrado ao Governador por transmissão do Imperador. Na época de Jesus, o Governador era Pôncio Pilatos. Jesus passou por dois julgamentos: um religioso, perante o Sinédrio, e outro politico, frente a Pôncio Pilatos e Roma. As acusações religiosas no Direito Hebraico eram: blasfêmia, profanar no sábado e ser um falso profeta. Porém, estas de nada valiam perante Roma, visto que não violavam o direito romano. Ao levar Jesus para seu segundo julgamento, eram preciso novas acusações. Acusações políticas: sedição, declarar-se rei e incitar o povo a não pagar impostos à César. A prisão de Jesus aconteceu na noite de quinta-feira, véspera da grande festa da Páscoa do Senhor. Ambos os julgamentos foram permeados de ilegalidades processuais. Na noite de seu julgamento, todo conhecimento que os juízes do direito possuíam sobre legalidades fora desprezado em face da vingança contra Jesus. Ele foi preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais e condenado a uma pena errada ao crime que era acusado. A ira dos poderosos crucificou Jesus. Jesus era inocente. O Estado sempre se fez poder, o poder sempre fez vítimas ao longo da história. Inúmeros mártires foram exterminados pelo poder. São lutas de cidadãos, desarmados, batalhas pela justiça social, geralmente, guerras de paz contra injustiças do Estado. Alguns tornam-se mártires, alguns nomes jamais serão conhecidos. E o cenário comum a todos: a justiça de olhos vendados, não pela sua imparcialidade, mas, olhos forçosamente vendados para manipular todos os atos e procedimentos necessários com o propósito de legalizar o fim escolhido pelo poder.
Palavras-chave: Jesus, julgamento, crucificação, direito romano, direito hebraico, ilegalidades processuais.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar os atos processuais da execução de Jesus, sob as óticas dos direitos hebraicos e romano.
Faz-se a apresentação do protagonista deste estudo, para que o leitor situe-se no tempo, no lugar, nos costumes, na política e religião vigentes à época de Jesus. Quais seus feitos e como são conhecidos os registros de sua história. A complexidade da convivência entre os universos judaicos e o Império Romano, a qual estava o primeiro submetido, entendendo-se, então, porque Jesus passou por dois julgamentos. São expostos os moldes jurídicos de ambos direitos.
As acusações são apresentadas em ambas normativas jurídicas que Jesus teria irrompido: hebraica e romana. A imputação do tipo punível, na época como crime capital, é destacada pelas leis em voga na época. Todos os atos dos processos são relatados, da prisão aos julgamentos pelos quais foi submetido: perante o direito hebraico, com sua apresentação ao poder religioso: o Sinédrio; e o perante os arcos de Roma, diante de Pôncio Pilatos.
As ilegalidades processuais em todos os atos do procedimento, da prisão à sua execução, são enumeradas e elucidadas uma a uma em confronto com os direitos aplicados à época.
Alguns outros personagens históricos que, assim como Jesus, tiveram suas vidas aplacadas pelo poder do Estado são citados ao final. São mártires de todos os séculos que se expuseram pela busca da justiça social, mas, pela justiça estatal (i) legalmente manipulada foram exterminados.
JESUS CRISTO
“O impacto que sua vida e doutrina provocaram nos contemporâneos atingiu tal intensidade que, hoje, ainda vibra. Talvez, ser Deus, seja apenas isso”, introduz Leminski (2013, p. 134), em um capitulo destinado à vida de Jesus de sua obra “Vida: 4 biografias”.
Jesus, descendente de Davi. Um judeu da Galiléia.
O homem que tornou-se por Cristo, o Salvador da humanidade.
Ele desafiou os judeus, desafiou o governo do mais poderoso Império que o mundo já conheceu – Roma – e por espontânea vontade, cumpriu seu martírio: escolheu morrer.
Jesus não deixou nenhum registro de próprio punho. As fontes de estudo sobre sua vida são as coletâneas de textos conhecidos pelo nome grego “Evangelion”, literalmente, “boa mensagem”. Os Evangelhos ditos canônicos[3] – reconhecidos pela Igreja quando esta se organizou como poder –, são atribuídos a Mateus, Marcos, Lucas e João, discípulos diretos ou discípulos dos discípulos de Jesus.
Um dos mais respeitados juristas da atualidade, juiz e presidente da Corte Constitucional da Itália, Zagrebelsky (2011, p. 40), reflete em sua obra “A crucificação e a democracia”, sobre a autenticidade dos livros bíblicos:
[...] as Escrituras parecem-nos feitas não de fatos humanos historicamente verificados nem de eventos divinos, mas de espíritos humanos consolidados em dois mil anos de diálogo com as gerações que nelas se reconheceram. Não há razão nenhuma para não reconhecer a esse espírito uma realidade e uma verdade igual àquelas de qualquer outro. E não há, portanto, razão para interrogar-se sobre a veracidade histórica dos eventos narrados, nem sobre a filologia dos textos.
Pouco sabemos sobre sua infância e adolescência. A exposição histórica de sua vida começa quando ele está com 30 anos, no rio Jordão, para ser batizado por João, o Batista.
As massas gostavam de Jesus, mas a ira dos líderes religiosos ia se intensificando a cada aparição e mobilização do seu povo. O juiz Cohn (1994, p. 98), em sua obra “O julgamento e a morte de Jesus”, explica que havia verdadeiros motivos para que o povo gostasse de Jesus: ele realizava milagres, curava enfermos, consolava e era redentor dos pobres e perseguidos, era punidor da corrupção. Havia motivo para Jesus granjear a afeição e devoção populares – e, com isso, a ira dos poderosos.
Jesus foi um revolucionário: foi acusado, processado e executado como um, devido sua pregação radical. Foi condenado por Pôncio Pilatos à crucificação – a forma mais terrível de pena capital da época. O motivo de sua condenação foi exibido pelos romanos no alto da sua cruz como sua reivindicação de ser o “Rei dos Judeus”. Para os poderosos da época, ele passou a significar uma subversão da ordem social, ser um negador do elenco dos valores de sua época e um proponente de utopia.
Jesus: o cordeiro que se entregou em sacrifício, em dores humanas, em agonia, em laceração da sua própria carne, em crucificação para nossa salvação. E ele já sabia tudo o que passaria.
Jesus, o Filho de Deus.
O LUGAR E O TEMPO DE JESUS
Jerusalém era a capital da Judeia, a Terra Santa dos judeus, sob o domínio do Império Romano na época de Jesus. Foi onde começou a pregar, em 30 d. C., movendo multidões, curando em dia proibido e expulsando cambistas do Templo.
3.1 UNIVERSO JUDAICO
Judeus: um povo milenar, conduzido por Moisés, pelo deserto, para assentar moradia na região vizinha a Jerusalém. O povo hebreu passou por muitos episódios na sua história, conquistando Canaã, constituindo-se como estado, triunfando com o Rei Davi, prosperando com seu filho Salomão, vivendo complexidades políticas e militares, sendo arrebatado por egípcios e assírios, invadido por persas, gregos macedônios e, enfim, pelos romanos.
O domínio romano sobre Jerusalém começou em 63 a. C., quando Pompeu Magno entrou na cidade com suas legiões conquistadoras e sitiou o Templo, centro de comércio para toda Judeia, a principal estação financeira e seu maior banco.
Situada no planalto sul montanhoso da Judeia, no canto mais distante do poderoso Império Romano, estava Jerusalém. No momento da invasão romana, sua população era de cerca de cem mil pessoas. Para os romanos, uma pequena cidade, insignificante, “um buraco no canto” como classificou o estadista Cícero (107 a. C. – 44 a. C.). Mas, para os judeus, era a cidade mais original, mais santa e mais venerada em todo mundo.
Com o domínio romano fez-se necessário um acordo entre o poder político e o poder religioso para que mantivesse sua vigilância sobre o culto judaico e, em particular, sobre o Sumo Sacerdote. Esta figura possuía prestígio político como religioso e poder para decidir sobre todas as questões religiosas, de fazer cumprir a lei de Deus e até mesmo de efetuar prisões. Para ter o controle sobre os judeus, os romanos tinham que controlar o Templo, e, consequentemente, o Sumo Sacerdote. Assim, depois de tomar o controle da Judeia, Roma tomou para si a responsabilidade de nomear e destituir o ocupante deste cargo.
A base jurídica do povo hebreu era o Torah, ou Pentateuco. Seus livros, de Levítico e Deuteronômio, expõem as leis; porém, é no livro do Êxodo que encontra-se a obra-prima do Direito Hebraico: o Decálago, ou seja, os dez mandamentos. “[...] os judeus substituíram a idolatria das imagens e simulacros pela idolatria a um texto: o Torá, os cinco primeiros livros da Bíblia atribuídos a Moisés”, descreve Leminski (2013, p. 161). Para os judeus era muito importante o cumprimento das leis, eles se sentiam abençoados em poder cumpri-las.
Os juízes aplicadores do Direito compunham o Sinédrio, do hebraico Sanhedrim – “sentados juntos” –, e era presidido pelo Sumo Sacerdote escolhido pelo rei. O Sinédrio também era conhecido como o Grande Conselho dos Setenta, composto por setenta e um membros, era o corpo religioso supremo e o mais alto tribunal judiciário da nação judaica.
O Sumo Sacerdote na época do julgamento de Jesus era Caifás. O cargo atribuía-lhe o dever de vigiar e primar pelo cumprimento reto da Lei, tanto da ordem social como religiosa. O poder do Sinédrio tinham como base a Lei Mosaica e não se distinguiam entre religiosos e civis.
3.2 UNIVERSO ROMANO
O Império Romano foi uma das organizações sociais mais belas que já existiram no mundo até hoje. A partir dele, tem-se modelos de lei e estrutura jurídica que aplicamos até hoje.
Na época da morte de Jesus Cristo, Tibério (42 a. C. – 37 d. C.) era o Imperador de Roma. A população romana era calculada entre 50 e 80 milhões de habitantes, dividido entre cidadãos e estrangeiros. Os primeiros tinham privilégios, os segundo dependiam da etnia para obter respaldos. Os escravos não eram considerados pessoa, povo romano, não havendo existência jurídica e humana para eles.
Roma ocupou a região da Judeia em 63 a. C.. O aspecto religioso judaico era altamente respeitado pelo poder romano. Os romanos eram pagãos e creditavam ao Imperador o título de Deus. Cohn (1994, p. 49) relata sobre a época:
A província da Judeia em geral e a cidade de Jerusalém em particular eram notórias em Roma como focos de insurreição e revolta. Provavelmente não havia outro lugar no vasto império onde os romanos fossem tão profundamente odiados e tão implacavelmente desprezados quanto em Jerusalém. Foi corretamente observado que esses sentimentos não se fundavam apenas em motivação patriótica: suas raízes verdadeiras eram religiosas. Para os judeus, aquela era a terra santa, e Jerusalém ainda mais santa, e o Templo de Jerusalém o que havia de mais sagrado [...].
Roma já privilegiava o princípio do devido processo legal, aplicado através do Direito Processual Penal. Alguns de seus fundamentos eram: o processo público, oral e o contraditório.
O poder jurídico era celebrado ao Governador por transmissão do Imperador, o que possuía o chamado ius gladii, ou seja, o poder da vida e da morte. Pôncio Pilatos era o governador no período de Jesus. Governou a Judeia de 26 à 37a. C., e era muito mal visto pelos judeus face seus atos de traição e crueldade.
Existiam, lado a lado, dois sistemas: o legal e o religioso. Quando Tibério designou Pilatos para representá-lo afirmou-lhe que os judeus teriam autonomia em seus assuntos legais, exceto para afrontas políticas.
AS ACUSAÇÕES
Primeiro foi Jesus e o Sinédrio, depois Jesus e Pilatos. De um lado, as acusações religiosas de blasfêmia, de outro, as acusações políticas de rebelião.
4.1 AS ACUSAÇÕES NO DIREITO HEBRAICO
Caifás acusou Jesus de crime capital baseado nas seguintes cláusulas, conforme descreve Thomas (2013, p. 221), em seu livro “O julgamento de Jesus: Um relato jornalístico sobre os acontecimentos que levaram à crucificação”:
[...] não ter devido temor e respeito ao Nome em seu coração, mas, tendo sido movido e seduzido pela instigação de Belzebu, ter proclamado, falsa e repetidamente, nessa cidade e em outros locais, ter autoridade e poderes que não possuía; blasfemara contra o Nome e profanara o Templo; alterara, subvertera e transformara sua constituição; tentara levantar um insurreição por meio de várias declarações e ações contra o Templo e contra o senhor tetrarca, o soberano governante temporal.
As principais acusações contra Jesus por efeito dos costumes e ordenamento judaicos foram: blasfêmia, profanar o sábado e ser um falso profeta. Nenhuma das acusações foram provadas pelo Sinédrio. Mesmo assim, ao final do julgamento, a sentença foi pela condenação por blasfêmia contra Deus.
4.1.1 Blasfêmia
O crime de blasfêmia constava do Misnah 7.5, quando da invocação do poder de Deus Yahweh para si. Jesus não praticou o crime de blasfêmia.
Foram as afirmações de Jesus, de ser o Cristo e de que todos veriam o Filho do Homem sentado à direta de Deus Poderoso, que provocou a decisão da blasfêmia contra ele, conforme o evangelista Mateus (25:59-65) relata. Porém, segundo a lei judia a segunda afirmação não caracterizaria a blasfêmia pois não equivale a uma negação do princípio fundamental do monoteísmo, que não admitia outro ser divino além de Deus. Estar sentado a o lado de Deus é a afirmação de uma posição privilegiada, não se trata de afronta a unicidade de Deus. Nada havia, portanto, de tipificação criminal nas palavras de Jesus.
4.1.2 Profanar No Sábado
Outra acusação contra Jesus foi de profanar no sábado – data sagrada para os judeus –, e mesmo em crime, a pena não era a morte, e sim, pena de prisão de sete anos.
A lei que regulava o sábado era a Mishnah Sabbat VII 2, que impunha diversas recomendações referentes ao cotidiano do dia considerado sagrado, as atividades eram reduzidas ao mínimo. Quem as violasse era exemplarmente punido para manter a ordem social. Jesus curou no sábado. Este ato não estava tipificado entre os 39 da lei, não era crime conforme o direto hebraico.
4.1.3 Ser Um Falso Profeta
Outra acusação versa sobre Jesus ser um falso profeta, o que era considerado crime no Direito Hebraico. O falso profeta, seria assim considerado, aquele que proclamava profecias e as mesmas não se cumpriam.
Durante o julgamento perante o Sinédrio, Caifás afirmou que, segundo Thomas (2013, p.222), “Jesus explorava cinicamente as massas com um ensino novo e perigoso, que mascarava uma conspiração para desestabilizar a nação – e talvez até mesmo destruí-la”.
4.2 AS ACUSAÇÕES NO DIREITO ROMANO
As acusações religiosas que o Sinédrio dispôs contra Jesus de nada valiam perante o governador romano, visto que não violavam o direito romano, somente o direito dentro do Templo, caso fossem verídicas.
Novas acusações eram necessárias: acusações políticas. Zagrebelsky (2011, p. 85), assim relata:
Mas aos membros do Sinédrio era necessário o envolvimento de Pilatos, seja porque eles não tinham o poder de mandar Jesus à morte, seja porque para eles o aval da autoridade romana fosse essencial por motivos de política interna por causa do temor de uma rebelião em ocasião da Páscoa. A aliança com a força romana era indispensável em ambos os casos. Portanto, para este fim, era necessário uma acusação diferente, que deslocasse o assunto do plano teológico para um plano politico, relevante para os romanos. Assim, Jesus foi acusado de ter instigado o povo à revolta incitando-o a não pagar tributos a Cesar, e de ter-se, ele mesmo, proclamado rei: era um crimen laesae majestati.[4]
4.2.1 Incitar o Povo a Não Pagar Impostos a César
A mais calamitosa acusação contra Jesus, incitar o povo contra o Império consistia no crime de perduellio, delito contra a segurança do Estado ou a ordem pública e estava preconizado na Lei das XII Tábuas.
Como a passagem bíblica em Marcos (12:13-17) relata, Jesus não incitou o povo a não pagar impostos, ele reconhece na moeda romana a face do Imperador e orienta que a cada rei seja dado que lhe é devido: “Deem ao Imperador o que é do Imperador e deem a Deus o que é de Deus”.
4.2.2 Declarar-se Rei
A pretensão de Jesus em ser o “Rei dos Judeus”, o que configurava em crimen laesae majestatis, [5] aparenta ser a razão alcança pelo direito romano, corrompido neste julgamento, para a execução de Jesus. Tanto que foi exposta acima de sua cruz a inscrição da acusação em hebraico, latim e grego: “Jesus de Nazaré, o Rei dos Judeus.”
Esta acusação, se provada, seria traição e sobrepujava a de blasfêmia sob a lei judaica. Envolvia Jesus em uma grave ofensa política de ter se colocado diretamente acima do Imperador. Jesus não se declarou rei frente a qualquer Império terreno, ao Império de César ou romano.
4.2.3 Sedição
Crime contra a segurança do Estado, sublevação, ato de rebelião, conspiração contra o Imperador, era um crime punido com morte. Jesus foi acusado de ter iniciado seu “levante” pela Galileia até chegar em Jerusalém. O Evangelho de Lucas (23:5) relata a acusação do grupo de judeus que o prendeu perante Pilatos: “[...] - Ele está causando desordem entre o povo em toda Judeia. Ele começou na Galileia e agora chegou aqui”.
A PRISÃO
A história da morte dolente de Jesus começa com a sua prisão.
A prisão de Jesus aconteceu na noite de quinta-feira, dia de Sefer, véspera da grande festa do Pessach.[6] Ele estava orando quando finalmente chegaram para buscá-lo, sem qualquer mandado de prisão.
A prisão foi deliberada em comum acordo entre Roma e os hebreus, talvez por motivos diferentes, mas, convergentes: manter a ordem social. “Estava em jogo um delicado equilíbrio de forças, assim como a conservação da própria tradição política e nacional”, afirma Zagrebelsky (2011, p. 67).
Eles foram avisados por um dos Doze, Judas Iscariotes. Coube a Judas, papel singular nos Evangelhos e na vida de Jesus: a traição! Judas foi comprado por trinta moedas de prata para trair Jesus.
“Jesus com trinta e três anos: Preso, sob a acusação de agitar as massas e pretender o Reino, Jesus é torturado e executado pela autoridade romana, mancomunada com a aristocracia sacerdotal de Jerusalém”, apresenta Leminski (2013, p. 201).
OS JULGAMENTOS
Jesus suportou dois julgamentos diferentes: um judeu-religioso (perante o Sinédrio) e um romano-político (perante Pôncio Pilatos). O aspecto comum entre eles era o de silenciá-lo.
O favoritismo de Jesus era ao mesmo tempo a razão de sua perdição e de sua defesa. Quando da aproximação da Páscoa, Jesus ressuscita Lázaro, o que causou grande impacto emotivo, tanto para o povo quanto para as autoridades. A partir daí o poder politico-religioso deveria eliminar Jesus.
Iniciaram-se, assim, os julgamentos corrompidos de Jesus.
6.1 O JULGAMENTO NO DIREITO HEBRAICO
Após ser preso, Jesus foi levado à presença de Anás (destituído do poder de Sumo Sacerdote do Sinédrio havia três anos, ou seja, de qualquer poder legal) para seu primeiro interrogatório. Este julgamento ocorreu de noite na casa do Sumo Sacerdote, Caifás, balizado pelo Direito Hebraico – a lei judia.
Conforme o jurista Cohn (1994, p. 56), a (in) competência do Sinédrio para tal julgamento descreve-se
Embora o Grande Sinédrio dos Setenta e Um fosse encarado como a fonte definitiva de toda a jurisdição civil, penal, administrativa e consultiva, ele próprio não exercia jurisdição civil ou penal, exceto em muito poucos casos bem definidos, como, por exemplo, quando o Sumo Sacerdote era penalmente indiciado. A jurisdição penal geralmente era exercida pelo chamado Pequeno Sinédrio de vinte e três juízes. [...] O Grande Sinédrio era, em essência, um órgão legislativo.
Portanto, o Grande Sinédrio não possuía a devida competência legal. Mas, mesmo assim, reuniu-se naquela noite no palácio do Sumo Sacerdote, assumindo a carga de uma “admissão contra o interesse”, envolvendo os judeus e as autoridades judias nos acontecimentos. A reunião não permeava o julgamento de Jesus, nem formalizar qualquer investigação preliminar, ela foi arranjada para que não houvesse tumulto entre o povo caso as pessoas soubessem que Jesus estava sendo julgado. Ao referir-se a este assunto, Zacrebelsky (2011, p. 68) enriquece
O Sinédrio não podia negligenciar os perigos da temida proclamação de Jesus como Rei dos Judeus e dos previsíveis tumultos populares que o acompanhariam. Significaria o início da repressão violenta por parte das forças de ocupação, o fim do difícil equilíbrio e o começo de uma dominação baseada simplesmente na força. Naturalmente – como sempre acontece nesses casos - a defesa da ordem constituída coincidia com a defesa dos privilégios da estrutura de poder. Os membros do Sinédrio atuavam pela tranquilidade social, mas, ao mesmo tempo, agiam por interesses próprios.
O livro do Evangelho de João é o único que descreve o interrogatório perante Anás, junto ao Sinédrio. Ao ser questionado por Anás, Jesus pouco dissera, manteve-se a maior parte do tempo em silêncio e impassível. O relato de João, afirma que os guardas do Anás bateram em Jesus e mandaram-no ter respeito ao Sumo Sacerdote, porém o detentor do cargo à época era Caifás e não Anás. Rui Barbosa (1957, p.186) analisa criticamente este momento em seu texto:
Anás, desorientado, remete o preso a Caifás. Este era o sumo sacerdote. Mas, ainda assim, não tinha a jurisdição, que era privativa do conselho supremo. Perante este já muito antes descobrira o genro de Anás a sua perversidade política, aconselhando a morte a Jesus, para salvar a nação. Cabe-lhe agora levar a efeito a sua própria malignidade, “cujo resultado foi a perdição do povo, que ele figurava salvar, e a salvação do mundo, em que jamais pensou”.
No momento da apresentação das testemunhas, não haviam testemunhas. Deveriam ser duas, no mínimo. Porém, o poder enaltecido do Sinédrio saiu em busca e corrompeu algumas. Mateus (26:59): “Os chefes dos sacerdotes e todo o Conselho Superior estavam procurando alguma acusação falsa contra Jesus a fim de o condenar à morte”.
Os testemunhos prestados contra Jesus eram falsos e corrompidos, foram armados pelos sacerdotes.
Caifás insistia na acusação de blasfêmia, crime capital, então pergunta à Jesus se ele é o Filho de Deus. Jesus responde: “Vós que estais dizendo que sou”. A interpretação, a mais apropriada para a condenação, foi de que Jesus teria, neste momento, afirmado ser ele mesmo igual a Deus, ele se fizera de Deus. A blasfêmia, perseguida pelos acusadores, estava formalizada pelo próprio réu.
Todos os juízes votaram que Jesus era digno de morte.
A popularidade de Jesus abstraia uma importância ímpar aos olhos dos poderes religioso e politico de Roma. As posições de prestígio do poder, tanto do Sumo Sacerdote, quanto do Governador estavam ameaçadas. O que estava em jogo não era a vida de Jesus ou suas doutrinas, mas a posição do Sinédrio. Existia uma necessidade urgente e extrema em angariar e manter o apoio popular. A despeito, o jurista Cohn (1994, p. 188) confirma
As considerações que podem ter levado líderes a tentarem se livrar de um homem de aspirações progressistas e reformistas, de pensamento independente e praticante de milagres, tal como era Jesus, foram de muito ultrapassadas por suas convicções – que encontrou expressões nos Evangelhos – de que qualquer tentativa de interferência sobre Jesus, iria logo causar um “tumulto público”.
Os judeus estavam certos da culpa capital de Jesus mas, segundo suas leis, não era a eles lícito matar ninguém. Eles não possuíam jurisdição para julgar executar Jesus, e por isso entregaram Jesus ao julgamento romano certos de sua execução.
Ao amanhecer, todos os chefes dos sacerdotes e os anciões do povo convocaram um conselho contra Jesus. Amarram-no, levaram e o entregaram para Pilatos, o Governador de Roma. O Sumo Sacerdote alegou que Jesus era culpado e digno de morte. Thomas (2013, p. 249) esclarece
[...]que as ofensas políticas que Jesus cometera estavam fora da jurisdição do sistema legal judeu, e que sua seriedade transcendia o crime puramente religioso de blasfêmia pelo qual fora condenado. Portanto, como a lei romana se sobrepunha a todas as demais, “nós não temos o direito de executar ninguém”.
6.2 O JULGAMENTO NO DIREITO ROMANO
O julgamento romano foi realizado no praetorium[7] e, enquanto durou, a multidão esperava no pátio em frente ao Palácio. Pilatos recebeu Jesus usando suas vestes de governador sobre a toga. Ele agiria como promotor e juiz, o julgamento final pertencia exclusivamente a ele.
O governador dispunha do Direito Romano e lavou suas mãos ante a condenação de Jesus Cristo. Mas a opinião pública fazia questão da execução. Assim como o primeiro julgamento, este também foi covarde e sem os trâmites legais requeridos.
Os quatro Evangelhos narram, em diferentes ordens, os acontecimentos daquela noite. Foram vários atos entre interrogatórios, a aclamação da multidão pela morte de Jesus, a descrença de Pilatos sobre quaisquer crimes que Jesus haveria cometido conforme o Direito Romano.
Pilatos recebe Jesus e pergunta a Caifás quais eram as acusações, porém a resposta foi evasiva e desafiadora ao poder romano: “O senhor acha que nós lhe entregaríamos este homem se ele não tivesse cometido algum crime?”, Jo (18:29-31). Pilatos determina que o Sumo Sacerdote leve Jesus e o julguem conforme as leis hebraicas, mas as leis hebraicas não executariam Jesus. O Sumo Sacerdote insiste no julgamento romano.
Pilatos não acha culpa em Jesus e propõem à multidão o privilegium paschale.[8]
Os chefes dos sacerdotes e os líderes judeus convenceram a multidão a pedir ao governador Pilatos que soltasse Barrabás e condenasse Jesus à morte. Então o Governador perguntou:
- Qual dos dois vocês querem que eu solte?’
- Barrabás! – responderam eles. (MT 27:20-21)
Jesus é flagelado. Neste momento, os Evangelhos divergem sobre Pilatos ter mandado Jesus ser castigado. João é o único que narra a flagelação de Jesus no meio do julgamento. Segundo o evangelista, Pilatos ordenou: Barrabás libertado; Jesus levado ao poste de açoitamento.
Jesus saiu com a coroa de espinhos e um manto púrpura. Os soldados zombavam e batiam nele. Ajoelhavam-se na sua frente gritavam: “Salve, rei dos judeus!”
A multidão pede a crucificação. Neste momento, o governador faz uma tentativa: entregar Jesus aos judeus para que estes mesmo o crucificassem. Pilatos reforçava sua opinião de não ter encontrado base alguma das acusações que faziam contra ele.
A multidão amedrontou Pilatos alegando: ”[...] Nós temos uma Lei, e ela disse que este homem deve morrer por que afirma que é o Filho de Deus”, Jo (19:7). Quando Pilatos quis soltar o réu a multidão o ameaçou dizendo que se ele o fizesse, seria inimigo do Imperador. O Governador não correria o risco de ser entregue como traidor pela vida de homem judeu.
Neste momento, o livro de Mateus é o único a narrar o ato de Pilatos que é historicamente lembrado: ter lavado suas mãos com água, ato que simboliza a mais vil covardia, exaurindo-se, assim, do seu poder de fazer justiça.
Pilatos perguntou à multidão se eles haveriam de crucificar o seu rei, aquele que se intitulava o rei dos judeus. Os sumos sacerdotes responderam: “[...]- O nosso único rei é o Imperador!” (Jo 19:15).
Pilatos, então, entrega Jesus.
O escritor Zagrebelsky (2011, p. 123) defende que, nesse momento, a autoridade do julgamento entregou a decisão ao povo, transferiu a solução do conflito na terceira instância: uma instância popular. Pilatos não submeteu à multidão um problema judiciário, não estava interessado em juízo de culpa ou absolvição, foi simplesmente uma propensão por uma escolha, uma escolha política: “Por esses motivos, a terceira fase do ‘processo de Jesus’, a popular, não foi mais um ato judiciário, mas uma ação política – se assim quisermos dizer como contraposição”.
Jesus está entregue a seus algozes, sem condenação por parte da autoridade romana. “Jesus já não é mais o objeto passivo, a vítima, mas torna-se o sujeito que movimenta resolutamente os eventos para que as Escrituras se realizem. [...] Jesus é o dono do seu destino”, cita Zagrebelsky (2011, p.53).
Jesus, enfim, foi condenado por causa da blasfêmia hebraica pelo juiz romano.
Jesus está morto.
AS ILEGALIDADES PROCESSUAIS
O Sumo Sacerdote reconheceu que era duplamente importante criar uma presença jurídica poderosa: Jesus era mais do que apenas um prisioneiro; sob a lei judaica e romana o julgamento que se seguiria seria um faz de conta: não se buscara qualquer testemunha para depor em seu favor; o arauto do Templo não tinha sido enviado no dia anterior, o tempo mínimo de aviso necessário, pela lei, para anunciar que todos que quisesse podiam comparecer e, se fosse necessário, prover evidencias de depoimentos obtidos antecipadamente. Previdência formal alguma fora tomada antes do julgamento. Não foi apregoada no Templo qualquer notícia pública, uma exigência nas regras de procedimento do Sinédrio. Não fora enviada qualquer notificação escrita à fortaleza Antonia –o que teria permitido ao procurador o direito de enviar à corte judaica um assessore e decidir se haveria ou não necessidade de intervir. (THOMAS, 2013, p.219)
“Era uma noite de quinta-feira, 14 de Nisan, ou 6 de abril do ano de 793 da fundação de Roma, quando se iniciou o maior ESCÂNDALO JUDICIAL DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE”, assim Ribeiro (2010, p. 35) intitula os atos do julgamento de Jesus.
Rui Barbosa (1957, p. 219), brilhantemente, discorre a respeito do processo ilegal de Jesus: “No julgamento instituído contra Jesus, desde a prisão, uma hora talvez antes da meia-noite de quinta-feira, tudo quanto se fez até o primeiro alvorecer da sexta-feira subsequente, foi tumultuário, extrajudicial, e atentório dos preceitos legais”. O juiz Cohn (1994, p. 120) confirma em seus estudos: “[...] todo o julgamento, e a sentença resultante, estavam maculados de ilegalidade” e cita o Presidente da Suprema Corte, MacRuer, que resume com precisão as ilegalidades processuais dos atos:
O julgamento hebreu... Entranhado como estava de ilegalidade... Fora uma mascarada de procedimento judicial em todo seu decorrer. Jesus foi ilegalmente preso e ilegalmente interrogado... O tribunal foi ilegalmente reunido à noite. Não se formulou jamais qualquer acusação legal sustentada pela prova de duas testemunhas... Quando Jesus compareceu diante da justiça, foi ilegalmente condenado à morte por causa de palavras saídas da sua própria boca...
7.1 AS ILEGALIDADES PROCESSUAIS NO DIREITO HEBRAICO
Sob a tutela do Direito Hebraico, a lei dos judeus, destacaram-se numerosos erros. O mestre Rui Barbosa (1957, p. 185) expressa que a ilegalidade do julgamento noturno, que o direito judaico não admitia, agravou-se com o escândalo das testemunhas falsas, angariadas pelo próprio juiz, que, deveria ser o primeiro protetor do réu.
7.1.1 Falta De Fato Típico Punível
Jesus foi processado sem nenhum dispositivo legal que lhe imputasse crime. Entoa-se o princípio secular do direito: “Nullum crimen sine lege”.[9] Jesus não praticou crime em lei definido. A acusação de blasfêmia não estava caracterizada nos atos de Jesus. Jesus não impôs sua figura sobre a de Deus.
7.1.2 Falta De Indiciamento Criminal
Não houve qualquer indiciamento criminal formal antes da detenção de Jesus. Nenhuma ordem foi emitida por qualquer autoridades competente, esta falta passou por cima do código criminal romano, também. Não houve protocolo de acusação formal no Sinédrio. Na casa de Caifás, os procedimentos não tiveram uma descrição para Jesus de uma acusação formal, qualquer indiciamento criminal, do que ele era acusado.
7.1.3 Incompetência Do Juízo E Suspeição Dos Juízes
Jesus não poderia ter sido julgado pelo Sinédrio, nem no local, nem da maneira, e nem no momento como tudo aconteceu. A competência do juízo configura erro formal gritante na lista das irregularidades.
Anás, sogro de Caifás, havia sido desposto do cargo de Sumo Sacerdote havia 3 anos, então, não tinha competência para proceder um interrogatório contra Jesus. Este interrogatório aconteceu, em residência particular, na casa do Grande Sacerdote Caifás, o que era contrário à lei, pois o lugar legítimo para tais atos de processo era nas dependências do Templo, onde havia uma câmara especifica para tal.
Além da incompetência do juízo, àquela época, as leis já estabeleciam a incompetência da figura dos juízes por suspeição, com interesse na causa. Houve a violação da chamada dos juízes, que deveriam se declarar suspeitos, isso era mais que uma formalidade jurídica.
7.1.4 A Prisão
Diversas ilegalidades versam sobre a prisão: o horário do ato, a inviolabilidade de domicílio, a não existência de mandado e a ausência dos institutos de prisão provisória e preventiva no Direito Hebraico.
A lei hebraica Misnah 4.1 estabelecia que não se faria nenhuma prisão à noite, porém Jesus foi preso mais ou menos às 23 horas de acordo com alguns estudiosos, no momento da realização da cerimônia de Sefer.
Conforme os costumes, era terminantemente proibido aos judeus portarem armas durante o Pessach. Porém, durante a prisão de Jesus, escravos e policias judeus estavam fortemente armados conforme as descrições dos evangelistas.
7.1.5 Julgamento Noturno e Não Público
O julgamento hebraico de Jesus não foi público, foi pela madrugada e no dia de Sefer, cerimônia judia que mantinha as pessoas em suas casas, celebrando. O princípio da publicidade foi severamente ferido. A Misnah 3: L-5 instituía que: em caso de pena capital, o julgamento deveria ser público, iniciado e concluído durante o dia; a sentença só poderia ser enunciada um dia após o julgamento; e, também, que não seria permitido julgamentos nos dias festivos ou na véspera de um festival, como o Pessach.
7.1.6 Testemunhas Corrompidas E Prova De Confissão
Um tribunal penal, conforme a lei judia, não admitia que uma pessoa fosse declarada culpada pelos seu próprio testemunho ou confissão. Tratando-se de crime capital, só poderia ser considerada culpada mediante o depoimento de, pelo menos, duas testemunhas fidedignas e desde que seus testemunhos concordassem. O julgamento de Jesus não teve oitiva legal, as testemunhas foram corrompidas e seus discursos eram incongruentes. Não existiam testemunhas legítimas.
O Sinédrio não dispunha de qualquer prova válida para condenar Jesus.
Após isso, Caifás condenou Jesus somente por sua confissão (quando perguntou a Jesus se ele afirmava ser o Filho de Deus e este assentiu), conforme os Evangelhos, firmando, assim, mais uma ilegalidade processual neste processo histórico. A confissão não poderia condenar à pena capital.
7.1.7 Cerceamento Do Direito De Defesa
Jesus não teve qualquer movimento de defesa, conforme preconizava as leis da época. Este direito não lhe oferecido. O tratado do Sinédrio estipulava que após a apresentação da acusação, o réu tinha o direito de ser ouvido, de proferir seus argumentos de defesa. Jesus não foi convidado a contra-argumentar.
7.1.8 Premeditação
Outra ilegalidade sobre o julgamento que está narrado nos Evangelhos, versa na premeditação da acusação e da condenação. Uma reunião do Conselho teria ocorrido dois dias antes da festa da Páscoa com o único fim de prender e matar Jesus. O Evangelho de Mateus (26:3-4), relata: “Os chefes dos sacerdotes e os líderes judeus se reuniram no palácio de Caifás, o Grande Sacerdote, e fizeram um plano para prender Jesus em segredo e matá-lo”.
7.1.9 Traição
A lei Mosaica proibia a acusação mediante traição. Jesus foi traído por Judas, pelo preço de 30 moedas, desconfia-se que foram dadas por Anás em troca da delação.
7.1.10 Unanimidade Dos Votos
Outra ilegalidade evidente foi a unanimidade nos votos, que obrigava a inocência do acusado, segunda a lei hebraica Misnah B Sanhedrim 17a era um veredito inválido. Isso derivava do dever que a Corte teria de proteger e defender o acusado. Segundo o evangelista Marcos (14:64): “[...] Todos estavam contra Jesus e aí o condenaram à morte”. No caso de unanimidade nos votos, o veredito seria a absolvição.
7.1.11 Sentença
A sentença não poderia ter sido proferida no mesmo dia, por se tratar de pena capital. Conforme legislação hebraica, o anúncio deveria ser adiado para o dia subsequente, porém a sentençafoi proclamada no mesmo dia da prisão, à noite.
7.1.12 Pena Imputada
A pena sentenciada foi incontroversa aos crimes atribuídos. Nenhum deles eram punidos com morte: a profanação era punida com uma pena de prisão de sete anos; a blasfêmia tinha como punição açoites.
A lei judaica instituía a pena de morte por lapidação (as primeiras pedras seriam jogadas pelas testemunhas de acusação, e em seguida, o povo continuava arremessando pedras até a morte do condenado, Mishnah 6.1 6.4), jamais por crucificação.
7.1.13 Tortura
Jesus foi torturado após seu julgamento diante de Caifás. Ele foi violentado com agressões físicas e morais. A lei regulava o principio Qui percusserit hominem, punietur, registrado em Levítico (14:19): “Se alguém ferir outra pessoa, farão com ele a mesma coisa que ele fez”. Porém, o que ocorreu foi a transgressão de qualquer lei que pudesse proteger Jesus.
7.2 AS ILEGALIDADES PROCESSUAIS NO DIREITO ROMANO
Após ser entregue ao Governador Pôncio Pilatos, o julgamento de Jesus foi arbitrário nos moldes da justiça romana, também. O governador tentou várias evasivas, mas sem êxito.
“Jesus Cristo foi preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais, apenado com um veredito errado, e, por fim, entregue à mercê da boa vontade de um Juiz, no caso o governador Pilatos”, Ribeiro (2010, p. 27).
7.2.1 Falta De Formalidade
A lei romana somente permitia a execução por morte em seus domínios após a condenação proveniente de seus dirigentes. Por isso, Jesus foi levado as seu segundo julgamento: perante Pôncio Pilatos.
Um processo iniciava-se com a propositura da ação (libelo) pelo cidadão romano, ofendido ou não, narrada diante do juízo. Não houve a apresentação de acusação, contendo a delatio criminis, [10] o que era indispensável nos processos do direito romano.
Se o juízo recebesse a denúncia, guardava o libelo no erário público, colocando o nome do acusado em uma tábua no rol de culpados. O acusado, então, apresentava-se e era interrogado sobre as acusações. Se houvesse a confissão, terminava o processo. Se não houvesse, o pretor determinava o retorno do acusador e do acusados, via de regra em 30 dias, prazo para colheita de provas. Poderia haver recusa de ambas as partes acerca dos juízes sorteados. Não foi assim que o julgamento de Jesus seguiu.
7.2.2 Falta De Formação Do Júri.
Na data marcada para a audiência, normalmente 30 dias após o recebimento da libelo, formava-se o órgão julgador e eram sorteados os iudices iurati, Juízes do Júri. O resultado dava-se pela votação dos juízes não declarados suspeitos. Jesus foi julgado somente pelo Governador Pôncio Pilatos.
7.2.3 Falta De Provas
Não havia nenhuma prova contra Jesus. Testemunhas também não foram constituídas no processo, não houve a apreciação de nenhuma. A admissão da prova sabidamente falsa era punível de acordo com a lei romana.
7.2.4 Prisão
O direito romano exigia um indiciamento criminal formal antes da detenção do acusado. Nenhuma ordem foi expedida para a prisão de Jesus, nenhuma sentença que declarasse sua culpa foi proferida. Ele foi entregue a Pilatos pela manhã.
7.2.5 Acusação
“Houve ruptura na acusação legal: o acusador normalmente faria sua acusação diante do magistrado verbalmente, apresentando testemunhas para provar o seu pleito, estas eram de responsabilidade do acusador e não do tribunal”, trata Cohn (1994, p.131-132). Não eram aceitas acusações de um corpo de acusadores. O Sinédrio não atuou como corpo de acusação, somente resolveu entregar Jesus ao julgamento romano.
7.2.6 Sentença E Pena Imputada
Da sentença, cabia a appelatio para o órgão superior.
A lei romana era taxativa quanto à pena de flagelação e vetava-a para homens livres, somente escravo e homens sem capacidade jurídica poderiam ser condenado à ela. Já, a pena de tortura, instituída na Lei das XII Tábuas, era prevista somente para ladrões apanhados em flagrante e para menores que furtavam no meio da noite, ou, em outros casos, somente para escravos, nunca para homens livres. Jesus foi flagelado e torturado, mesmo sendo um homem livre.
A crucificação quer uma punição que Roma reservava quase exclusivamente para crime de sedição. Jesus não foi condenado por sedição.
A CRUCIFICAÇÃO: O ASSASSINATO DE JESUS PELO PODER ESTATAL
“A agonia na cruz: o símbolo máximo de como Roma lidava com seus inimigos”, palavras de tormenta de Thomas (2011, p. 21).
As modalidades da execução da sentença de morte foram as romanas, não as hebraicas. O dogma e o realismo cético foram os dois tiranos que levaram Jesus a cruz.
Os relatos dos Evangelhos seguem os últimos momentos de Jesus com detalhes da sua agonia e suplício. Jesus não foi apenas crucificado: antes de sua crucificação, segundo os Evangelhos de Marcos, de Mateus e do João, ele foi açoitado.
Após Pilatos entregar Jesus para a crucificação, os atos de execução foram, um a um, cruéis e pujantes de dor. Estando flagelado, com a carne rasgada e exposta, Jesus foi obrigado a carregar parte da sua cruz até o monte onde seria crucificado.
Jesus sobreviveu por horas agonizando na cruz.
Então, Marcos (15:33-34) narra: “Ao meio-dia começou a escurecer, e toda a terra ficou três horas na escuridão. Às três horas da tarde Jesus gritou bem alto:— “Eloí, Eloí, lemá sabactani?” Essas palavras querem dizer: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Alguém molhou a esponja em vinho e, com um bastão, deu para Jesus beber. Jesus deu um grito forte e morreu.
O exactor mortis dirigiu sua lança para o lado de Jesus, fazendo com que atravessasse suas costelas e chegasse ao coração. Precisa estar certo da morte do “Rei dos Judeus”.
A MANUTENÇÃO DA ORDEM SOCIAL COMO ARGUMENTO DE (I) LEGALIDADE EM ASSASSINATOS PROMOVIDOS PELO ESTADO: PERSONALIDADES HISTÓRICAS.
Rui Barbosa (1957, p. 187) expressa criticamente:
Mas juízes, que tinham comprado testemunhas contra o réu, não podiam representar senão uma infame hipocrisia da justiça. Estavam mancomunados, para condenar, deixando ao mundo o exemplo, tantas vezes depois imitado até hoje, desses tribunais, que se conchavam de véspera nas trevas, para simular mais tarde, na assentada pública, a figura oficial do julgamento.
Muitos outros julgamentos foram mancomunados, com testemunhas corrompidas, procedimentos ilegais, farsas, por parte do estado julgador e manipulador, frente a seus memoráveis réus, mártires de diferentes tempos da história. Diferentes épocas, diferentes personagens em ambas extremidades da balança do poder, diversos motivos em disputa, porém um ponto convergente em todos esses julgamentos: a inveja, que desde o processo de Sócrates está na base de todo o processo político.
Sócrates, São Pedro e São Paulo, Joana D’Arc, Giordano Bruno, Tiradentes, as inúmeras e ocultadas vítimas da Ditadura Militar no Brasil, e tantos outros, são exemplos que de pessoas que se manifestaram contra injustiças, impunidades e abusos do Poder, que lutaram por uma verdadeira e correta aplicação da lei e em prol dos Direitos Humanos. Foram crucificados, enforcados, queimados vivos, envenenados, presos e assassinados pelo Estado Poder.
10 CONCLUSÃO
A história de Jesus é ímpar e modificou toda história. A partir da recapitulação de fatos da sua vida e do tempo em que estava inserido, a análise do seu processo de julgamento e crucificação desvendam-se como tendo sido político, de ocasião e manipulado em todas as instâncias. Todos os preceitos jurídicos à época foram negados, usurpados. O exame dos atos de Jesus à luz do direito foi injusto, ilegal e imoral porque Jesus era inocente. Ele foi preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais e condenado a uma pena errada ao crime que era acusado. E executado. Executado brutalmente pelo Estado, pelos poderes políticos e religioso, por mover multidões, por questionar dogmas, por ter persuasão e influenciar pessoas. A luta de Jesus era justa, legal e torneava-se com os ensinamentos do amor de Deus.
A ira dos poderosos crucificou Jesus. Na noite de seu julgamento, todo conhecimento que os juízes do direito possuíam sobre (i) legalidades fora desprezado em face da vingança contra Jesus.
O Estado sempre se fez poder, o poder sempre fez vítimas ao longo da história. A continuação do estudo, atrelando o tema, apresenta inúmeros mártires que, como Jesus, foram exterminados pelo poder, (e ainda serão muitos). São lutas de cidadãos, desarmados, batalhas pela justiça social em determinados espaços temporais, em confronto com imposições do poderio; geralmente, guerras de paz contra injustiças estatais. Mártires que são cidadãos anônimos, em um primeiro momento, mas que com sua morte e causa escrevem seu nome na história. São milhares: mártires famosos, reconhecidos, os que são perdoados pelo seus executores mais tarde, e, também, os que nunca serão conhecidos – a maioria. E o cenário comum a todos: a justiça de olhos vendados, não pela sua imparcialidade, mas, olhos forçosamente vendados para manipular todos os atos e procedimentos necessários com o propósito de legalizar o fim escolhido pelo poder.
Infelizmente, máxima de Cabonnier, se fez real e atual: “Le droit n’est fait ni pour les héros, ni pour les saints, mais pour les homes medíocres que nous sommes”: O direito não foi feito para os heróis, nem para os santos, mas para os homens medíocres que somos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Rui. Obras completas de Rui Barbosa. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 1957.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Holy Bible. 2000.
COHN, Haim. O julgamento e a morte de Jesus. Tradução Henrique Mesquita. 2. Ed. Rio de Janeiro: Imago, 1994.
LEMINSKI, Paulo. Vida: Cruz e Souza, Bashô, Jesus e Trótski – 4 biografias. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
RIBEIRO, Roberto Victor Pereira. O julgamento de Jesus Cristo sob a luz do Direito. 1. Ed. São Paulo: Editora Pillares, 2010.
THOMAS, Gordon; O julgamento de Jesus: Um relato jornalístico sobre os acontecimentos que levaram à crucificação. Tradução Miguel Herrera. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2013.
ZAGREBELSKY, Gustavo; A crucificação e a democracia. Tradução Monica de Sanctis Viana. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

[1] Autora do presente artigo, Graduanda do Curso de Direito no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.
[2] Professor e Orientador do tema O Julgamento de Jesus, formado em Direito pela Faculdade de Direito de Curitiba (1998); especialização em Direito Empresarial pelo IBEJ (2000) e mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). Atuação profissional em Direito, com ênfase em Teoria do Direito, principalmente nos seguintes temas: constituição, liberalismo e Brasil Império. Professor da Disciplina de História do Direito na Faculdade UNICURITIBA.
[3] Canônico é um adjetivo que caracteriza aquilo que está de acordo com os cânones, com as normas estabelecidas ou convencionadas. Evangelhos Canônicos são os que a Igreja reconheceu como sendo os que transmitem autenticamente a tradição apostólica e estão inspirados em Deus.
[4] Crime de lesão à Majestade, ao poder.
[5] Crime de lesão à Majestade, ao poder.
[6] “Essa manhã de primavera marcava uma das ocasiões mais importante para Templo: a chegada da Páscoa, o Pessach. Era a mais santa e mais fervorosa das festas do calendário religioso, uma ocasião que combinava gratidão pela libertação da escravidão egípcia com um lembrete de que só há um único Deus. Os rituais da celebração estavam estabelecidos no décimo segundo capítulo do Êxodo, onde estava registrado que Moisés instruiu seu povo sobre como se comportar se quisesse evitar o ataque do anjo da morte que estava em seu meio para destruir os inimigos.” THOMAS (2013, p. 111)
[7] O nome da residência do governador. Lugar onde o governador romano tinha seu Tribunal.
[8] Privilégio Pascal: Thomas (2013, p. 262) escreve que “Tanto na lei romana quanto na judaica havia bases claras para permitir uma anistia por ocasião de uma grande festa. Os romanos tinham herdado o costume dos gregos, e o aperfeiçoaram em dois tipos de perdão. Havia a indulgentia. Apenas o Imperador dá-lo, e normalmente só era concedido ao líder de inimigos conquistados que mostrasse coragem excepcional diante da derrota. Havia também a abolitio, que era parte integrante do código legal romano; esse perdão só podia ser concedido antes que fosse dada uma sentença romana. Um abolitio encerrava um procedimento e libertava o prisioneiro antes que sua condição e culpado ou inocente tivesse sido estabelecida. A prerrogativa estava nas mãos do administrador-chefe do império na província. Sob a lei romana, tanto Barrabás quanto Jesus estavam qualificados para o abolitio: o líder zelote não tinha sido julgado; Jesus tinha sido considerado inocente de qualquer ofensa”.
[9] Não há crime sem lei anterior que o defina.
[10] Denúncia do crime.

Tenho vergonha de ser juiz


Publicado por Ylena Luna 
177
Por João Batista Damasceno
Tenho vergonha de dizer que sou juiz. E não preciso dizê-lo. No fórum, o lugar que ocupo diz quem eu sou; fora dele seria exploração de prestígio. Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque não o sou. Apenas ocupo um cargo com este nome e busco desempenhar responsavelmente suas atribuições.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, pois podem me perguntar sobre bolso nas togas.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e demonstrar minha incompetência em melhorar o mundo no qual vivo, apesar de sempre ter batalhado pela justiça, de ter-me cercado de gente séria e de ter primado pela ética.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que confessar minha incompetência na luta pela democracia e ter que testemunhar a derrocada dos valores republicanos, a ascensão do carreirismo e do patrimonialismo que confunde o público com o privado e se apropria do que deveria ser comum.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz e ter que responder porque — apesar de ter sempre lutado pela liberdade — o fascismo bate à nossa porta, desdenha do Direito, da cidadania e da justiça e encarcera e mata livremente.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque posso ser lembrado da ausência de sensatez nos julgamentos, da negligência com os direitos dos excluídos, na demasiada preocupação com os auxílios moradia, transporte, alimentação, aperfeiçoamento e educação, em prejuízo dos valores que poderiam reforçar os laços sociais.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser confrontado com a indiferença com os que clamam por justiça, com a falta de racionalidade que deveria orientar os julgamentos e com a vingança mesquinha e rasteira de quem usurpa a toga que veste sem merecimento.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque posso ser lembrado da passividade diante da injustiça, das desculpas para os descasos cotidianos, da falta de humanidade para reconhecer os erros que se cometem em nome da justiça e de todos os “floreios”, sinônimos e figuras de linguagem para justificar atos abomináveis.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz porque faço parte de um Poder do Estado que nem sempre reconheço como aquele que trilha pelos caminhos que idealizei quando iniciei o estudo do Direito.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, porque tenho vergonha por ser fraco, por não conhecer os caminhos pelos quais poderia andar com meus companheiros para construir uma justiça substancial e não apenas formal.
Tenho vergonha de dizer que sou juiz, mas não perco a garra, não abandono minhas ilusões e nem me dobro ao cansaço. Não me aparto da justiça que se encontra no horizonte, ainda que ela se distancie de mim a cada passo que dou em sua direção, porque eu a amo e vibro ao vê-la em cada despertar dos meus concidadãos para a labuta diária e porque o caminhar em direção a ela é que me põe em movimento.
Acredito na humanidade e na sua capacidade de se reinventar, assim como na transitoriedade do triunfo da injustiça. Apesar de testemunhar o triunfo das nulidades, de ver prosperar a mediocridade, de ver crescer a iniquidade e de agigantaram-se os poderes nas mãos dos inescrupulosos, não desanimo da virtude, não rio da honra e não tenho vergonha de ser honesto.
Tenho vergonha de ser juiz em razão das minhas fraquezas diante da grandeza dos que atravancam o caminho da justiça que eu gostaria de ver plena. Mas, eles passarão!
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Fonte: Justificando

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Firmino Dezenove, comerciante assuense conhecido pela sua impaciência com o freguês que chegava perguntando preço de tudo e saia sem comprar nada. Para ele a especulação de preços era inadmissível e para aquele cliente que voltava para comprar a mercadoria pesquisada em outra bodega, tinha sempre uma resposta negativa pronta: "tenho, mas não vendo, se você quisesse tinha levado da primeira vez", era geralmente sua resposta implacável. 

A budega de Firmino 
Eu gosto de me alembrá
Dos meus tempo de minino
Quando ia lá comprá 
Era uma venda surtida
De tudo tinha na vida
Era grande o suprimento
Mas só Firmino sabia
Achá a mercadoria
Na hora do pagamento.

Se o freguês perguntasse
Por um precinho quarqué
E adispois de lá vortasse
Pra perguntá quanto é
Ele dizia infadado
Foi precurá no mercado
O preço da friguisia?
Agora num tem mais jeito
Nem cum orde du prefeito
Eu vendo a ingrisia.

E tava dado o recado
Pra comprá la na budega 
Existia um predicado
Num inganava uma cega
Mais porém num admitia
Toda aquela correria
Pelo preço na cidade
O qui é de fato dotô
Firmino foi o inventô
Do cartão fidelidade. 

Vendia um pôco de tudo
E num tinha caristia
Panela, tampa, canudo
Pexêra, faca, rudia
De fumo preto e tuaia
Barbante, chapé de paia,
Chinela de lançamento,
Fazenda de toda cor
Infeitada de fulô
Inxada, pá e cimento.

Lá nóis tinha garantia
Das orige do produto
Era grande a regalia
Qui fazia pru matuto
Anotava num papé
Os pidido ali de pé
Na bêrada do barcão
Logo depois o embruio
Era grande meu orguio
Das budega do sertão.

De Firmino pode crê
Eu tenho munta sordade
Do seu jeito de vendê
Cum munta sinceridade
Do vale pru tabuleiro
Do peão ao fazendero
Passava a mercadoria
Sem precisá de carrim
E nem daquele pantim
Qui a gente vê hoje im dia.

Fonte: COISAS DE MATUTO - Antônio Carlos Matos de Oliveira - CJA Edições - 2015.
Do blog: Assu na ponta da língua

MANOEL CALIXTO CHEIO DE GRAÇA E quem não se lembra de Manoel Calixto Dantas também chamado de "Manoel do Lanche?" Era um dos nosso...