Conrado Carlos
Editor de cultura
No prefácio escrito em 1956 para sua biografia de Pedro Velho, Câmara Cascudo diz que o pior critério é a comparação. Cem anos após o nascimento do líder político, primeiro governador do Estado com a República instalada, o grande intelectual desta esquina americana, dizia: “[...] cada um de nós dirige a visada num ângulo especial. Ou vê segundo as cores individuais da predileção”. Ele sustentava o descompasso da cordialidade e pacifismo do outrora comandante-em-jefe potiguar com a torarreia da politicagem que acompanhava. O contexto não eleva ou derruba mitos? Portanto, peço perdão ao maior folclorista brasileiro para dizer que nunca na história deste Estado houve tanto jovem nativo exitoso em âmbito nacional como empreendedor de cultura.
Em uma década, surgiu a companhia teatral Clowns de Shakespeare, com atores em produções vistas por milhões de pessoas, via Rede Globo – casos de Titina Medeiros e César Ferrario. O combo Do Sol, que tem lançado bandas de rock para shows em alguns dos principais festivais do país, como a ótima Far From Alaska (Planeta Terra e Lollapalooza), e internacional, vide Camarones Orquestra Guitarrística no espanhol Primavera Sounds e o Bop Hound, em dos maiores eventos norte-americanos de rockabilly. E o selo Jovens Escribas, responsável pela inserção do Rio Grande do Norte no sempre difícil meio literário brasileiro, com uma leva de bons autores locais mesclados com nomes promissores do ‘circuito alternativo’ – o natalense Daniel Liberalino, o paraibano Bráulio Tavares e o mineiro Sérgio Fantini são alguns exemplos. A partir da edição deste final de semana, vamos conversar com idealizadores das três empreitadas.
Para começar, o escritor, jornalista e publicitário Carlos Fialho, proprietário da “Euditora” Jovens Escribas – neologismo cunhado pelo próprio. Desde 2012, quando assumiu porcentagens de três sócios, ele começou um processo que culminou com o abandono de uma agência publicitária e a dedicação exclusiva ao mercado editorial. “Eu comprei a parte deles, mas foi numa boa. Porque quando você tem vários sócios, perde agilidade. Fui lá e paguei a um, depois de uns meses, paguei a outro”. Com ajuda da esposa, Fialho montou uma equipe enxuta e empolgada. “Cada livro a gente discute uma ideia legal, pensa na capa, aprova com o autor. ‘Ó, seu livro a gente vai fazer com uma foto, seu livro a gente vai fazer com uma ilustração’. Esse tipo de coisa”.
Em dez anos, a Jovens Escribas lançou 60 livros – de autores iniciantes, como Márcio Benjamin, e tarimbados, como Nei Leandro de Castro e Clotilde Tavares, cuja novidade é O Monstro das Sete Bocas, história infanto-juvenil a ser lançada na semana que vem, com informações futuras aqui n’O Jornal de Hoje. “Se você pegar uma amostragem de dez anos, dá seis livros por ano, o que não é tão impressionante assim. O que acontece é que, de 2011 em diante, a gente deu uma acelerada grande. Começamos a publicar quase um livro por mês”. A tiragem média é de 500 exemplares, a depender do número de páginas. No entanto, uma meta ousada foi estabelecida para este ano: prensar a mesma quantidade do que em toda sua história. Para tanto, escritores que pagam por seus livros devem predominar.
“A meta para 2015 é publicar 60 livros. Desde reimpressões de livros antigos à novidades. Mas da seguinte forma: desses 60, pelo menos uns 40 tem que ser por encomenda, pagos pelos autores, porque senão a conta não fecha. É caro o custo de gráfica, por mais que a gente consiga baratear com o volume que a gente tem mandado. Temos que pagar diretor de arte, revisor, contador, todo mundo”. O valor pago por um livro encomendado oscila entre R$ 5 mil e R$ 8 mil, na maior parte dos casos. Com direito a receber um produto bem acabado, com plano de divulgação que costuma chegar ao ouvido de quem consome cultura não só por estas bandas, mas em outras regiões. “Ainda não somos conhecidos pelo grande público, mas todo o circuito literário nacional já nos reconhece”.
A presença em cinco feiras literárias do Estado (Flipipa, Flipaut, Fliq, Feira do Livro de Mossoró e Festival Literário de Natal); a realização de um bazar mensal, em Ponta Negra; táticas agressivas de lançamento e vendagem, com pacotes de até dez livros por R$ 100,00; e assinar contrato com autores conhecidos, como o quadrinista carioca Chacal, deu nova dimensão ao selo Jovens Escribas, segundo Fialho – no segundo semestre, eles participação do 8º Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, em novembro, e da Comic Con Experience, em dezembro, em São Paulo. Acrescente-se a isso uma negociação adiantada com uma distribuidora nacional e o fechamento com uma assessoria paulistana.
“Isso tudo faz parte de uma estratégia mesmo. Já publicamos autores mineiros, cariocas, paraibanos, que quero publicar mais, pernambucanos e estou fechando com paulista e gaúcho. Quando eu tiver essa turma, é igual o War [clássico jogo de estratégia], você vai conquistando os territórios, aí eu fecho com uma assessoria, que eu já acertei, que é lá de São Paulo, podemos divulgar em São Paulo”. Levar escritores potiguares para eventos nas capitais paulista e mineira, como já foi feito aqui pelo Nordeste. “Botamos oito escritores numa van e fomos numa caravana para Recife e João Pessoa, para sair vendendo os livros”. Fialho complementa a renda com curadorias, mediações e assessorias em eventos locais (Sesi, Sesc, Prefeitura).
Geração 2000
Todos com idade entre 30 e 40 anos, os condutores desse movimento cultural que agita o som, as letras e a dramaturgia (sem falar na Casa da Ribeira) potiguares são amigos e surgiram na aurora da década que registrou índices positivos na economia. Com dinheiro no bolso, sobrou para além do remédio e do feijão. “Houve uma geração que surgiu e que começou a fazer as coisas. Gente que queria trabalhar com teatro, viver de música. E no caso da gente, queríamos publicar livros. Essa época houve esse desbunde [começo dos anos 2000], para usar uma expressão artística. E o pessoal que persistiu e se profissionalizou, está aí até hoje”.
Possibilidades direcionadas também aos rincões e arrabaldes. Foi em 2011 que a editora Jovens Escribas iniciou o Ação Leitura, iniciativa que aproxima a literatura de quem pouco tem contato com essa arte. “Esse projeto fez com que a gente começasse a ir muito a escolas públicas e IFRNs. Começamos a ter contato com um Brasil que está submerso, um Brasil desconhecido da região central de Natal, por exemplo. O pessoal do Plano Palumbo não sabe que existe esse Brasil. Jovens talentosos, leitores, que estão ali esperando uma oportunidade [para conversar com autores e adquirir livros]. Nos IFRNs isso é impressionante”.
Carlos Fialho planeja seu primeiro trabalho como quadrinista até o começo de 2016. Autor de livros de contos, ele também inclui no pacote criativo mais um volume no gênero de narrativas curtas que imortalizou Anton Tchekhov. As folgas na agenda da Jovens Escribas são preenchidas com a produção pessoal. De preferência em casa, longe das metrópoles do Sudeste, destinos escolhidos por muitos como única forma de vingar na profissão. “Não queremos sair de Natal. A nossa sede mundial, a gente brinca, é aqui. Queremos subverter a lógica, de ser uma editora de Natal publicando autores do Brasil todo. A partir daqui, divulgar no Brasil todo”.