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Shakespeare dizia
que o passar dos anos produzia nos homens sensações inevitáveis, as
pernas cada vez mais finas dançavam desconcertadas dentro de calças cada
vez mais folgadas, o corpo combalido se mantinha alheio aos pedidos da
alma e do coração. Esqueceu-se de falar dos incômodos da próstata. Uma
glândula emblemática, que nos jovens tem o papel triunfal de alimentar e
manter vivos os espermatozóides e, com isto, perpetuar a espécie. Mas
que no homem maduro é responsável por um tormento de conseqüências
negativas para a qualidade e quantidade de vida de seus portadores: o
câncer da próstata. Mal que surge em cerca de 10% dos homens com 50
anos, 30% daqueles com 70 anos e 100% dos que chegarem aos 100 anos de
idade.
Diante de fatos tão majestosos e lembrando que a ciência médica
continua envolvida por mistérios intrigantes, é fácil compreender as
controvérsias e emoções que permeiam as discussões sobre o câncer da
próstata. Controvérsias e emoções assombrosas entremeadas por algumas
certezas alentadoras.
Frequência e Fatores de Risco
Atualmente vivem no Brasil cerca de 12 milhões de homens com mais de
50 anos e estima-se que dois milhões deles serão atingidos pelo câncer
da próstata. A essa estatística incômoda, contrapõe-se outra mais
animadora: de cada 18 homens acometidos pelo mal, apenas três morrerão
pela doença. A conclusão óbvia é que a maioria dos pacientes sobrevive
ao câncer, alguns por portarem tumores indolentes, que não progridem,
muitos outros graças às ações médicas reparadoras.
Duas condições aumentam os riscos de se contrair o câncer da
próstata, especificamente, a raça e a ocorrência de casos na família. A
freqüência desse tumor é 70% menor em homens orientais, mas essa
diferença quase desaparece quando orientais migram para o ocidente,
sugerindo que influências ambientais e o modo de vida também estão
implicados com a instalação da doença.
Já negros têm o dobro da incidência de câncer da próstata e neles o
tumor costuma ceifar mais vidas. Além de predisposição hereditária,
estudos recentes patrocinados pela American Cancer Society, nos EUA,
sugerem que esse comportamento pode estar relacionado com desigualdade
social, que limita o acesso mais vulneráveis, incluindo alguns negros,
aos tratamentos curativos. Fenômeno perverso que, possivelmente, se
repete numa sociedade injusta como a nossa.
A incidência do câncer da próstata aumenta de duas vezes a cinco
vezes, quando pai ou irmãos desenvolvem o mal antes dos 55 anos.
Obesidade e vasectomia, lembrados com possíveis fatores de risco, não
aumentam a incidência da doença. Contudo, o tumor manifesta-se de forma
mais agressiva em obesos, o que constitui mais um motivo, entre outros,
para os homens adultos se afastarem da sofreguidão.
Descoberta da doença
O câncer da próstata não produz sintomas nas fases iniciais, período
em que a doença é altamente curável. Nessa etapa, a existência do câncer
só pode ser explorada através do exame de toque (nos homens atingidos,
surgem áreas endurecidas na glândula) e das dosagens no sangue do
chamado “antígeno prostático específico” ou PSA. Esses dois exames devem
ser realizados conjuntamente, já que o toque e o PSA, isoladamente,
revelam, respectivamente, cerca de 25% e 45% dos casos com a doença.
Executando-se os dois testes, são identificados 75% dos pacientes
acometidos
A simplicidade dessas estatísticas poderia indicar que o diagnóstico
do câncer da próstata é circundado por ideias consensuais. Infelizmente,
isso está longe da realidade. Em primeiro lugar, o toque da próstata
gera assombros incontidos na mente masculina. A verdade é que esse exame
costuma ser realizado em quatro ou cinco segundos e de maneira indolor.
Para os mais recalcitrantes, gostaria de dizer que muito pior do que o
desconforto psicológico de alguns segundos é o flagelo que perdura por
anos e sempre termina mal, quando um câncer é descoberto tardiamente.
Em segundo lugar, os níveis sanguíneos do PSA, proteína que é
produzida exclusivamente pela próstata, encontram-se aumentados nos
pacientes com câncer local, mas também podem se elevar em casos de
infecção da glândula ou até mesmo em homens sem qualquer doença local.
Por isso, valores alterados de PSA exigem uma avaliação médica, mas não indicam, necessariamente, a existência de câncer.
Em terceiro lugar, a biópsia da próstata, realizada para confirmar
suspeitas geradas pelos exames, pode falhar em 10 a 12% dos casos, não
revelando a existência de câncer quando ele está presente. Essa
imprecisão surge frequentemente em pacientes com tumores localizados na
área anterior da próstata, quase inacessível à biópsia e imperceptível
ao toque, o que acaba retardando o diagnóstico da doença. Felizmente
essa situação incômoda tem sido contornada com dois novos exames, a
ressonância magnética multiparamétrica e o PSMA PET-CT, que permitem a
visualização de tumores mesmo nas áreas mais obscuras da próstata, com
uma acurácia de cerca de 80%. Dessa forma, a existência de um tumor pode
ser confirmada ou afastada, protegendo os portadores da doença ou
eliminando apreensões intermináveis em pacientes sem o mal.
Para que o câncer da próstata seja diagnosticado no momento
apropriado recomenda-se que os exames de detecção sejam repetidos
anualmente, a partir dos 45 anos de acordo com diretrizes firmadas no
passado. Por outro lado, nos casos hereditários a doença manifesta-se em
idades mais precoces; por isso, homens com histórico familiar devem se
submeter a exames preventivos anuais da próstata a partir dos 40 anos de
idade.
Recentemente a US Task Force, dos Estados Unidos, sugeriu que os
exames da próstata e exames de PSA rotineiros deveriam ser proscritos,
sob o argumento de que o diagnóstico precoce da doença desencadeia ações
médicas contundentes, desnecessárias em pacientes com câncer indolente.
Em decorrência, segundo essa entidade, são produzidos um sem número de
homens com a qualidade de vida comprometida pelas sequelas do
tratamento.
Confesso que não aceitei bem essa recomendação. Com alguma frequência
deparo-me com indivíduos que, aos 58 ou 60 anos, apresentam-se com
doença já avançada, às vezes sem retorno, situação que teria sido
evitada se o mal tivesse sido identificado mais cedo. Mais razoável é
que o diagnóstico precoce seja realizado e médicos, seguindo as melhores
evidências científicas e os melhores preceitos éticos, tratem apenas os
casos mais agressivos, que colocam e risco e existência de seus
pacientes. Ademais, penso que todos os seres humanos tem o direito
inegociável de participar das decisões que interferem com o seu destino.
Para aqueles preocupados em prolongar sua existência, tabelas e
estatísticas médicas, sempre imprecisas e muitas vezes falhas, não podem
prevalecer sobre esse sentimento inegociável.
Definindo a Gravidade da Doença
Vários parâmetros podem ser utilizados para definir a gravidade dos
casos de câncer da próstata. A extensão inicial da doença (tecnicamente
definida como “estágio”), a agressividade das células que formam o tumor
e as medidas do PSA no momento do diagnóstico, representam os
principais parâmetros utilizados pelos especialistas para prever os
horizontes desses casos e planejar o tratamento dos mesmos.
Com respeito ao estágio, o tumor é classificado como T1, T2, T3 e M+,
quando está situado, respectivamente, na intimidade da próstata e não
pode ser percebido ao toque (T1), quando é notado ao toque, mas não se
estende para fora da glândula (T2), quando se expande e atinge os
tecidos vizinhos à próstata (T3) e quando atinge outros órgãos, em geral
os ossos (N+/M+). Como demonstra o gráfico adiante, as chances do
paciente estar bem cinco anos após o diagnóstico relacionam-se
fortemente com o estágio da doença.
A agressividade das células é medida por uma nota conferida ao tumor
ao ser analisado o material colhido na biópsia. Nesse sentido,
utiliza-se uma escala chamada de “Escore de Gleason”, que pode variar
entre 5 e 10 e é obtido pela soma de dois números indicados pelo médico
especialista ao descobrir, na biópsia, um tumor maligno na próstata. Os
casos com escore total de 5 e 6 são mais brandos, aqueles que recebem
nota final 7 tem agressividade intermediária e as lesões classificadas
como 8 a 10 são mais desfavoráveis e devem ser tratadas de forma mais
contundente.
Os níveis sanguíneos de PSA elevam-se progressivamente à medida que
aumentam as dimensões do tumor. Pacientes com lesões mais brandas
costumam evidenciar níveis de PSA inferiores a 20 ng/ml e nos casos de
doença mais delicada esses níveis costumam se situar acima de 20 ou 30
ng/ml.
Sob o ponto de vista prático, os especialistas costumam definir a
gravidade de cada caso analisando conjuntamente essas variáveis e
aplicando uma classificação produzida pelo Dr Anthony D’Amico, da
Universidade de Harvard (nessa tabela, “Risco” refere-se à gravidade da
doença).
Estratégia de Tratamento do Câncer da Próstata
A evolução dos pacientes com câncer da próstata é relativamente
imprevisível, mas no cotidiano a maioria dos pacientes apresenta-se com
doença de pequena ou média agressividade, felizmente, potencialmente
curáveis. Nesse sentido, pesquisa publicada pelo National Cancer
Institute, dos Estados Unidos, concluiu que entre os casos de câncer da
próstata descobertos em exames preventivos, 15% são portadores do tipo
indolente; 60% têm doença agressiva, mas curável se tratada a tempo; e
25% apresentam lesões avançadas, de cura mais difícil quando se utiliza
somente método único de tratamento.
Os tumores classificados como indolentes ou baixo risco, crescem
muito lentamente e, por isto, muitos centros urológicos passaram a
preconizar o não tratamento desses pacientes, pelo pequeno risco de
morte pela doença. Nesses casos são realizados exames periódicos
(“vigilância ativa”) e a orientação é mantida enquanto os exames se
mantiverem estáveis. Embora atraente, por evitar as complicações
relacionadas com o tratamento do câncer, essa estratégia tem três
inconvenientes. Quando acompanhados por 10 anos, o tratamento torna-se
necessário em 50% dos casos, por sinais de piora da doença. Existe,
também, de 10 a 12% de risco de agravamento imperceptível do câncer, com
consequências negativas óbvias quando a situação é detectada. Não menos
importante, a maioria dos pacientes vive em estado de apreensão, por
carregar em seu organismo uma doença maligna não tratada.
Doença Contida Dentro da Próstata
Os pacientes com tumores mais agressivos localizados dentro da
glândula são usualmente submetidos à cirurgia (prostatectomia radical)
ou à radioterapia (externa ou braquiterapia). Apesar da polêmica entre
os especialistas envolvendo a eficiência dessas duas técnicas, os dados
mais recentes indicam que a cirurgia acompanha-se de maiores chances de
cura nesses casos. Dois estudos a respeito publicados em 2010 pelos Dr.
Michael Zelefsky, do Memorial Sloan Cancer Center de Nova York e pelo
Dr. Matthew Cooperberg, da Universidade da Califórnia, demonstraram que o
risco de morte por câncer foi de 2,2 a 3 vezes maior em pacientes
tratados com radioterapia, comparado aos tratados com cirurgia.
Um dos motivos para explicar tal diferença é que se o tumor
estende-se para fora da próstata ou reincide após a cirurgia inicial,
pode-se recorrer com sucesso à radioterapia subsequente, que consolida a
cura num número substancial de casos.
Já nos casos de falha após tratamento inicial com radioterapia, as
perspectivas para os pacientes tornam-se mais sombrias, já que a remoção
cirúrgica subsequente da próstata é sempre complicada e, muitas vezes,
impossível. Isso explica porque nos casos mais simples ambos os métodos
curam número semelhante de pacientes, mas nos pacientes com doença mais
agressiva os índices da cura com a cirurgia superam de forma
significativa aqueles observados com a radioterapia.
Além do sofrimento imposto pela sensação de finitude da vida, outras
angústias assolam o espírito dos homens atingidos pelo câncer da
próstata. A prostatectomia radical é acompanhada de impotência sexual em
70% dos indivíduos com 70 anos, em 35% dos pacientes com 65 anos e em
10% dos homens com 50 anos. Ademais, incontinência urinária surge em 3 a
15% dos casos, dependendo da experiência do cirurgião e da idade do
paciente. A radioterapia associa-se a iguais riscos de disfunção sexual e
pode causar complicações intestinais e de bexiga em 15 a 35% dos casos
tratados, algumas vezes mais devastadoras que o próprio câncer.
Reconhecendo os inconvenientes dos atuais métodos de cirurgia e de
radioterapia, pesquisadores lançaram-se a procura de procedimentos
alternativos para dominar a o câncer da próstata. Multiplicaram-se na
prática médica um sem número de técnicas, entre as quais a crioterapia, a
aplicação de ondas de ultrassom (HIFU), a administração local de laser e
o uso de diferentes vacinas antitumorais. Idealizados como métodos mais
inócuos, esses procedimentos não tiveram sua eficiência comprovada de
forma clara e, contrariamente ao esperado, podem se acompanhar de
complicações sérias.
Por isso, devem ser considerados experimentais e desta forma
apresentados eticamente aos pacientes. Infelizmente, esse cuidado não
tem sido seguido e alguns profissionais têm utilizado essas modalidades
de tratamento, aproveitando-se da fragilidade e dos assombros que
permeiam a mente dos pacientes atingidos pelo câncer da próstata.
Confirmando os sentimentos expressos pelo Dr. Willet Withmore, de Nova
York, há cerca de 30 anos: “O tratamento atual do câncer da próstata
pode não ser a melhor medicina, mas certamente pode se tornar um bom
negócio” e, também, “Existem mais pessoas querendo ganhar dinheiro com o
câncer da próstata do que morrendo pela doença”.
Prostatectomia Auxiliada por Robô
De forma menos tendenciosa, mas talvez precoce, anunciou-se ao mundo o
advento de uma nova técnica de prostatectomia, “recheada de predicados e
quase isenta de problemas”: a prostatectomia auxiliada por robô,
executado com o expoente denominado Da Vinci. Atribuiu-se a essa
intervenção, realizada através de seis orifícios abdominais, diferentes
méritos: ausência de incisão abdominal e, com isto, menor desconforto
pós-operatório; melhor visão dos órgãos abdominais e movimentos mais
suaves dos instrumentos cirúrgicos, permitindo retirada mais segura do
tumor e menor risco de lesão dos nervos e músculos situados em torno da
próstata; em decorrência estria quase garantida de preservação da
potência sexual e controle mais perfeito da urina.
Apesar do apelo irresistível dos procedimentos de alta tecnologia
médica e do marketing avassalador que envolveu o lançamento comercial do
robô Da Vinci, a técnica tem suscitado algumas questões ainda mal
respondidas. O aprendizado da cirurgia robótica é demorado e beira os
limites do aceitável eticamente, já que a proficiência do operador só é
atingida após 350 intervenções. Até que se atinja esse patamar, as
cirurgias podem demorar até 6 horas e são envolvidas por complicações
frequentes, à vezes graves e, mesmo, fatais. Por esse motivo, a empresa
que produz o robô está agora sendo seguidamente processada nos EUA e
numerosas firmas da advocacia oferecem seus préstimos na internet,
incluindo algumas com sites emblemáticos, como “
www.badrobotsurgery.com”!
Outra limitação limita o emprego disseminado da prostatectomia
robótica: seu elevado custo de aquisição e de manutenção, da ordem,
respectivamente, de mais U$ 3 milhões e de mais de U$ 300 mil dólares
anuais, valores utópicos para um país carente de recursos e de
prioridade para a saúde como é o Brasil.
A introdução recente dessa técnica não permitiu, até hoje, definir se
os índices de cura do câncer são equivalentes aos resultados
consistentes obtidos com a intervenção convencional. Definitivamente, e
ao contrario da cirurgia aberta, a técnica robótica acompanha-se de
remoção incompleta do tumor em pacientes obesos, com próstatas grandes
ou já submetidos a cirurgias locais prévias. Nos demais casos é provável
que as duas técnicas de prostatectomia sejam igualmente eficientes na
erradicação da doença.
Um dos aspectos atraentes atribuído à cirurgia robótica relaciona-se
com a ausência de incisões, que em tese reduziria o desconforto com as
incisões realizadas nas cirurgias convencionais. Nesse sentido, não
custa lembrar que a intervenção com robôs é executada com cinco incisões
de 1,5-2,0 cm e outra adicional, maior, para extração da glândula
adoentada. Somadas, a extensão dessas incisões somadas aproxima-se
daquela empregada nas intervenções abertas. Ademais, os cirurgiões que
preferem a técnica convencional utilizam atualmente uma anestesia
combinada, geral e peridural, que permite que 9 em cada 10 pacientes não
tenham praticamente nenhuma dor no período pós-operatório imediato.
A ideia de maior preservação das funções sexual e urinária com a
intervenção robótica também se mostrou falaciosa. As cinco melhores
pesquisas comparando as técnicas robótica e aberta demonstraram que
essas complicações ocorrem com a mesma frequência com ambos os métodos.
Ademais, num encontro realizado recentemente em Pasadena, EUA,
conclui-se, consensualmente, que os resultados da prostatectomia
relacionam-se essencialmente com a experiência do operador e não com a
técnica empregada. Essa ideia vale para as chances de cura, número de
acidentes intra e pós-operatórios e riscos de impotência sexual ou de
incontinência urinária. Ademais, num dos estudos publicados a respeito
do tema por conceituado cirurgião robótico, complexos raciocínios
matemáticos indicaram que 89,8% dos pacientes estavam potentes um ano
após a prostatectomia robótica. Refazendo os cálculos, observei que
apenas 298 (ou 47,6%) de 626 pacientes, que apresentavam potência sexual
normal no momento da descoberta do tumor, preservaram este estado após a
intervenção, números longe de serem superiores aos observados com as
intervenções abertas.
Esses dados explicam observações feitas pelo grupo do Dr. Florian
Schroeck, da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Entrevistando
pacientes submetidos à prostatectomia radical, constataram que o número
de indivíduos que lamentavam a escolha da técnica robótica foi quatro
vezes maior do que aqueles que optaram pela cirurgia aberta,
principalmente porque os proponentes da técnica robótica criaram nos
pacientes expectativas irreais a respeito das vantagens desse método.
Aos pacientes que se entregam com tanto ardor às inovações em
medicina, gostaria de lembrar a história mitológica de Dedalus e seu
filho Ícarus. Aprisionados num labirinto pelo rei Minos, conseguiram
escapar pela habilidade do pai, que construiu dois pares de asas,
juntando penas e cera. Inebriado com o poder de voar, Ícarus
deslumbrou-se com a beleza do sol e voou em sua direção. A cera de suas
asas rapidamente derreteu e Ícaro projetou-se contra o mar, dele
restando somente penas na superfície da água.
Tentando resumir meus sentimentos em relação à cirurgia auxiliada por
robôs, penso que elas se imporão no futuro em casos nos mais simples de
câncer da próstata, pela atração que as técnicas “high tech” exercem
sobre a mente humana, pelo aperfeiçoamento do equipamento, que ainda
falha por não oferecer a sensação táctil que facilita a realização de
uma intervenção cirúrgica e pelo barateamento do equipamento.
No momento as evidências científicas mais rigorosas demonstram que as
técnicas convencional e robótica assemelham-se em termos de eficiência
na remoção dos tumores da próstata e acompanham-se de riscos de
complicações e sequelas equivalentes e reduzidos quando realizadas por
cirurgiões experimentados com cada uma das técnicas. Estatísticas
provindas de reputados centros urológicos indicam que esse patamar de
proficiência é obtido quando um cirurgião “robótico” executou mais de
350 prostatectomias radicais e um cirurgião “convencional” realizou mais
de 700 intervenções similares.
Doença que se Estende para Fora da Próstata
Finalmente, quando tumor se estende para os tecidos que envolvem a
próstata ou para outros órgãos, os pacientes são tratados com remoção
dos com medicações ou intervenções cirúrgicas que reduzem os níveis da
testosterona no sangue, o hormônio masculino que representa um dos
principais combustíveis que alimenta o tumor. Quando as taxas sanguíneas
de testosterona são anuladas, todas as lesões prostáticas presentes no
organismo sofrem uma involução marcante.
Essas medidas nem sempre eliminam totalmente o tumor, mas a doença
pode permanecer sob controle por muitos anos com mudanças sucessivas nas
alternativas medicamentosas. Para esses pacientes notícias auspiciosas
surgiram nos últimos anos. Cinco novos agentes, a abiraterona, a
enzalutamida, o radium-223, os anticorpos anti-PSMA ligados ao
lutécio-1177 e os chamados inibidores de PD1 e PDL1, foram recentemente
testados em pacientes com formas agressivas e resistentes de câncer da
próstata e mostraram intensa atividade antitumoral, com regressão da
doença em 50 a 70% dos casos, incluindo alguns onde as esperanças se
esvaiam. Com baixa toxicidade, já estão disponíveis ou prestes a serem
liberadas para uso clínico e terão um papel relevante no tratamento dos
pacientes com câncer da próstata.
Prevenção do Câncer de Próstata
De forma interessante, maior frequência de atividade sexual talvez
iniba o aparecimento do câncer da próstata. Pesquisa patrocinada pelo
National Institute of Health, dos EUA, que envolveu cerca de 29 mil
homens, revelou que a incidência desse câncer é 33% menor nos indivíduos
que tem mais do que cinco relações sexuais por semana. Mesmo que essa
teoria não tenha ainda sido confirmada por outros estudos, alegro-me ao
relatar tal pesquisa, enfim uma notícia prazerosa no meio de um texto
tão árido.
Conclusões
Como procurei mostrar e graças ao esforço de dedicados pesquisadores e
especialistas, mais de 90% dos pacientes com câncer da próstata
descobertos em fases precoces são atualmente curados do seu mal. Apesar
disso, o tratamento do câncer da próstata ainda envolve controvérsias
não bem resolvidas. Em primeiro lugar, fica claro que os especialistas
da área têm divergências que não são apenas semânticas quanto a melhor
forma de tratar tais casos. Outro fato: o câncer da próstata se posta,
como doença, dentro de um espectro que abrange desde casos que não
precisam ser tratados até situações em que a terapêutica pouco
modificará a evolução desastrosa do mal. Finalmente, todos os métodos de
tratamento disponíveis podem comprometer de alguma forma a qualidade de
vida do doente. Por esses motivos, um especialista só orientará
corretamente o tratamento de qualquer caso se, além de bom senso, levar
em conta os sentimentos do paciente. Assim, gostaria de dizer que
médicos e pacientes, em decisão conjunta, devem optar pela terapêutica
mais eficiente, quando a sobrevida for o anseio mais relevante, e
escolher o tratamento menos agressivo, quando a qualidade de vida for a
preocupação principal do doente.
Essa situação me remete a Maceió. Ao visitar a praia do Francês com o
amigo Paulo Vitório, me deparei com um motel à beira da estrada:
“Cequisabe”. Logo imaginei a cara do conquistador não tão bem
intencionado ao perguntar para a indefesa o que ela gostaria de fazer
naquela noite enluarada. Volto ao câncer da próstata. Os especialistas
são sempre tendenciosos, muitos por um impulso natural, alguns por
impulsos não tão naturais. Imaginem o que acontecerá com o paciente
assustado, frente a um cirurgião intransigente ou a um radioterapeuta
inflexível se, ao invés de expressar seus sentimentos pessoais, deixar
escapar “cê qui sabe”.