O DO X taxiando na água
ESTA ERA A MAIOR AERONAVE EXISTENTE E ESTEVE EM NATAL PELA IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DESTA CIDADE PARA A AVIAÇÃO MUNDIAL
Autor – Rostand Medeiros
Claudius Dornier certamente é um dos mais ilustres engenheiros
aeronáuticos da história da aviação mundial, colocando seu sobrenome em
toda uma série de empresas e aeronaves construídas entre 1912 a 2002.
É inegável para aqueles que estudam a história da aviação mundial que
o nome de Dornier é muito associado com o chamado projeto X, o projeto
de um enorme hidroavião e a maior aeronave do mundo da sua época.
Dornier e sua grande nave
Apesar dos nove anos de esforço, de ser uma impressionante maravilha
aérea, infelizmente o DO-X foi sob muitos aspectos um grande fracasso.
Mas isso não impediu que um dia este gigante dos ares houvesse
amerissado nas calmas águas do Rio Potengi, na cidade de Natal, uma das
mais importantes e estratégicas regiões para a aviação mundial no
período inicial do seu desenvolvimento.
Esta é a sua história!
Um Grande Engeneiro
Nascido em Kempten, na Alemanha, em 14 de maio de 1884, Claude (ou
Claudius) Honoré Desiré Dornier era filho de um francês, importador de
vinhos, e de uma dona de casa alemã. Logo ficou claro a sua inteligência
e capacidade, onde se percebeu o seu gosto pela ciência. Depois Dornier
se destacou como um grande designer e empresário, mas igualmente como
um verdadeiro acadêmico. Menos óbvio, mas igualmente importante, está na
sua percepção política para conseguir sobreviver, mas também prosperar
em uma Alemanha derrotada na Primeira Guerra Mundial, as restrições do
Tratado de Versalhes, a má gestão predatória da era nazista e a segunda
derrota alemã em 1945.
Dornier graduou-se em 1910, com distinção, na Technische Hochschule,
de Munique, e foi contratado pela empresa fabricante de dirigíveis
Zeppelin, onde sua experiência com estruturas metálicas foi inestimável.
O futuro DO X no Lago Konstanz
Impressionado com o jovem, o conde Ferdinand Graf von Zeppelin
autorizou que uma instalação especial, em Seemoos, as margens do Lago
Konstanz, fosse utilizada por Dornier para o desenvolvimento de
hidroaviões. Lá, em janeiro de 1915, Dornier construiu o Zeppelin-Lindau
Rs 1, um hidroavião trimotor, com estrutura metálica, tendo 43 metros
de envergadura e pesando 10.500 toneladas. Infelizmente este aparelho
foi danificado antes que pudesse voar.
Dornier completou mais três grandes hidroaviões antes do final da
Primeira Guerra. Nenhuma destes pássaros se tornaram aviões de combate,
mas cada um deles aprimorou a fórmula clássica de grande parte das
futuras aeronaves desenvolvidas por Dornier.
Após a derrota na guerra veio a proibição da Alemanha de construir aviões de grande porte.
Em 1919, Dornier transfere suas operações para Manzell, Suíça. Lá ele
projetou o famoso hidroavião bimotor Dornier DO-J Wal (baleia), que
voou pela primeira vez em 12 de novembro de 1922. Devido a outras
restrições do pós guerra, Dornier foi forçado a se estabelecer na
Itália, onde funda a empresa S.A.I. di Costruzioni Mecchaniche i Marina
di Pisa, com a intenção de produzir comercialmente o Wal.
O Dornier Wal
O hidroavião foi tão bem sucedida em termos de vendas que 320
unidades foram construídas, incluído as fabricadas sob licença pela
Kawasaki no Japão, Aviolanda na Holanda, CASA na Espanha e em 1933, após
os abrandamentos das restrições de fabricação de aeronaves, pela
própria empresa Dornier Flugzeugwerke, com sede em Friedrichschafen, na
Alemanha.
O Grande DO X
Em 1924, ainda quando Claudius Dornier se encontrava na Suíça, teve
início os estudos que culminariam no hidroavião DO-X. Mais de 240 mil
horas de trabalho vão ser gastas pelos próximos cinco anos para criar a
maior aeronave de sua época. Para Walter J. Boyne, piloto e coronel
reformado da United States Air Force, no seu trabalho intitulado “The
Dornier DO-X: What Might Have Been” (2011), foi durante este período que
Dornier perdeu o controle do projeto em termos de peso e arrasto.
Neste plano o DO X mais parecia um navio
Embora fosse um gênio na arte de estruturas leves, onde aprendeu mais
ainda quando estava junto a Graf von Zeppelin, usando a sua famosa
combinação de aço e duralumínio, Dornier parecia atacado por um complexo
de “Art Deco aeronáutico”. Ele viu o DO-X não tanto como um hidroavião,
mas como um verdadeiro “Palácio voador sobre os oceanos”, tendo o
projeto se tornado estruturalmente complexo, excessivamente ornamentado e
aeronauticamente complicado. Logo o DO-X recebia internamente três
níveis. O mais alto foi dividido em cinco compartimentos para os 12 ou
14 tripulantes (formado pelos pilotos, navegadores, homens de rádio e
engenheiros).
Requinte interno do DO X
O segundo pavimento foi ricamente equipado para o luxo e requinte dos
ricos passageiros e com área para transportar suas volumosas e pesadas
bagagens. Neste pavimento o DO-X possuía quartos de dormir, quarto para
fumantes, um bar, banheiros, uma cozinha, um elegante salão que também
poderia ser convertido em uma área para receber berços de dormir durante
os voos noturnos e uma sala de jantar. A terceira plataforma foi
utilizada para o armazenamento de combustível, de lastro, de óleo e de
equipamentos.
Conhecido na Alemanha como
Flugschiff (navio voador), possuía
uma envergadura de 48 metros, uma área de asa com 450 m² e havia sido
projetado para transportar 66 passageiros em voos de longa distância, ou
100 passageiros em voos curtos. As asas eram tão largas que permitia a
passagem de engenheiros por dentro delas, para que eles alcançassem os
motores em voo através de escotilhas de acesso.
A lateral da grande nave
Dornier tinha alcançado seu objetivo de construir o maior avião do
mundo, mas infelizmente, na medida que o peso e o arrasto aerodinâmico
do DO-X cresciam, consequentemente diminuía a potência disponível pela
quantidade dos motores inicialmente idealizada. Como resultado foram
acrescentados mais e mais motores, chegando a um total de 12. Para
piorar a situação o engenheiro Dornier não pode dispor dos motores que
desejava. O novo monstro alado pesava vazio mais de 28 toneladas (o
mesmo peso de um Boeing 737-100). Dornier tinha a esperança de adquirir
12 motores americanos mais potentes, mas teve que se contentar com doze
motores radiais Siemens-Halske, de 525 cavalos de potência. Assim, desde
o início, ele tinha um total de 6.300 cavalos de potência disponíveis,
em vez de dos 7.680 cavalos de potência que ele havia planejado.
O DO X no ar
Apesar de tudo isso, em 12 de julho de 1929, aquele hidroavião nada
convencional decolou do Lago Konstanz, realizando o primeiro dos seus
239 voos.
Logo tudo que se relacionava ao DO-X recebeu uma grande atenção da
imprensa mundial. Em 21 de outubro de 1929, o DO-X fez um voo recorde
com 169 pessoas a bordo. Por esta época já tinham sido realizados quase
35 horas de testes, estes revelaram que os motores Siemens eram
inadequados. Para sorte de Dornier os americanos da fábrica Curtiss
finalmente entregaram seus motores modelo “Conqueror” para serem
instalados no DO-X.
o Kapitänleutnant Frederick Christiansen, comandante do DO X
Mesmo com os novos motores, ficou patente que o grande hidroavião
alemão não havia alcançado as metas desejadas para velocidade e
altitude. Mesmo assim foi lançada uma turnê internacional de vendas.
Dornier selecionou para comandar o DO-X o
Kapitänleutnant Frederick
Christiansen, um ás da Primeira Guerra Mundial, detentor da medalha
“Blue Max”, com treze vitórias oficiais e oito não confirmados no seu
currículo de aviador de combate da marinha germânica.
O Grande “Raid” do DO X
Em 3 de novembro de 1930 o DO-X voou do Lago Konstanz para Amsterdã
(Holanda), Southampton (Inglaterra), Bordeaux (França), Santander e
Catalunha (Espanha) e Lisboa (Portugal).
Mapa do “Raid” do DO X
Tudo correu bem até a chegada a Lisboa, quando ocorreu um grave dano.
A lona do revestimento da asa esquerda, em contato com um tubo de
escape quente, deu início a um incêndio que destruiu grande parte da asa
e foram necessários seis semanas para finalizar os reparos. Os alemães
passaram o natal e a chegada do novo ano de 1931 na capital portuguesa e
este seria o primeiro de uma série de incidentes.
Quando a nave estava finalmente reparada ela partiu ás 8:30 da manhã
de 31 de janeiro. Diante de uma multidão de lusos o DO-X percorreu
durante dois minutos, com potência máxima dos motores, as águas do Rio
Tejo e decolou. Transportava seis passageiros, treze tripulantes e 800
libras de mala postal, seguiu a uma atitude média de 200 metros, com o
voo prosseguindo até as Ilhas Canárias, onde chegam depois de seis horas
e meia de viagem.
O DO X durante sua grande viagem
Na sequência, houve graves danos na aeronave durante uma tentativa de
decolagem, exigindo mais noventa dias de reparação. Durante este tempo
foi imposto uma drástica redução de peso para melhorar a capacidade de
decolagem, com todos os móveis pesados sendo jogados para fora e a
equipe de voo sendo obrigada a se livrar de seus bens pessoais, até de
suas navalhas. Além disso veio do Brasil um veterano piloto alemão
chamado Rudolf Cramer von Clausbruch, que atuava na empresa aérea
Sindicato Condor. Clausbruch sabia como aumentar o alcance de um
hidroavião em travessias oceânicas. Ele voava rente as ondas do mar, não
mais que 10 metros, utilizando o chamado efeito solo, situação onde a
enorme asa do DO-X criava uma condição ideal.
O DO X realizando um voo próximo a água
As nove da manhã do dia 2 de maio de 1930, o grande hidroavião estava
de novo no ar. Bordejaram a costa africana, Passaram pela colônia
espanhola do Rio do Ouro (atual região do Saara Ocidental), por Dacar,
então capital da África Ocidental Francesa (atual capital do Senegal),
seguindo rumo sul em direção a ilha de Bubaque, no Arquipélago da
Bijagós, na costa da então colônia portuguesa da Guiné (atual República
da Guiné-Bissau). Neste local os aviadores alemães tiveram que esperar
por mais quatro angustiantes semanas pelo tempo adequado, enquanto isso
realizaram vários testes com a aeronave.
Jornal pernambucano informando a chegada do DO X
Com a confiança renovada na grande máquina alada, seguiram para Porto
Praia, capital da então colônia portuguesa de Cabo Verde. Mas novamente
ocorreram vários problemas devido ao peso, sendo abortadas várias
decolagens. Finalmente no dia 4 de junho de 1931, sete meses depois de
decolarem do Lago Konstanz, faltando seis minutos para uma da tarde,
eles decolaram em direção ao Brasil.
Consta que se o combustível ficasse muito baixo nos tanques, o DO-X
realizaria uma escala em Fernando de Noronha, na época uma colônia
penal, e depois o destino seria Natal.
Na bela Ilha de Fernando de Noronha
Desde o final de 1922 que a tropical capital potiguar, com seus pouco
mais de 40.000 habitantes, já estava até que bem acostumada com o
movimento de aviões e hidroaviões. Além da passagem de vários aviadores
famosos, em voos atentamente acompanhados pela mídia mundial, os
chamados “raids”, já havia na cidade representações de importantes
empresas aéreas francesas, alemãs e norte americanas.
Natal era um grande ponto de apoio para a aviação mundial, contando
com dois pontos principais para onde as aeronaves convergiam. Os aviões
pousavam no chamado Campo dos Franceses, em uma área denominada
Parnamirim, que em 1927 era apenas uma fazenda de um rico comerciante
imigrado de Portugal e que morava no centro de Natal, vizinho a igreja
de Nossa Senhora do Rosário. Já os hidroaviões amerissavam no Rio
Potengi, que banha a capital potiguar. Era neste rio que a grande nave
alemã iria descer dos céus.
Enquanto o DO-X não chegava a Fernando de Noronha, várias informações
eram transmitidas para a imprensa brasileira. Durante o voo sobre o
Oceano Atlântico, seguindo viagem tranquilamente a baixa altitude, o
hidroavião viu e passou a cerca de 50 metros do navio francês “Massilia”
e no final da tarde foi vista por outra nave francesa, o “Lutetia”.
Coincidentemente ambos os barcos eram da Compagnie de Navigation
Sud-Atlantique, em rota para o Brasil.
Foi igualmente informado pela imprensa que o cargueiro inglês “SS
Thereza” avistou a nave aérea a 10 graus de latitude norte e 22 de
longitude oeste.
Ocorre que o voo do DO-X da Guiné a Fernando de Noronha demorou mais
de treze horas, sendo a travessia realizada a uma velocidade média de 95
milhas (cerca de 153 km/h), obrigando a amerissagem em Noronha.
O hidroavião amerissou diante da Vila dos Remédios, depois da meia
noite do dia 5 de junho, em uma noite sem lua cheia que facilitasse a
visualização. A operação demonstrou a capacidade do comandante Frederick
Christiansen e do conhecimento local que Rudolf Cramer von Clausbruch
possuía como piloto do Sindicato Condor. A nave ficou ancorada na baía
de Santo Antônio, próximo das ruinas do antigo forte dedicado ao mesmo
santo e de uma casa construída em 1927 e utilizada no apoio aos
aviadores franceses, conhecida até hoje como “Casa da Air France”.
Depois de revisarem os motores, reabastecerem o hidroavião com 5.400
litros de gasolina, houve uma pausa para o descanso. A manhã do dia 5
estava nublada, fazendo com que a tripulação aguardasse o tempo abrir.
Finalmente, depois do meio dia, a tripulação do DO-X transmitiu nas
ondas de rádio de 39 metros uma mensagem para a estação rádio do
Sindicato Condor em Natal, eles estavam a caminho.
Enfim na Capital Potiguar
Em Natal, como era normal durante a passagem dos grandes “raids” e da
chegada de algum hidroavião incomum nas águas do Potengi, a cidade
parou esperando o DO-X. E o DO-X era tão somente o maior engenho aéreo
do mundo no seu tempo.
Tripulação do DO X
Na sexta feira, 5 de junho de 1931, o comércio local fechou as portas
ao meio dia, sirenes em fábricas e as que existiam nos cinemas “Royal” e
“São Paulo”, tocaram informando a saída da aeronave de Fernando de
Noronha e as ruas passaram a ficar bastante movimentadas.
A pequena, mas influente colônia alemã em Natal, se concentrou na
sede da empresa Sindicato Condor, que estava embandeirada com flâmulas
com as cores do Brasil e da Alemanha. Até o representante em Nova York
da empresa Dornier Flugzeugwerke estava na capital potiguar. Havia em
Natal jornalistas de periódicos do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e
Pernambuco.
Visual de Natal feito pelos tripulantes do DO X
Eram duas horas da tarde quando se ouviu o ronco da aeronave. Como
sempre ocorria nestas ocasiões sinos repicaram, muita gente aplaudia,
fogos de artifícios foram disparados e grande parte da população
natalense estava as margens do Rio Potengi.
A aeronave surgiu primeiramente sobre o bairro de Petrópolis, depois
evoluiu sobre a cidade durante dez minutos, ostentando as grandes letras
negras de registro “D 1929”.
No Rio Potengi, barcos com autoridades potiguares e membros da colônia alemã em Natal encostam no grande DO X
Segundo os jornais, para deleite da população natalense concentrada
as margens do Rio Potengi, a nave realizou um voo a baixa altitude desde
a foz do rio, seguindo em direção a antiga ponte de ferro sobre o Rio
Potengi, sobrevoando-a enquanto perdia altitude para amerissar. Tocou
tranquilamente a então limpa água do rio na altura da área de “Refoles”,
onde existia a estação de rádio da Marinha do Brasil e os franceses
tinham na época uma base de hidroaviões (hoje se encontram as
instalações da Base Naval de Natal). A partir daí, lentamente, a nave
deslizou sobre o calmo rio em direção a uma pesada e firme boia de
atracação de 700 quilos de peso, colocada no meio do rio pela
“Inspectoria do Porto de Natal”, próximo ao lugar denominado “Volta do
Periquito”.
Natalenses apreciando a grande máquina as margens do Rio Potengi
O DO-X trazia na popa uma grande bandeira tricolor preta, branca e
vermelha. Era a antiga bandeira do Império Alemão, ainda adotada em
cerimônias oficiais no exterior e que dois anos depois seria abolida
para a utilização da famigerada bandeira nazista.
A 500 metros da boia seus motores, menos um deles, foram desligados e
com extrema demonstração de perícia para o público presente, o grande
hidroavião encostou no artefato de atracação sem problemas. Logo vários
barcos encostaram trazendo autoridades, jornalistas e membros da colônia
alemã.
O DO X em Natal é notícia
Para surpresa de muitos natalenses, um dos tripulantes do DO-X que
surgiu era o conhecido almirante português Gago Coutinho. Em 1922, por
pouco este aviador luso não havia amerissado em Natal, junto com seu
companheiro Sacadura Cabral. Os dois intrépidos portugueses realizaram
naquele ano um voo épico que ligou Lisboa ao Rio de Janeiro em um
simples hidroavião monomotor de fabricação inglesa. Logo o almirante
Coutinho foi perguntado pelos repórteres o que achou de Natal, respondeu
“-O que posso dizer, estou encantado”.
Coutinho não era o único não alemão a bordo. Avaliando o desempenho
do DO-X para uma o possível compra pelo seu país, estava a bordo o major
italiano Giacomo Brenta.
Tripulação do DO X junto a autoridades brasileiras
Enquanto uma guarnição da Força Pública tomava conta do hidroavião, o
piloto do Sindicato Condor, Rudolf von Clausbruch, deixava o DO-X e
partia para o Rio. Enquanto isso os aviadores europeus aproveitavam a
hospitalidade da bucólica Natal. O comandante Frederick Christiansen, o
almirante Gago Coutinho, o major Giacomo e outros dez tripulantes eram
discretamente vistos em vários eventos e locais de Natal. Nunca estavam
sozinhos, andavam sempre bem trajados e eram de uma fidalguia e de uma
conduta pessoal verdadeiramente impecáveis.
Eles foram homenageados com um jantar na casa do rico comerciante de
origem portuguesa Manoel Machado, onde o almirante português estava
hospedado. Machado era o mesmo que doara o terreno para a construção do
Campo dos Franceses.
No domingo, dia 7 de junho, a tarde, o comandante Christiansen e o 1º
piloto Horst Merz, apreciadores do nobre esporte bretão e antigos
peladeiros, foram assistir a uma partida de futebol no “Campo do Tyrol”,
o que hoje chamamos de estádio Juvenal Lamartine.
Os aviadores estrangeiros estavam na tribuna de honra e presenciaram
uma emocionante partida de nove gols que decretou a vitória do time do
América F.C. sobre seu arquirrival ABC F.C., pelo placar de 5 a 4. A
edição de terça feira, 9 de junho, do jornal natalense “A República”,
comenta na terceira página que Christiansen e Merz ficaram extremamente
impressionados com a qualidade do futebol apresentado e pela garra dos
jogadores potiguares.
O 1º piloto Horst Merz, que apreciou muito o jogo entre o América e o ABC F.C. no velho estádio Juvenal Lamartine
O 1ºpiloto Merz afirmou que “-Era impressionante uma pequena cidade
possuir tão bons jogadores e com tanta qualidade”. Ao final os aviadores
fizeram questão de cumprimentar cada um dos jogadores.
A Viagem Continua, mas um tripulante fica em Natal…
Passados alguns dias, como acontece em navios que visitam cidades, o
DO-X foi aberto à visitação pública. Gago Coutinho esteve no Instituto
Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte e na redação do jornal “A
República”.
Natalenses a margem do Potengi contemplando a preparação para a decolagem da grande nave
No dia 17 de junho, ás seis da manhã, foi a data marcada para a
partida da grande aeronave, mas simplesmente, como já tinha acontecido
antes, o pássaro não voou.
Depois de duas tentativas frustradas, com idas e vindas ao longo do
Potengi, em meio a uma grande barulheira dos 12 motores do DO-X que
acordou a sonolenta cidade, com o público natalense certamente achando
aquilo tudo muito estranho e esquisito, o monstro alado foi levado para a
região onde atualmente se encontra o prédio histórico da Rampa e o Iate
Clube de Natal e colocado as margens do rio.
Na edição de 18 de junho de 1931, uma quinta feira, na primeira
página está colocado que a causa do revés da decolagem do grande
hidroavião foi a existência de prosaicas e pequeninas “ostras”
incrustadas no fundo do casco do DO-X.
O DO X nas margens do Potengi
Provavelmente o que havia não eram ostras, mas cracas marinhas. Estes
são crustáceos marinhos sésseis de vários gêneros, da ordem
Thoracica, da classe Cirripedia, que quando adultos têm o
exoesqueleto calcificado e composto por várias placas que definem uma
forma cônica. As cracas escolhem normalmente rochas para viverem e se
reproduzirem, mas podem fixar-se também a fundos de embarcações (onde
causam estragos) ou a outros animais (por exemplo baleias). Mas
sinceramente não sei o quanto estes animaizinhos poderiam impedir o
gigantesco DO-X de decolar do Rio Potengi. Os jornais locais foram muito
econômicos sobre este fato.
No jornal “Diário de Pernambuco”, edição de 18 de junho, página 2, o
comandante Christiansen afirmou que “-Poderia decolar, mas achou
conveniente fazer uma limpeza no casco”. Já o almirante Gago Coutinho,
além de culpar os pequenos organismos marinhos, comentou que a falta de
ventos e a “Pouca largura” do Rio Potengi, eram os vilões do problema. O
comandante alemão decidiu testar novamente os motores do DO-X,
realizando o que o jornal recifense classificou como um “passeio” ao
longo do rio.
Em todo caso, no outro dia as cinco da manhã, o DO-X partiu de Natal para Salvador.
Não sei se por vergonha do que aconteceu no dia anterior, ou por
pressa, mas pareceu aos natalenses que os aviadores da grande máquina
decolaram com uma verdadeira velocidade de fugitivos, numa “Carreira
igual daqueles que roubam” como se diz o dito popular. Pois simplesmente
deixaram para trás um dos tripulantes.
Este fato inusitado está publicado na primeira página do jornal “A
República”, edição de 19 de junho de 1931 e na página 3 do “Diário de
Pernambuco”, do mesmo dia. O nome do pobre tripulante esquecido não foi
mencionado, mas foi informado que logo ele seguiria pelas asas de um
hidroavião do Sindicato Condor para Salvador.
É de se conjecturar onde este alemão estava para perder a hora da
decolagem de sua aeronave e certamente o seu emprego. Vai ver que nos
braços de alguma bela morena potiguar!
Em Outras Terras
O voo continuou para o Rio de Janeiro. O pouso na baía da Guanabara
atraiu milhares de curiosos. Do Brasil, o hidroavião voou para os
Estados Unidos, pousando em Nova York no dia 27 de agosto de 1931. Ali
os motores Curtiss foram removidos e enviados para a revisão e a
aeronave acabou ficando vários meses no atual aeroporto Fiorello La
Guardia, onde se tornou uma atração turística.
O voo de regresso para a Alemanha partiu no dia 21 de maio de 1932,
atravessando o Atlântico Norte e chegando a Berlim em 24 de maio, dessa
vez sem maiores contratempos.
Infelizmente para a empresa Dornier Flugzeugwerke, os Estados Unidos
estavam vivendo a chamada Grande Depressão, e não havia mercado com
capacidade de absolver uma aeronave do tamanho do DO-X. O hidroavião
passou para a empresa aérea Lufthansa, mas operou por pouco tempo.
Logo houve um pouso errado no sul da Alemanha e houve danos ao
pássaro de metal. Reparado, o DO-X voltou para Berlin e passou a fazer
parte do Deutsche Luftfahrt-Sammlung (museu da aviação) em Lehrter
Bahnhof. Infelizmente, em novembro de 1943, o museu foi destruído por um
pesado bombardeio da RAF e quase nada restou do DO-X.
Dornier fabricou mais dois hidroaviões Do-X, que foram vendidos ao
italianos. Estes eram idênticos ao DO-X original, com exceção dos
motores. O destino final dos dois aviões não é conhecido e provavelmente
foram desmontados e sucateados silenciosamente. Um sucessor, o Do-XX,
foi idealizado por Dornier, mas nunca avançou além do estágio de estudo
de design.
Embora nunca tenha sido um sucesso comercial, o Dornier DO- X foi um
pioneiro do seu tempo, que demonstrou o potencial de um serviço de
transporte aéreo internacional de passageiros.
Fontes -
http://culturaaeronautica.blogspot.com.br/2009/11/dornier-do-x-o-gigante-dos-anos-30.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Dornier_Do_X