Rimas simples, mas que acumulam saberes valiosos do cotidiano, ao mesmo tempo que trazem registros de vários Brasis. Os versos do cordel são um dos mais tradicionais da cultura no país. Desde 2018, o gênero literário é Patrimônio Cultural Brasileiro. Muito associado à oralidade e à publicação artesanal, com ilustrações em xilogravura, o cordel em sala de aula pode fortalecer a interdisciplinaridade e despertar o interesse pela poesia.
“O meu projeto se conecta com as vivências dos estudantes. Por ser o cordel um gênero local, ele tem muita aceitabilidade por parte dos mesmos. Apresenta uma linguagem muito simples, sem ser simplória, que é facilmente compreendida por eles. É um gênero que afirma as relações de pertencimento dos estudantes”, afirma o professor Gilson Franco, que trabalha na Escola de Tempo Integral Professor Ademar Nunes Batista, em Fortaleza (CE), e já utilizou o cordel para debater temas como empatia e combate ao bullying com turmas de ensino médio.
“Povoava a minha mente a ideia de criar um ambiente escolar cheio de poesias e atitudes gentis por toda parte. Partindo dessa situação de incômodo, que me desafiava a fazer algo para resolver a questão do bullying e da falta de empatia, desenvolvi uma sequência didática, mediada pela literatura de cordel. Composta por 12 oficinas, ela semeia atitudes valorativas entre eles, como gentileza, bondade, gratidão, respeito e empatia.”, conta.
“É um gênero que afirma as relações de pertencimento dos estudantes”
O professor também destaca a capacidade do cordel em dialogar com outros gêneros poéticos e musicais também presentes no cotidiano dos alunos: “A poesia de cordel apresenta rimas, recurso de que [os alunos] gostam muito, e que associam, inclusive, a gêneros como o Slam e o Rap, que também apresentam um ritmo alucinante”, explica o professor.
Usos interdisciplinares do cordel em sala de aula
Para o cordelista e curador da Associação Brasileira de Literatura de Cordel, Marlos de Herval, o cordel também pode ser um material lúdico para práticas antirracistas em sala de aula, seja pela estrutura simples do texto, seja pelas possibilidades de discussões que o conteúdo dos versos podem oferecer para professores e alunos, já que, muitas vezes, carregam tensionamentos que refletem a época em que foram escritos, reproduzindo estereótipos e preconceitos que, o cordelista defende, podem ser discutidos em sala pelo professor a partir do contato com os textos.
“Os primeiros escritores e repentistas viviam em uma época de ‘inocência’, onde não se davam conta de que estavam sendo eventualmente racistas.”, comenta.
Marlos também destaca o cordel como um gênero a ser explorado em sala de aula, em atividades que vão além dos componentes curriculares de português e de literatura.
“Hoje a literatura de cordel faz parte da grade curricular de várias escolas do Brasil, e de forma interdisciplinar”, comenta o cordelista e curador da Associação. Como exemplo disso, ele cita o cordel “Senhor dos Anéis”, de Gonçalo Ferreira da Silva, que esteve presente em uma das últimas edições do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), na área de Ciências da Natureza.
“Hoje a literatura de cordel faz parte da grade curricular de várias escolas do Brasil, e de forma interdisciplinar”
Professor de física do colégio Dom Pedro, no Rio de Janeiro (RJ), Sandro Fernandes também adotou o uso do cordel em sala de aula, com a proposta de deixar a disciplina mais próxima dos estudantes do ensino médio. Ele teve acesso aos cordéis do acervo da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com a biografia de grandes cientistas, e conta que isso foi fundamental para entender as aproximações entre Arte e Ciência.
“Quando é para falar sobre o movimento dos planetas, por exemplo, eu procuro contextualizar usando um pouco da história e da física [presente] na literatura de cordel. Às vezes, quando a gente vai pro laboratório fazer um experimento, eu não faço a pergunta da maneira tradicional. Eu faço sempre uma brincadeira, e a pergunta vira um cordel, deixando a aula mais alegre e mais contextualizada no imaginário dos alunos”, explica.
Dicas de como trabalhar com o cordel na sala de aula
Para Gilson Franco, é importante reconhecer as contribuições do cordel para a exploração de diferentes aspectos da linguagem que não estão apenas atrelados à oralização. “Pela literatura de cordel, podemos abordar uma grande diversidade de temáticas, e ensinar os procedimentos de leitura e de escrita: a oralização (principalmente), a ampliação do repertório vocabular, a análise linguística e a semiótica. Enfim, os quatro eixos do ensino da língua”, explica.
A seguir, o professor traz algumas dicas para quem quer explorar o cordel na sala de aula:
- Investigue o que deseja que seus alunos aprendam;
- Dedique um tempo a estudar o gênero, sua estrutura e características gerais;
- Escolha autores e obras que dialoguem com a temática que quer abordar com seus estudantes;
- Organize uma sequência didática com o assunto que você gostaria de aprofundar ;
- Trabalhe com seus alunos a poesia popular, incluindo os recursos poéticos de expressividade (figuras de linguagem), a linguagem própria e figurada, a organização das estrofes, as rimas, a oração, a métrica etc;
- Apresente o gênero do cordel em sala de aula aos estudantes e escute-os com atenção;
- Crie uma sala temática para estimular as relações de pertencimento com o gênero. Você pode fazer isso, de forma simples, com um varal de cordéis;
- Na primeira aula, convide os alunos a andar pela sala. Peça para eles escolherem um livrinho de cordel e analisarem a imagem da capa, o desenho, o título e as cores;
- Faça perguntas sobre a capa do cordel, o nome desse tipo de arte, qual é a relação entre a capa e o título, quem é o autor, entre outras;
- Convide os alunos a lerem estrofes dos cordéis escolhidos;
- Faça perguntas sobre as leituras e estimule o compartilhamento com a turma;
- Depois do contato inicial com o cordel, amplie os procedimentos de leitura e de observação das principais características do gênero: estrofes, versos, rimas, oração, métrica etc;
- Dê continuidade à sequência didática, contemplando os próximos conteúdos de que os alunos devem se apropriar, de forma gradativa, respeitando os conhecimentos que eles já têm sobre o gênero e sobre o tema abordado.
Para saber mais
Livro – O Flautista Misterioso e os Ratos de Hamelin, de Braulio Tavares. Editora 34.
Livro – Heroínas Negras Brasileiras, de Jarid Arraes. Companhia das Letras.
Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC). Site: http://www.ablc.com.br/.
* Conteúdo produzido e editado pelo Porvir.
De: https://www.educacao.faber-castell.com.br/