Aqui vemos uma interessante fotografia do
monumento a Nísia Floresta, erguido no Sítio Floresta, na antiga Papary,
atual município de Nísia Floresta, Rio Grande do Norte.
Um dos presentes na foto é o então padre Antônio Xavier de Paiva, vigário de São José de Mipibu, cidade vizinha a Papary.
Nasceu em 26 de maio de 1850, no povoado
de Vera Cruz, hoje município autônomo. Estudou em Roma, onde se ordenou.
Foi colega de estudos do Cardeal Joaquim Arcoverde de Albuquerque
Cavalcanti, mais conhecido como Cardeal Arcoverde, pernambucano da
cidade de Cimbres e o primeiro cardeal da América Latina e do Brasil. O
padre Antônio Xavier conservou até a morte do Cardeal Arcoverde uma
fraterna amizade. Na década de 1920 foi ordenado Monsenhor.
Antônio Xavier foi nomeado pároco de São
José de Mipibu em 1895, onde ficou até a sua morte em 6 de junho de
1930. Sobre sua morte, a edição de 7 de junho do jornal natalense A República
informou que tudo aconteceu de maneira repentina e o religioso foi
enterrado no cemitério local às oito da manhã do dia 7, em meio a muita
consternação da população.
Ainda
segundo o jornal um dos que se fizeram presentes ao sepultamento foi o
governador Juvenal Lamartine de Faria, que veio de Natal de automóvel,
provavelmente seguido por um grande número de amigos e correligionários.
Vale ressaltar que além de religioso Monsenhor Antônio Xavier era
político, tendo sido Chefe da Intendência (cargo atualmente equivalente
ao de prefeito) de São José de Mipibu e membro de destaque da Comissão
Executiva do Partido Republicano Federal – PRF, onde sempre se fizera
ouvir com respeito e atenção.
Sua família possuía muita tradição e força política na cidade e Monsenhor Antônio Xavier era, segundo o jornal A República,
um dos principais líderes de sua comunidade. A nota jornalista deixa
transparecer que, apesar da idade, ele se encontrava exercendo
plenamente suas funções sacerdotais e politicas.
Sua atuação no PRF foi apontada como
discreta e modesta, mas que isso realçava ainda mais sua liderança. Na
época do seu falecimento os seus sobrinhos Áureo e Joaquim de Paiva eram
respectivamente prefeitos de São José de Mipibu e Papary.
Em
1954 o monumento a Nísia Floresta foi ampliado, com o aumento do seu
pináculo e a colocação de uma lápide que recebeu os restos mortais da
ilustre potiguar.
Natal era cidade modorrenta e provinciana, 40 mil habitantes espremidos
entre Ribeira e Cidade Alta, até a avenida Deodoro, se muito.
O resto era a pobreza franciscana das Rocas, os sítios do Tirol, a mata de Petrópolis, o Alecrim ensaiando os primeiros passos.
Sem muitas perspectivas. Mesmo os filhos da terra, faziam feroz autocrítica.
- Cidade do já teve, classificavam, ironizando a apatia reinante, onde a
maioria se masturbava sadicamente quando iniciativa das mais audazes
entrava em colapso.
- Uma fazenda iluminada, nada mais, definia João Machado.
Mas, assim como as pessoas, as cidades têm o seu instante de afirmação,
o seu dia de superação, o empurrão providencial, o chamado passo a
frente decisivo e consagrador.
Para Natal, este momento foi a II
Grande Guerra, ou, para sermos mais minudentes, justamente na fase em
que, triunfantes e arrogantes - ocupadas e vencidas a Polônia, a França,
os Países Baixos e Nórdicos, humilhada a Inglaterra no desastre de
Dunquerque - os germânicos voltaram cobiçosos olhos para as reservas
petrolíferas do Continente Negro.
- Estamos vivendo os primeiros anos do I Milênio do III Reich - perorava Hitler em seus histéricos discursos.
E, de fato, a Germânia parecia a senhora do mundo, com suas
moderníssimas armas, as blitzs, o rolo compressor das pan-diviziones, as
minas espalhando terror pelos mares do mundo.
Os aliados, então, concluíram que se os nazistas realmente se apoderassem do petróleo africano, tudo estaria perdido.
E resolveram enfrentar o invicto Von Rommel de peito aberto, frente a frente, na base do agora ou nunca.
E onde entra Natal neste imbróglio, perguntarão vocês.
Natal, que dormitava sonolenta
Natal, dos tempos idos de 40
Recordo os belos bailes do Aéro
Num banco da Pracinha, ainda lhe espero
No Rex, sessão das moças, Quarta-feira
Natal, Cidade Alta e Ribeira
O bom você não sabe e eu lhe conto
O footing, à tardinha, no Grande Ponto!
É que Natal, como cidadela mais próxima da costa africana, era ponto
estratégico por excelência, de importância vital, reconhecida e
proclamada posteriormente como Trampolim da Vitória.
E pela Base
de Parnamirim passaram a transitar, às centenas, diuturnamente,
fortalezas voadoras transportando tropas, armas e víveres para fronts
até então desconhecidos internacionalmente, mas que seriam celebrizados
mais tarde como Tobruck e El Alamein, como os primeiros grandes passos
da grande arrancada que seria, daí por diante, a caminhada até a parada
final em Berlim.
Enfim, a suspirada "virada" que transformaria os até então vencidos em vitoriosos.
Para garantir esta operação-África, foi preciso o suporte e o apoio
logístico de milhares de brasileiros e estrangeiros, principalmente
americanos que estabeleceram uma praça de guerra chamada Natal.
Uma base naval foi construída em tempo recorde, ampliadas e triplicadas
as instalações da base aérea, construídos quartéis à toque de caixa,
para alojar não apenas os infantes, mas grupos de artilharia antiaérea,
de carros de combate, transferidos do sul do país.
Foi a época
das noites de blecaute, do receio de ataques inimigos, dos ricos a
construir abrigos sofisticados em suas residências e a Prefeitura a
cavar abrigos populares em praças e terrenos baldios.
Eu disse, acima, praça de guerra? Pois era.
Um dia, tudo se modificou
O burgo se internacionalizou
Nas ruas, o alegre do my friend
Moçada, pela mímica, se entende
Natal entrou fardada na História
Para ser o Trampolim da Grande Vitória
Valeu o sacrifício do seu povo
Na guerra, meu Natal nasceu de novo!
E além do soldado e do marinheiro verde-amarelo, tornaram-se figuras
corriqueiras a povoar avenidas, ruas e becos da cidade, gorros de
marinheiro e fardas cáqui dos my friends.
Digo mais: quando a
batalha africana atingia o seu clímax, Natal passou a ser a
cidade-descanso, a cidade dos dias de licença dos combatentes.
E o
que almejava um jovem de 21, 22 anos, com os bolsos cheios de dólares,
doidos para esquecer a loucura dos campos de batalha e as longas vigias a
bordo de belonaves? Divertir-se, gozar o hoje em toda plenitude, pois o
amanhã era uma incógnita.
Na Cidade, então, floresceu um
estranho comércio de bares, restaurantes, casas noturnas, joalheiros,
grandes magazines, mercadores de mil e uma especiarias, 99% dirigidos
por aventureiros de todas as nacionalidades e pátrias. Os quais, como
tão céleres e misteriosamente aqui se instaram, também, num abrir e
piscar d`olhos, cerraram portas e fizeram malas.
Quando terminada
a Batalha da África, com a vitória aliada, as operações militares
retornaram ao continente europeu, começando pela bota italiana da
Sicília.
Mas, voltando aos idos 40, era natural, pois, que num
clima de febricidade como aquele, houvesse freguesia para todos os
gostos, mesmo os paladares mais requintados, a exigir bombons de luxo,
doces em conserva, bebidas finas, artigos enlatados e conservas em
geral.
"Na Guerra, meu Natal nasceu de novo"...
Foi.
Porque, desde então, o progresso instalou-se definitivamente como artigo
de fé no burgo, arquivada, bem arquivada, aquela maldição e pecha
infamante de terra do já teve.
Como quem queria recuperar o tempo
perdido, Natal nunca mais parou de crescer, de expandir-se e ampliar-se
em novos horizontes, de abrir novas artérias e, das artérias,
multiplicar-se em novos bairros, povoando-os de belas residências.
O comércio, então, tornou-se tentacular, cada dia maior, ganhando a Cidade Alta, atingindo com força total o Alecrim.
Um pequenino detalhe que virou rotina e que até então ninguém dava a
mínima importância: quem chegava ao burgo gostava de seu jeitão, do
clima, da brisa que sempre sopra, vinda do Atlântico mesmo nas tardes
mais quentes. Da beleza paradisíaca de suas praias. Da maneira de ser do
seu povo simples, das delícias de sua mesa típica.
quinta-feira, 7 de maio de 2020
Fiz-lhe ver aquilo que representava para a minha vida. O que representava para o meu destino. Era a minha vida Era o meu destino.
- Aos seus olhos porém nada que aquilo lhe representou.
Nos primeiros anos do século XIX, nascia na Fazenda Sabe Muito,
Caraúbas, Estado do Rio Grande do Norte, um menino que recebeu o nome de
Praxedes Benevides Pimenta. Seus pais, o Capitão Antonio Fernandes
Pimenta e dona Francisca Romana do Sacramento, convidaram para padrinhos
do filho, o Capitão Manoel Dantas da Cunha e dona Ana de Lemos. Pouco
tempo depois, por ocasião de sua crisma, o pequeno Praxedes recebe um
novo nome, deste dia em diante, passou a chamar-se Vicente Praxedes,
neto
paterno do Alferes José Fernandes Pimenta e de dona Josefa Maria da
Conceição e materno do Capitão Manoel Carneiro de Freitas e dona Delfina
Filgueira de Jesus. Por sua vez era bisneto do português Antonio
Fernandes Pimenta e Joana Franklina do Amor Divino, tronco genealógico
dos Fernandes Pimenta já nascidos e daqueles que ainda estão por nascer.
Vicente Praxedes Benevides Pimenta nasceu aos 20 de julho de 1805 e com o
passar dos anos se tornou um dos homens mais influentes da região oeste
Potiguar. Muito cedo, aprendeu as primeiras letras com seu irmão, Padre
Bento Fernandes Pimenta, que era vigário em Quixeramobim, Ceará. Seu
interesse em aprender era tanto, que se aperfeiçoou no latim, chegando a
traduzir a “selecta”, ou seja, os trechos escolhidos para celebração da
missa.
No ano de 1830, casou em primeiras núpcias na Serra do Martins com sua
prima Herculana Josefa do Amor Divino, baiana, filha de Gonçalo da Silva
Campos e Benta Maria de Jesus. Deste matrimônio nasceram 17 filhos e
todos foram batizados com o sobrenome Praxedes.
Dotado de honestidade inigualável, adotou a carreira do comércio em
Martins. Nesta cidade possuía uma mercearia de molhados, bebidas e
botica. Anos mais tarde, abandonou para se dedicar a profissão de
agricultor. Dedicou-se também a criação de gado nas fazendas São João de
Cima, São João de Baixo, Unha de Gato, Currais, Santo Antônio, Sítio do
Padre, Passagem, Incauto, Cisplatina e Barra, bem como mantinha uma
plantação delavoura no sítio Jacú, nas cercanias da referida cidade.
Em 1837 foi nomeado pelo Presidente da Província, Manoel Ribeiro da
Silva Lisboa, Major do Batalhão de Guardas Nacionais do Município de
Portalegre e em 1843 o Coronel Estevão José Barbosa de Moura,
Vice-presidente da Província o promoveu para o posto de Tenente Coronel
Chefe do Batalhão da Guarda Nacional da Vila da Maioridade.
Dez anos depois, aos 29 de janeiro de 1853, Sua Majestade o Imperador
Dom Pedro II, o nomeou Tenente Coronel do Primeiro Batalhão de Guardas
Nacionais do Comando Superior dos Municípios de Imperatriz, Apodi e
Portalegre e aos 24 de julho de 1867, Pedro II, o reformou no posto de
Coronel.
Dentre os muitos cargos que exerceu destacamos os de Juiz Mol da Vila de
Portalegre e termo (1840); Delegado de Polícia dos Tesouros das Vilas
de Maioridade, Apodí e Portalegre (1842); Administrador dos bens
Patrimoniais da Senhora da Conceição, Orago da Freguesia de Serra do
Martins e Procurador dos bens do Patrimônio do Senhor do Bonfim. (1853);
Coletor de Rendas Gerais de Imperatriz (1874); além de Camarista, Juiz
de Paz, Membro da Comissão Beneficente da Cidade de Imperatriz, de
Socorros públicos, bem como Chefe do Partido Conservador e eleitor em
sua cidade.
No primeiro casamento com dona Herculana, o Tenente Vicente Praxedes foi
pai de Ana Praxedes Benevides, casada com o Capitão João da Silva
Lisboa; Antônio Praxedes Benevides Pimenta, primeiro com este nome,
provavelmente tenha falecido na infância; José Praxedes Benevides
Pimenta, Major da Guarda Nacional, casado com sua prima Herculana Josefa
do Amor Divino; Francisco Praxedes Benevides Pimenta, Tenente Coronel
da Guarda Nacional, tronco dos Praxedes no Vale do Ceará Mirim e Taipu,
casou com Raimunda Cândida do Rego Leite; Maria Praxedes Benevides casou
com o Deputado Provincial e Coronel, Joaquim Bernardo de Sá Barreto;
Antonia Rufina Praxedes casou com seu primo legítimo Lucio Manoel
Fernandes; Manoel Praxedes Benevides Pimenta, Deputado Provincial quatro
vezes, casou em primeiras núpcias com sua prima Delfina Emilia
Fernandes e em segundas com outra prima, Joana Elvidia Carneiro;
Vicência Praxedes Benevides casou com o Tenente Domingos Velho Barreto
Júnior; Herculana Gratulina Praxedes casou em primeiras núpcias com o
Capitão Luiz Manoel Filgueira e em segundas com seu primo Coronel Manoel Petronilo Fernandes Pimenta;
Raimundo Praxedes Benevides casou com sua prima Luiza Gonzaga Carneiro;
Francisca das Chagas Praxedes, com o Capitão João da Silva Lisboa, viúvo
de sua irmã Ana Praxedes; Joana Praxedes Benevides casou como seu primo
o Coronel Luis Manoel Fernandes Filho; Benta Praxedes Benevides, casou
com Clemente Gomes de Amorim Filho; João Praxedes Benevides Pimenta
casou com sua prima Alexandrina Fernandes Pimenta; Antônio Praxedes
Benevides Pimenta, o segundo com este nome, casou com sua prima Laura
Cândida Fernandes Carneiro e mais dois com o nome de Luis que faleceram
na infância.
Com a morte de Dona Heculana Josefa no primeiro dia do mês de março de
1851, na Cidade de Aracati, Estado do Ceará, o Coronel Vicente Praxedes
contraiu segundas núpcias dois anos e meio depois, aos 09 de setembro de
1853, com sua sobrinha Antônia Mafalda de Oliveira, filha do Tenente
Coronel Antônio Francisco de Oliveira e de dona Mafalda Gomes de
Freitas. Deste casamento nasceram mais cinco filhos, sendo a primeira,Mafalda Praxedes que casou com seu primo Joaquim Gomes de Amorim,
Intendente da cidade de Martins; Miguel de Oliveira Praxedes Pimenta,
faleceu solteiro; João Mafaldo de Oliveira Praxedes, militar, Alferes da
Guarda Nacional, faleceu em Canudos lutando contra as tropas de Antônio
Conselheiro; Antonio Mafaldo Praxedes Pimenta falecido solteiro no
estado do Acre e o Coronel Bento Praxedes Benevides Pimenta, Coletor de
Rendas Federal, comerciante e Chefe Político em Mossoró, fundador do
jornal “O Comércio de Mossoró, casado com dona Pautila Gurgel de
Oliveira, neta do Barão do Açu.
Destes dois casamentos, nasceram 22 filhos, sendo 17 do primeiro e 5 do
segundo. Cabe ressaltar que todos os filhos de Vicente destacaram-se na
vida pública e privada, e assim como ele, foram merecedores da
reverência de toda sociedade, pois honestidade, respeito e amizade foram
os lemas seguidos por seus descendentes.
Foi no primeiro dia do mês de janeiro de 1882, no Sítio Cangaira, na
mesma vila onde nasceu, com idade de 76 anos, 5 meses e 11 dias, que
faleceu Vicente Praxedes, deixando para posteridade o seu nome e a sua
marca registrados na pedra bruta. A morte do velho coronel teve grande
repercussão na região oeste Potiguar, pois foi através dele que a mais
de 200 anos, NASCEU A FAMÍLIA PRAXEDES e que se transformou em uma das mais tradicionais do sertão norte-rio-grandense.
Cemitério
Público São João Batista, de Assu. Foi construído na administração do intendente
(cargo que representa atualmente o cargo de prefeito municipal) Joaquim
Antão de Sena (1896). Foi o primeiro da cidade.
Panorama apanhado da rua das Dunas, término da balaustrada da Avenida Atlântica (atual Getúlio Vargas), concluída em 1926.
O relatório municipal de 1926 mostrava que a cidade começava a ser
remodelada por meio de diversas obras. Além da Avenida Atlântica,
concluída naquele ano, houve o término da obra da estrada de rodagem que
ligava o bairro das Rocas à região central da capital.
Fonte: INTENDÊNCIA Municipal. RELATÓRIO 1926, s.d – a.
No meu tempo de menino, o cabra mexeu com a moça, casava, se não ia
prestar contas lá em cima. Não tinha essa história de ficar ou se
juntar.
Em Pedro Avelino quem celebrava os casamentos religiosos
era o Padre Antas, que geralmente aconteciam aos domingos pela manhã.
Não existia os cursos que existem hoje, apenas os banhos ou proclamas,
que era a divulgação do casamento em três missas dominicais seguidas,
para que todos tomassem. Se os noivos tivessem alguma pendência, era
suspenso o casamento.
Nas fazendas esses casamentos eram muito
esperados e comemorados através de uma festa que não passava de um forró
com a matança de alguns animais.
Primeiramente, se contratava um botequim, que era a compra das bebidas, geralmente em consignação.
Em seguida, se contratavam os tocadores, que era um sanfoneiro e um pandeirista (em PA tinha bons sanfoneiros).
Feito isso, era preparar o ambiente.
Se
a casa fosse pequena, fazia-se uma latada de palha no terreiro, para
abrigar os convidados. Esses casamentos geralmente aconteciam em anos de
inverno, entre os meses de setembro e dezembro, quando já tinha colhido
o algodão e o pai da noiva estava com o saldo disponível para gastar.
Fui a alguns desses forrós.
Lembro-me
bem de um que aconteceu quando Gregório Machado, que foi vaqueiro do
meu avó, na fazenda Santa Rita, casou uma filha. Fomos no caminhão Fargo
da prefeitura, tendo Apolônio como motorista.
O forró começou e eu fiquei colado no sanfoneiro. Era um olho na sanfona outro no no rebolado das caboclas.
Depois
de cada dança ou parte, um senhor saía balançando o chapéu, angariando
uns trocados para fazer face às despesas, era uma espécie de empresário
do sanfoneiro, recolhendo o que eles chamavam de cota.
Terminada a parte, todos saíam do salão e ficavam encostados em pé na perede, homens de um lado, mulheres do outro.
Quando
o sanfoneiro abria novamente o fole, os cavalheiros iam e m direção a
damas e começava tudo de novo. A mulher que desse uma canelada num
homem era jurada a não dançar mais, até que aparecesse um amigo para
acalmar o canelado. Em determinado momento era esvaziado o salão e Tio
Zé Antas, que era um bom dançador de xote marcado, desses que Luiz
Gonzaga tocava, pegava uma cabocla dançadeira e dava uma demonstração de
como dançar um xote marcado. Ainda tinha um gaiato que gritava: "ou
Véio macho". Aí era que a cabocla rebolava.
Lá pras tantas ia pra
boleia do caminhão, só acordando com Papai me chamando dizendo: "vamos
embora". O sol já vinha nascendo. Como costumava dizer, !eu peguei o sol
com a mão".
O sertão daquele tempo era assim e quem é de lá entendeu o que falei.
Autor
Geraldo José Antas
Engenheiro Civil e Pecuarista
Rostand Medeiros, escritor, pesquisador e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.
Primeiros Casos Relatados no Mundo
11 de março de 1918 – Um soldado do
exército dos Estados Unidos, se reportou ao hospital de Fort Riley,
Kansas, com estranhos sintomas envolvendo uma gripe muito forte. Logo,
mais de 100 outros soldados relataram sintomas semelhantes, marcando o
que se acredita serem os primeiros casos da pandemia histórica de
influenza de 1918, mais tarde conhecida como gripe espanhola. Apesar do
nome e do que aconteceu no Kansas, dados históricos e
epidemiológicos não conseguem identificar a origem geográfica desta
pandemia. Depois de observada no interior dos Estados Unidos, a doença
avança pela Europa e em partes da Ásia, antes de se espalhar rapidamente
pelo mundo.
Espanhola?
Acredita-se
que a origem do nome “gripe espanhola” deriva da propagação da pandemia
da Espanha para a França em novembro de 1918. Nessa época a Espanha
permaneceu neutra durante a Primeira Guerra Mundial e não impôs nenhuma
censura em seus jornais sobre o avanço dessa doença naquele país, como
ocorria em outras nações. Logo as histórias amplamente divulgadas,
mostrando a Espanha especialmente atingida criou uma falsa impressão em
outras partes do mundo que tudo teve origem nesse país.
Avanço da doença no Mundo
A pandemia de gripe espanhola de 1918, a
mais mortal da história, infectou cerca de 500 milhões de pessoas em
todo o mundo – um terço da população do planeta – e matou em torno de 20
a 50 milhões de vítimas. Alguns acreditam que chegou a 100 milhões. Na
época não existiam terapias antivirais específicas.
Hoje em dia, as
coisas não mudaram muito, e a maioria dos tratamentos para a enfermidade
se dirige a aliviar os sintomas, em vez de curar a doença.
Os cidadãos de alguns países em 1918
receberam ordens para usar máscaras. Dependendo da região do mundo
escolas, teatros e empresas foram fechados e corpos empilhados em
necrotérios improvisados antes que o vírus encerrasse sua mortal
marcha global. No Brasil, tal como agora, foram as cidades e os governos
estaduais que decidiram suas ações, mediante o avanço da doença. Nem
sequer existia Ministério da Saúde.
Ele só foi criado doze anos depois
do surto de gripe espanhola no Brasil, mas vinculado com a pasta da
educação. De forma autônoma e independente o Ministério da Saúde só foi
criado em 25 de julho de 1953.
Em
todas as partes no ano de 1918 a pandemia de gripe fez muitos temerem o
fim da humanidade, além de alimentar por muito tempo a ideia de que se
tratava de uma cepa viral particularmente letal. Entretanto, estudos
mais recentes indicam que o vírus, embora mais mortífero que outras
cepas, não era diferente dos vírus que causaram as epidemias de outros
anos. Na Europa conflagrada a taxa de mortalidade pode ser atribuída em
grande medida as aglomerações nos acampamentos militares e nos ambientes
urbanos. Bem como à má qualidade da alimentação e às condições
sanitárias precárias. Atualmente, acredita-se que muitas mortes de 1918
decorreram do desenvolvimento de pneumonias.
Mundialmente a onda inicial de mortes pela
gripe, na primeira metade de 1918, foi relativamente pequena. Foi na
segunda onda, de outubro a dezembro do mesmo ano, que se registrou a
maior taxa de mortalidade. A terceira fase, no primeiro semestre de
1919, foi mais letal que a primeira, porém menos que a segunda.
Em todo o mundo os funcionários dos
serviços públicos de saúde, a polícia e os políticos tinham motivos para
minimizar a gravidade da gripe de 1918, o que fez com que ela atraísse
menos à atenção da imprensa.
Para quem participava da Guerra havia o
temor de que divulgá-la abertamente encorajasse os inimigos em época de
guerra, e além disso existia o interesse em preservar a ordem pública e
evitar o pânico. Entretanto, as autoridades reagiram. No auge da
pandemia, foram estabelecidas quarentenas em muitas cidades. Algumas
foram obrigadas a restringir os serviços básicos, incluindo os da
polícia e dos bombeiros.
Primeiras Notícias no Brasil – Primeira quinzena de julho de 1918
Utilizando modernas ferramentas de
visualização digital de jornais antigos e lendo as
páginas que
fotografei do jornal natalense A República, pude perceber que
nesse período surgem as primeiras notícias nos jornais brasileiros sobre
casos a “Influenza Hespanhola” na Bélgica, Alemanha e Inglaterra. Mas
não são notícias destacadas.
A Imprensa Brasileira Entre julho e setembro de 1918
Devido ao afundamento de navios
brasileiros por submarinos alemães, o nosso país declarou guerra à
Alemanha em 16 de novembro de 1917. Em janeiro de 1918 o governo
brasileiro cria a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), uma
esquadra da Marinha com oito navios, destinada ao patrulhamento contra a
ação de submarinos alemães no Oceano Atlântico. Partiu do Rio em 14 de
maio e, depois de passar por Salvador e Recife, chegaram a Natal no
final de julho. A capital potiguar na época tinha cerca de 29.000
habitantes (equivalente hoje a população de Extremoz).
Nesse período os jornais não comentaram
nada sobre prevenção e nem sobre algum tipo de preparação contra o vírus
no Brasil. Acredito que as notícias da participação da DNOG na Primeira
Guerra serviu como uma espécie de “cortina de fumaça”, que evitou uma
informação mais intensa sobre a ação da gripe espanhola em outros
países. Acredito que em 2020 o nosso carnaval, ocorrido no final de
fevereiro, foi essa nova “cortina de fumaça”.
Primeiros Mortos Brasileiros – 23 de setembro de 1918
Nos dias atuais o COVID-19 só foi notícia
mais ativa após o primeiro caso conhecido no país e após a primeira
morte de um brasileiro em 27 de março de 2020. Já os jornais de 1918 só
passaram a dar uma atenção maior ao tema depois que estourou a notícia
que na Divisão Naval, que se encontrava ancorada na cidade de Dacar, na
África Ocidental havia 55 mortos de gripe espanhola.
A Gripe Espanhola Chega ao Brasil – 24 de setembro de 1918
Acredita-se que essa seria a data mais
correta para a chegada da gripe espanhola em nosso país, pois nesse dia
atracou no porto de Santos, São Paulo, o vapor inglês Demerara,
utilizado para o transporte de passageiros e cargas. Tal como agora,
quando foi dito que no início do mês de março de 2020 não houve em
aeroportos brasileiros nenhum tipo de inspeção dos passageiros que
desembarcavam principalmente da Itália, em 1918 houve uma séria acusação
aos funcionários da então chamada Polícia Sanitária daquele porto. Eles
teriam sido negligentes por não realizarem a necessária inspeção de
saúde dos passageiros daquele navio. Uma passageira da 2ª classe
denunciou que o Demerara trazia mais de 40 enfermos e que em um único
dia foram lançados ao mar (ou sepultados) cinco corpos de falecidos pela
gripe espanhola.
Tanto
em 1918 e 2020 a gripe chegou ao Brasil vindo da Europa, trazida pelo
principal meio de transporte que liga nosso país ao Velho Mundo em cada
época. Hoje em aviões de carreira, em 1918 nos navios de passageiros e
cargas. Mas vale ressaltar que no passado esses navios possuíam 1ª, 2ª e
3ª classes de passageiros e cada viagem, dependendo do tamanho do
navio, trazia de 300 a 1.000 pessoas.
Naquele tempo como agora, o parlamento brasileiro criou novas leis após a eclosão da pandemia em território nacional.
Em 1918 os parlamentares apresentaram uma
série de projetos de lei com o objetivo de, em diferentes frentes,
combater a doença e amenizar seus efeitos. Uma das propostas determinou a
aprovação automática de todos os estudantes brasileiros, sem a
necessidade dos exames finais. Outro projeto de lei ampliou em 15 dias o
prazo para o pagamento das dívidas que tinham o seu prazo final em
plena epidemia.
A Gripe Espanhola Chega a Recife – 28 de setembro de 1918
Segundo o Jornal do Recife, nessa
data duas pessoas a bordo do navio de passageiros brasileiro Tabatinga
apresentaram o que parecia ser os mesmos sintomas de gripe espanhola.
Não existiam exames específicos para diagnóstico dessa doença. Talvez
por essa razão a “Inspectoria de Higyene” de Recife não achou que os
dois enfermos pudessem ter contraído essa gripe. O que gerou uma forte
querela entre os funcionários dessa repartição e os jornalistas, devido
ao estado de saúde dos enfermos do Tabatinga.
Na
verdade esse é um aspecto de uma situação comum a essa pandemia no
Brasil: a negação e até mesmo ocultação de dados por parte das
autoridade em 1918, fato que se repete em alguns países em 2020.
A Gripe Espanhola Chega a Natal – 3 de outubro de 1918
Essa questão de negação e até mesmo
ocultação de dados sobre a gripe espanhola também ocorreu em Natal. Mas
através de jornais de outros estados, principalmente os de Recife, que
mantinha correspondentes em Natal, é possível ter uma ideia do que
aconteceu na capital potiguar.
O Diário de Pernambuco, de 4 de outubro de
1918 informou através de um telegrama emitido pela Great Western, que o
navio de passageiros brasileiro Itassucê aportou em Natal no dia
anterior com seis enfermos de gripe espanhola.
A Primeira Vítima em Natal – 15 de outubro de 1918
Aparentemente, a primeira morte em
decorrência da gripe espanhola ocorrida em Natal foi a do comerciante
cearense Mozart Barroso, a bordo do navio Pará, que estava ancorado no
porto da cidade.
Em A República, na edição de 15 de outubro,
informou que o falecimento ocorreu devido a uma “moléstia” contraída em
Recife, vindo o comerciante a falecer em decorrência da viagem. Já o
Diário de Pernambuco afirma que nesse mesmo navio vários outros
passageiros e tripulantes, entre estes o médico de bordo, estavam com a
gripe espanhola. O navio Pará ficou interditado em nosso porto por
vários dias.
Mesmo sem A República
esclarecer se Mozart Barroso morreu, ou não, de gripe espanhola, chama
atenção que quatro dias depois da divulgação dessa notícia o respeitado
médico Januário Cicco escreveu nesse mesmo jornal uma coluna visando
“auxiliar na defesa da saúde pública contra a epidemia de influenza
espanhola, que celeremente se disseminou por toda parte”. O Dr. Januário
recomendava então o uso da “quinina”, muito utilizado contra a malária,
informando ter distribuído pelas farmácias da cidade comprimidos deste
produto. Este médico solicitava que “os poderes competentes”, ordenassem
aos funcionários da Inspetoria de Higiene que fossem visitar as
“choupanas dos mais pobres, distribuindo quinino, aconselhando a
melhorar os aspectos de higiene, escolher uma alimentação sadia, beber
água de procedência e evitar aglomerações”. Nada diferente de hoje.
Um fato especialmente destacável foi a
predileção da doença por tirar a vida de jovens adultos saudáveis, e não
de crianças e idosos. Algo bem diferente do COVID-19.
Gripe Espanhola no Interior do RN – 15 de outubro de 1918
As Informações dão conta que o interior não se mostrava imune aos efeitos da pandemia.
De
Areia Branca o Coronel Francisco Fausto, Presidente da Intendência
(cargo que atualmente equivale ao de prefeito), informava que a gripe
havia atacado a cidade, mas sem fornecer detalhes. Jornais de Recife
informaram que em Macau haviam pessoas atingidas pela gripe espanhola.
Já Jerônimo Rosado, intendente de Mossoró, informava que 38 pessoas
haviam ali falecido. Fora do litoral veio a notícia que em Nova Cruz,
cidade servida por um ramal ferroviário inaugurado em 1883, o Sr. Mario
Manso, seu intendente, se recuperava da gripe.
Fica evidente pelos noticiários que essa
gripe de 1918 atacou primeiramente as cidades do Rio Grande do Norte que
recebiam navios de carga e passageiros. Vale lembrar que o movimento
dos portos de Macau e Areia Branca era muito maior do que nos dias
atuais.
A gripe vai se interiorizando através da
velocidade das poucas linhas de trens existentes, dos raros automóveis
e, certamente com maior intensidade, através das patas dos cavalos e
burros. Sabemos de casos ocorridos em dezembro de 1918 em Lajes, Jardim
do Seridó e Acari. O interessante é que no sertão as notícias apontam
para uma letalidade baixa.
Remédios Para a Gripe Espanhola em Natal
Quem lê os jornais do período, percebe como aos poucos essa doença entra no cotidiano da população de Natal.
Os jornais estão repletos de anúncios de
remédios milagrosos que se dizem capazes de prevenir e de curar a gripe.
A oferta vai de água tônica de quinino a balas à base de ervas, de
purgantes a fórmulas com canela. Surgem propagandas de remédios, tais
como a “Kolyohimbina”, “Puritol”, ou o “Balsamo Philantropico”, que
prometiam a “cura milagrosa contra o mal espanhol”.
Em meio à apreensão causada pelo
alastramento da gripe, o comércio se adequava como podia a triste
novidade. A farmácia Torres anunciava que por 1$800 (um mil e oitocentos
réis) era vendido um preservativo que poderia ser utilizado no ato
sexual em meio ao surto de gripe, “prevenindo pessoas que dele fazem uso
com vantagem”. Para outras atividades a situação era mais complicada; a
fábrica de gelo da Força e Luz, a única da cidade, parou suas
atividades durante a ocorrência do surto.
Outros remédios vendidos em Natal,
conforme podemos ver na propagandas divulgadas nos jornais locais foram a
“Bromo quinina” e a “Toni Kina”, todos a base de quinino.
De Recife, com destino a Natal e Macau,
partiu o navio Curupu com milhares de pílulas a base de quinino. Além
disso, a Companhia Comércio e Navegação (CCN) doou dez contos de réis em
medicamentos nos municípios de Macau e Areia Branca, para serem
distribuídos com a população local.
Diante
de uma doença mortal nova e da falta de informação, a população fica
apavorada e acredita em qualquer promessa de salvação. Estamos
observando que até hoje é assim.
Ações do Governo de Ferreira Chaves
O governo estadual não se pronunciava
sobre muito sobre a crise. Apenas em 1º de novembro, o então governador
potiguar, Joaquim Ferreira Chaves, anunciou através do jornal A República,
que estava “agindo para acudir a pobreza desta cidade”, organizando na
escola Frei Miguelinho uma comissão de apoio, que visava fornecer
alimentação aos necessitados no bairro.
Este
trabalho estava sob a batuta do Diretor da Inspetoria de Higiene, o
Doutor José Calistrato Carrilho de Vasconcelos, com a participação do
professor Luís Soares, então diretor da escola Frei Miguelinho e do
padre Fernando Nolte. Outros que participaram foi o Dr. Antônio Soares,
tenente João Bandeira e o Senhor Laurentino de Moraes, contando com o
apoio dos escoteiros. Desta comissão o governo criou um Posto de
Assistência do Alecrim, onde trabalhavam os médicos Varela Santiago e
Marcio Lyra. A missão do Posto era fornecer remédios, alimentos e até
mesmo querosene para iluminação.
Um indício de como estava à situação no
bairro do Alecrim é apontada pela própria comissão, que em média atendia
a um número superior de 350 pessoas por dia. Escoteiros percorreram
diversas ruas do bairro para entregar alimentos e remédios nas casas dos
que estavam tão atacados que não tinham sequer condições de se
deslocarem para a escola Frei Miguelinho.
De barco seguiu com vários medicamentos
para as praias de Muriú e Maracajaú o farmacêutico Floriano Pimentel, da
Inspetoria de Higiene. As povoações existentes Nessas praias nessa
época eram prósperos entrepostos de comércio de pescado.
Outra notícia, sem detalhes estatísticos
ou maiores referências, informa que o governador Ferreira Chaves buscava
atender, com as mirradas condições do tesouro estadual, os inúmeros
pedidos das cidades e vilas do interior para o combate a pandemia.
Mas se havia pouco dinheiro para ajudar os potiguares que viviam no interior, não faltou para outras coisas!
Em novembro de 1919, quando a gripe
espanhola era motivo de péssimas lembranças em Natal, o governador
Ferreira Chaves publicou a sua mensagem governamental no Congresso do
Estado, atual Assembleia Legislativa, onde prestou contas de suas ações
no ano anterior. Ele comentou que as despesas para fazer frente a gripe
espanhola chegaram ao valor de 30:314$850 (trinta contos, trezentos e
quatorze mil e oitocentos e cinquenta réis). O problema é que na mesma
prestação de contas o governador Chaves informou que comprou 17
reprodutores de “gado indiano”, para entregar a somente sete criadores
potiguares e por preço inferior ao custo. Com a justificativa de
“auxiliar a pecuária”, receberam essa benesse do governo potiguar
criadores como Juvenal Lamartine de Faria (recebeu dois exemplares),
Francisco Justino Cascudo (dois exemplares), Ezequiel Mergelino de Souza
(seis exemplares), Pompeu Jácome (dois exemplares) e outros.
Era
uma verdadeira bênção, porque cada reprodutor custou para o erário
público cerca de 1:783$000 (um conto e trezentos e oitenta e três mil
réis) e esses abonados fazendeiros tiveram que pagar por cada exemplar
apenas 600:000 (seiscentos mil réis). E nem precisaram pagar em dinheiro
vivo de uma única vez. Os exemplares do “gado indiano” foram pagos em
notas do Tesouro Estadual, com tranquilas prestações. O valor total da
compra dos animais para o tesouro estadual foi de 16:150$000 (dezesseis
contos e conto e cinquenta mil réis).
É inegável que esse tipo de ação
governamental visava a melhoria do plantel bovino potiguar, isso tudo em
uma época onde o Brasil tinha sua riqueza econômica ligada a
agropecuária e sua população vivia em grande parte no meio rural. Mas,
em um ano de terrível calamidade na saúde pública, em meio a mais mortal
pandemia já experimentada pela humanidade, gastar mais da metade do que
se gastou no combate à gripe espanhola com 17 touros, é no mínimo um
acinte.
Ações Para Diminuir a Força da Gripe Espanhola em Natal
Percebe-se pelos jornais que setores da
sociedade passaram a cobrar do governo uma maior atenção com as questões
de higiene pública, onde surgem cobranças para a extinção de lamaçais
existentes nas ruas da cidade, ou contra o abate de animais em
residências, além da providência de se enterrar com urgência as
carcaças.
Escolas alteraram suas rotinas. A
diretoria do extinto Colégio da Conceição decidiu encerrar a 23 de
outubro o ano letivo, “sem entrega de diplomas e sem festas devido à
epidemia”.
Conforme o medo do alastramento da doença
crescia, medidas profiláticas eram recomendadas. Mas algumas delas
pareciam saídas de algum tratado de bruxaria; lavagens intestinais com
água morna, chá de pimenta d’água com duas gotas de glicerina, ou tomar
um vidro de magnésia fluida, com vinte gotas de “briônia” e dez gotas de
“tintura de beladona”.
Em
meio aos carcomidos exemplares que restam dos antigos jornais
natalenses na atualidade, chama atenção um aviso publicado no início de
dezembro de 1918 pela Inspetoria de Higiene. Intitulado “A influenza
espanhola, conselhos ao povo”, onde entre outras coisas, solicitava
“evitar aglomerações, não fazer visitas, evitar toda fadiga e excesso
físico”. Mas eram tidos apenas como “conselhos”.
No Diário de Pernambuco, o seu
correspondente em Natal informou que para evitar a propagação da gripe
Fortunato Aranha, então presidente da intendência da capital, mandou
cancelar os jogos de futebol e encerrar o campeonato estadual de 1918.
Foi informado que a partir do final de
outubro o Governo Federal proibiu as aglomerações públicas. Os teatros e
os cinemas, além de lacrados, deveriam ser lavados com desinfetante. Em
Natal os cinemas Royal e Polytheama ficaram sem exibições
cinematográficas desde outubro e foram rigorosamente desinfetados.
Ainda no Diário de Pernambuco foi descrito
que a “Inspectoria de Hygiene” de Natal emitiu uma proibição para os
comerciantes locais não utilizarem, como era comum na época, papéis de
jornais para embalar os produtos vendidos.
O bispo de Natal em 1918 era Dom Antônio
dos Santos Cabral, o segundo a ocupar esse cargo. Ele mandou então
suspender o novenário e outras solenidades externas relativa as
comemorações de 21 de novembro, dia de Nossa Senhora da Apresentação,
padroeira de Natal. Uma das solenidades atingidas foi a tradicional
procissão. Dom Antônio ordenou também que houvesse a desinfecção das
igrejas, principalmente das pias de água benta. Pediu que os atos
religiosos fossem realizados sempre pela manhã, de forma mais rápida
possível e que os padres transmitissem ao maior número de participantes
medidas de higiene para evitar a propagação do vírus, além de dar
assistência aos necessitados. Como aconteceu nas Rocas, onde o bispo
incentivou as “Damas de Caridade”, grupo ligado à Igreja Católica, a
atuar nesta região no apoio principalmente às famílias dos pescadores.
Quando
sabemos o grau de religiosidade católica existente na população
brasileira da época, percebemos o quanto as ações de Dom Antônio se
coadunavam com o momento complicado.
Doentes e Mortes
Igualmente no Diário de Pernambuco foi
informado no início de novembro que em Natal haveria cerca de 2.000
pessoas atacadas pela gripe espanhola e que o número de mortos era
considerado pequeno.
O principal jornal pernambucano comentou o
estado de algumas pessoas ilustres que foram atacadas pela doença,
entre elas estava Francisco Justino Cascudo, comerciante, que se
recuperava. O interessante é que na mesma nota o filho de Francisco
Cascudo, Luís, também estava enfermo, mas não é dito de forma taxativa
que seria de gripe espanhola. Entretanto é algo provável, pois encontrei
a informação que o advogado Bruno Pereira, então diretor do jornal A Imprensa, que pertencia a Francisco Cascudo e era muito frequentado pelo seu filho, estava acometido de gripe espanhola.
Mas discretamente, nas páginas diárias de A República, surgem diversas notas de falecimentos atribuindo abertamente a gripe espanhola à causa da morte de várias pessoas.
São
inúmeros os informes, tais como o falecimento em 3 de novembro de
Armando de Lamare, superintendente da Estrada de Ferro Central do Rio
Grande do Norte. Ou dos dois filhos menores de José Calazans Carneiro,
funcionário dessa ferrovia. Já o capitão da polícia Abdon Trigueiro,
informava a morte do seu irmão, o sargento da polícia Othoniel
Trigueiro. Ou o falecimento de Alfredo Costa, serralheiro da Ferrovia
Great Western, que deixou numerosa família. Houve também a morte do
comerciário da empresa A. dos Reis & Cia., Miguel Medeiros, que
morreu nas dependências do hospital Jovino Barreto e foi enterrado no
cemitério do Alecrim.
Historiadores apontam que as famílias
ricas no Brasil de 1918 foram menos atingidas do que as famílias pobres
porque se refugiaram em fazendas no interior do país, mantendo distância
do vírus. No caso do Rio Grande do Norte, sem maiores dados é temerário
afirmar se a classe mais abastarda de terras potiguares na época foi,
ou não, muito atingida pela pandemia de gripe espanhola. Entretanto,
entre os inúmeros necrológicos publicados no período temos o falecimento
do desembargador Vicente Simões Pereira de Lemos, ou do comerciante
Alexandre de Vasconcelos, ou do professor Tertuliano da Costa Pinheiro.
O Fim do Pesadelo. Ou Não?
No mês de dezembro de 1918, os jornais
informam que da mesma forma abrupta que este pesadelo chegou a Natal,
ele estava deixando a nossa terra. No dia 11 de dezembro, a Inspetoria
de Higiene considerava praticamente extinta o surto de gripe espanhola
em Natal.
Do interior do Rio Grande do Norte chegam
notícias do declínio dos surtos. De Lajes o intendente Felix Teixeira
informava o recuo da doença e agradecia o apoio do governador Ferreira
Chaves.
No
dia 15 de dezembro o governo decidiu encerrar as atividades do Posto de
Assistência do Alecrim, o principal da cidade. Ao final houve
homenagens, festas e comemorações para a Inspetoria de Higiene, aos que
trabalharam e mantiveram ativo o Posto e aos escoteiros. Todos foram
recebidos com honras pelo mandatário estadual no palácio do governo.
Segundo informou o professor Luís Soares, em trinta dias de atividades o
Posto atendeu nada menos que 10.814 pessoas. Os escoteiros visitaram
neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos.
Infelizmente os jornais da época não
explicam com maiores detalhes estes dados estatísticos. Não sabemos se
destas 10.814 pessoas todas estavam doentes, ou o grau de virulência a
que foram submetidos e, principalmente, em nenhuma linha é divulgado
quantos morreram neste período. Acredito que em Natal se repetiu o mesmo
que ocorreu em outras partes do país; no momento da pandemia as
autoridades deliberadamente escamotearam os dados sobre a doença para,
talvez, evitar o pânico. Ou esconder suas incompetências!
Para uma cidade onde a população girava em
torno de 29.000 pessoas, um surto epidêmico que leva ao atendimento de
10.814 habitantes mostra a dimensão do problema que foi a gripe
espanhola.
Entretanto, como para estragar qualquer
comemoração pelo fim do mal, as mortes em Natal e no interior potiguar
não ficaram restritas a 1918.
Em
3 de janeiro de 1919 é publicado no Diário de Pernambuco o falecimento
do juiz distrital Ponciano Barbosa. Lembrado hoje por ser o nome de uma
rua no centro da cidade (atrás do Hospital Varela Santiago), em 1918
Ponciano era uma pessoa extremamente popular nos meios católicos de
Natal. Além da magistratura, era o Presidente do Círculo de Operários
Católicos, que naquele ano realizou um grande evento pelo aniversário do
falecimento do padre João Maria. No dia 1º de novembro esse juiz teve a
honra de receber em sua casa Dom Antônio dos Santos Cabral, para
realizar a cerimônia de entronização da imagem do Sagrado Coração de
Jesus. Pouco mais de dois meses depois Ponciano Barbosa faleceu em meio a
uma grande comoção na cidade. Já em Assú, em 24 de janeiro, faleceu em
decorrência da gripe o advogado Cândido Caldas, parente do famoso poeta
assuense Renato Caldas.
Na verdade, como houve em todo mundo, uma
nova manifestação da gripe espanhola atingiu o Rio Grande do Norte.
Tanto que o diretor da Inspetoria de Higiene, o Doutor Calistrato
Carrilho, reabriu um posto de atendimento na Repartição de Higiene. O
Dr. Carrilho informou entretanto que o número de falecidos nesse segundo
ataque foi pequeno. Esse novo momento da gripe marcou também a política
nacional, pois em 16 de janeiro o vírus vitimou Francisco de Paula
Rodrigues Alves, quinto presidente da República, no início de seu
segundo mandato, onde ele não chegou sequer a tomar posse. Uma nova
eleição fora de época é convocada e o eleito é o paraibano Epitácio
Pessoa.
Mas enfim, qual foi o número de mortos de gripe espanhola no Rio Grande do Norte em 1918?
É na mensagem transmitida pelo governador
Ferreira Chaves, publicada em novembro de 1919, que surge um dado
oficial sobre o número de mortos.
O governador informou que no relatório
preparado pela “Inspectoria de Hygiene” sobre as ações do governo na
área de saúde pública entre outubro de 1918 e junho de 1919, período que
o governo potiguar definiu como de duração da gripe espanhola,
faleceram 187 pessoas em Natal, cujo pico ocorreu entre novembro e
dezembro, com 125 mortos. Não existem números sobre o interior. Esse
número de 187 pessoas falecidas, não chega a ser nem sequer 1% da
população de Natal na época.
Já
Luís da Câmara Cascudo, afirma em seu livro História da Cidade de Natal
(1999, pág. 213), sem citar fontes, que morreram na cidade 1.086
pessoas, pouco menos de 4% da população. Cascudo informou que no ano
anterior o obituário local chegou a 699 pessoas.
Sem maiores dados eu não tenho como
responder essa questão com exatidão. Entretanto, observando os jornais
antigos onde temos a informação que no Posto de Assistência do Alecrim
foram atendidos 10.814 habitantes e os esforçados escoteiros visitaram
neste período 169 casas, atendendo 135 doentes mais atingidos, o número
oficial de 187 pessoas falecidas parece ser uma fantasia!
Mas esse tema ligado a estatísticas
controversas não se restringiu ao Rio Grande do Norte. Faltam dados
confiáveis a respeito das vítimas dessa pandemia em todo Brasil. Mesmo
assim, não há dúvidas de que essa doença foi avassaladora. Por exemplo,
em um único dia de 1918 o Rio de Janeiro chega a registrar mais de mil
mortes.
Tal como ocorre agora com o COVID-19, a
grande maioria de pessoas que contraíram a gripe em 1918 sobreviveu. Em
geral, as taxas nacionais de mortalidade dos infectados não superaram
20%. Entretanto, esses índices variavam de um grupo para
outro. Evidentemente, mesmo uma taxa de mortalidade de 20% supera
bastante a de uma gripe convencional, que mata menos de 1% dos
infectados.
Quase 90 anos depois, em 2008, os
pesquisadores anunciaram que haviam descoberto o que tornava a gripe de
1918 ser tão mortal: um grupo de três genes permitiu que o vírus
enfraquecesse os tubos brônquicos e os pulmões de uma vítima e abrisse
caminho para a pneumonia bacteriana.