Não
se trata aqui de mais uma coletânea de 50 crônicas do carioca Lima
Barreto (1881-1922), esquecido em sua época e hoje entre os grandes
vultos da literatura nacional no despontar do século XX. Adornado com
dezenas de imagens a cargo de famosos (Marc Ferrez, Augusto Malta) e
alguns anônimos, o cotidiano da então capital federal ganha movimento se
lida junto aos textos, ora sérios ora irônicos e extraídas de vários
periódicos. As crônicas seguem de 1911 até 1922, dando para voltar no
tempo diante da bela narrativa de Barreto sobre o Rio de Janeiro. A
percepção de Lima acerca da realidade fluminense possui ares de
profecia, como na crônica “O nosso esporte” (adivinhe qual!), apresenta
um olhar atento ao lado cultural urbano (“Sobre o carnaval”, “Amor,
cinema e telefone”, “Bailes e divertimentos suburbanos”) e cenas urbanas
pouco percebidas (“Os enterros de Inhaúma”, “A revolta do mar”, “O trem
de subúrbios”, “A estação”).
Atenção seja dada ao texto
“A polianteia dos burocratas”, na qual Barreto trata do que ele chama de
“feminismo burocrático”, crônica claramente crítica quanto à presença
da mulher no funcionalismo público, tudo porque ele via tal ação como
mero “feminismo de fachada” (uma das mulheres diz que sua grande
aspiração seria não ter outra mulher como chefe). Em outro texto,
Barreto afirma ser um “andarilho de vocação”. Caminhar ao lado dele no
Rio de Janeiro daquela época, eis uma experiência nostálgica frente aos
tiros e tensões nas ruas cariocas de hoje.
Vários, “Arquivos de correspondências: carta e vida literária de escritores do RN” (2017, Edufrn, 182 p.)
Em
mais uma investida do Núcleo Câmara Cascudo de Estudos
Norte-rio-grandenses, os profs. Humberto Hermenegildo e José Luiz
Ferreira, ambos da UFRN, organizam um volume dedicado à epistolografia
potiguar. O (sub)gênero da carta vem sendo estudado com mais afinco nas
últimas décadas, provavelmente devido à dinâmica entre autores em tempos
bem distantes da internet (e antes que as cartas se autodestruam!). O
Modernismo brasileiro – incluindo o potiguar – foi moldado também, ainda
que parcialmente, na troca mútua de missivas. Corroborando tal tese,
surgem artigos de Humberto Hermenegildo (“O Modernismo como memória nas
cartas trocadas entre Câmara Cascudo e Joaquim Inojosa”) e de Edna Maria
Rangel (UFRN), tratando do autor de “Alma patrícia” com o criador de
“Macunaíma” (“Câmara Cascudo e Mário de Andrade nos anos 30: desafios da
política e da pesquisa sob tensão”).
Já Maria Suely da Costa
(UEPB) e Wellington Medeiros (UERN), no texto “Poema-carta: sob um
contrato do gênero”, afirmam que a carta foi “Usada por longo período da
história humana como fonte, não apenas, de documentação, mas como
recurso usual de comunicação”. Nos 08 capítulos, há ainda artigos sobre
Zila Mamede e suas cartas a Drummond, sobre o poeta açuense João Lins
Caldas e sobre o ainda obscuro acariense José Gonçalves Pires de
Medeiros. São notícias de um mundo no qual as pessoas se entendiam,
mesmo à distância. Hoje, por vezes, nem frente a frente o diálogo se faz
possível.
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