Espero que muitos leiam este artigo, menos a Luiza, que já voltou do Canadá, feliz da vida, por se beneficiar da inteligência inequívoca das sanguessugas midiáticas que se aproveitam da frágil cultura brasileira para ganhar milhões, como se Luiza valesse o mito que se criou em torno dela. Depois de Wally - Onde está Wally? -, Bin Laden, suposto terrorista que conseguiu se esconder por dez anos no Paquistão, e do famigerado “chupa-cabra” - personagem folclórico cultivado no imaginário popular de vários países latinos –, não me lembro de mais alguém que tenha virado celebridade sem aparecer. Luiza caiu do céu e, aparentemente ingênua, descompromissada e sem saber direito o que aconteceu, tornou-se celebridade (?) da noite para o dia, sem tomar partido nem praticar qualquer ação que justifique o fenômeno. Não precisou ralar no exterior nem criar uma rede de lojas de eletrodomésticos. A ignorância coletiva declarou seu amor incondicional a ela mesmo sem conhecê-la. Bin Laden tinha motivos para virar celebridade embora sua causa não valesse o sacrifício de uma única vida. Luiza não tem qualquer causa. É resultado dos contornos equivocados da nova comunicação de massa que os estudiosos ainda tentam compreender. Luiza é uma espécie de “celetóide”, termo cunhado pelo sociólogo inglês Chris Rojek, autor do livro Celebridade, publicado no Brasil pela Editora Rocco. Segundo Rojek, os“celetóides” não têm qualquer talento específico nem sequer realizam algo grandioso, mas tornam-se famosos porque todos sabem quem eles são. No caso específico de Luiza, ninguém sabia de fato quem ela era, a não ser a família que apareceu em comercial imobiliário na Paraíba e, sem pretensão alguma, comentou sua ausência. Como diz Rojek, é a fama pela fama, sem outros atributos. E a família está feliz, afinal, para quê o esforço se a desinformação geral é a melhor alavanca para o conforto da minoria? Culpa da Luiza? Certamente não. É culpa da nossa sociedade combalida, capaz de trocar talento por visibilidade, e livros, escolas, ideias e debates sadios por substitutos sensuais e eróticos, totalmente dispensáveis, porém aceitáveis na mente das crianças desprotegidas e na consciência profana do telespectador despreparado. Não é toa que os reality shows ganham espaço e proliferam nos quatro cantos do planeta. Eles são os campeões em geração de “celetóides”, celebridades inexpressivas - do ponto de vista moral e intelectual - que viram marcas famosas numa sociedade que faz do prazer de consumir a sua maior competência. O que torna um “celetóide” interessante? A necessidade de produzir e de consumir em escala geométrica. A mídia precisa vender produtos, jornais, revistas, ideias estrambelhadas, histórias sem pés nem cabeça que invocam o imaginário popular e cospem consumidores autômatos, incapazes de pensar por si mesmos. Quanto mais produtos e serviços, mais celebridades são necessárias para empurrá-los goela abaixo do consumidor sensível, o qual, para se sentir incluído, precisa comprar, consumir, viajar e ter aquilo que o vizinho tem, ainda que isso lhe custe uns quatro, cinco ou dez anos de escravidão bancária absoluta. Lamentavelmente, vivemos a era das celebridades instantâneas, ou dos chamados “celetóides”,gente que não faz nada, ou quase nada, porém se torna motivo de reuniões e debates acalorados em bares, restaurantes, escritórios, feiras livres e corredores de supermercado, de segunda a domingo. É o caso do BBB, por exemplo, cujas opiniões de seus pobres elementos confinados são levadas em consideração e ocupam espaço cada vez maior na mídia, a qual se vale das esquisitices e fragilidades humanas para conquistar mais pontos no IBOPE e, assim, vender espaço a preço de ouro no horário menos nobre possível. Difícil ainda imaginar que empresas de grande porte, ícones do consumo nacional, arriscam sua imagem ao anunciar seus produtos em programas de efeito cultural nulo, embora se mostrem preocupadas com a situação geral do país e assumam a bandeira da responsabilidade social. Será mesmo? Por tudo isso, poucos se atrevem a contestar os fãs e os telespectadores emocionados que elevam seus brothers à condição de celebridade e são capazes de defendê-los como se fossem os próprios filhos. Por outro lado, quem se entrega ao julgamento alheio, de maneira escancarada e em troca de quinze minutos de fama passageira e duvidosa, não sai ileso. O julgamento alheio não tem escrúpulos nem discernimento, entretanto, tem milhões de seguidores nas redes sociais ao massacrar, execrar e condenar o suposto réu pelo deslize mais simples, sem direito a defesa, da mesma forma que privilegia um ou dois pelo motivo mais fútil e condena os demais ao ostracismo. Exposições midiáticas ridículas são celebradas, de norte a sul do país, em nome da liberdade de expressão, de um suposto momento econômico favorável e da ausência de discernimento. Na prática, elas abafam a incapacidade coletiva de enxergar o óbvio e as tentativas isoladas de eliminar a pobreza geral do espírito humano. Elas usam e abusam da tolerância geral consentida, benevolente, inerte. Políticos inescrupulosos adoram isso. Enquanto celebramos a volta de Luiza, o espetáculo circense continua à espera do próximo palhaço. O estupro, consentido ou não, ao vivo e em cores em rede nacional, tem mais importância e provoca menos indignação do que as catástrofes climáticas, os filhos do crack e os hospitais superlotados. Por que resgatar tudo isso? Para que você não perca a sua capacidade de discernimento, o bom senso e a capacidade de indignação diante das futilidades produzidas pela comunicação equivocada de massa que, em geral, não acrescenta uma gota de sabedoria na sua vida pessoal e profissional. Você vai ouvir dizer o tempo todo que isso é cultura, entretenimento, comunicação na era da informação e da Internet. Há quem adore essa forma de manipulação, afinal, é bom participar, dar a sua opinião, sentir-se parte do júri, poder glorificar ou escorraçar gladiadores frágeis, expostos numa arena de quase duzentos milhões de pessoas. Tudo isso é detrito, tratado como se fosse útil e necessário, entretanto, em menos de um ou dois anos haverá de sumir, a exemplo de outros milhares de toneladas que, ao longo do tempo, foram se deteriorando e hoje ninguém mais sente o cheiro.
Dr. Reynaldo Corrales Filho - Farmacêutico, Psicanalista e Psicopedagogo