sexta-feira, 20 de novembro de 2020

 Pelo dia da Consciência Negra no Brasil:

Se Guilherme de Almeida escreveu “Raça”, em 1925, uma obra “que tem como tema a gênese da nação e da formação múltipla da raça brasileira”, João Lins Caldas nascido no Rio Grande do Norte em 1888, ano da abolição da escravatura no Brasil), já teria produzido em 1921, noe Rio de Janeiro,,o poema patriótico e de exaltação ao Brasil intitulado “Negra”, A propósito, o poeta carioca Augusto Frederico Shimidt (1906-1965), , depõe que o refrenciado poema João Lins Caldas, “vale por toda Uma Raça, de Guilherme de Almeida”.
Eis o citado poema, para o nosso deleite:
O teu avô Costa d’África, filhinha,
Bárbaro, de uma ne negra irremediabilidade,
O teu avô, de tanga, acostumado ao Brasil.
Noites que despertou sob o chão do chicote!
O chão... tudo era um chão de látegos rangendo,
E ao longe o cafezal, a mata enorme se desbravando...
Hoje tem sangue turco em cada veia,
Um sangue português, a gemer gargalhada.
Um índio chegou, de solto, as tuas velas que se brilharam...
És muitos continentes, na verdade,
Quase negra, nos olhos,
Deixa ver-te os cabelos, enroscados,
Vamos, meu timbre louro,
Tu morrestes nas raças, diluída,
E nas raças do teu corpo eu que adoro a verdade.
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Clea Miriam


quinta-feira, 19 de novembro de 2020

POUCAS E BOA

Valério Mesquita

Mesquita.valerio@gmail.com

01) Era praxe em Assu construir-se nos quintais residenciais cacimbão para manutenção da casa. Certa vez, na residência de uma tia do saudoso deputado Arnóbio Abreu, aconteceu um fato no mínimo interessante, por má interpretação da nossa complicada língua portuguesa. Enquanto as senhoras conversavam amenidades nas calçadas, as criançasnbrincavam no extenso quintal. De repente, correram todos pela lateral do casarão e, um deles assustado gritou: “Mamãe! O “baldo” caiu dentro do cacimbão!”. Foi um Deus nos acuda. A mãe desmaiou; a avó entrou em estado de choque incontrolável, era grito pra todo o lado e, o remédio mais rápido chegando: álcool e alho para a desmaiada cheirar. Já se aglomerava uma pequena multidão, quando um curioso perguntou a uma das crianças: “Meu filho, como foi isso?”. O pequeno respondeu: “Nós fomos “puxar” água, a corda partiu-se e o “baldo” caiu lá no fundo...”. Estava explicada a situação. “Quem caiu no fundo do poço” foi O BALDE e não UBALDO, neto da velha.

02) Francisco Dantas ou Chico da prefeitura, como era conhecido em Mossoró, ingressou no folclore político local por haver se elegido “vereador” sem concorrer a eleição. Passava o tempo todo na calçada da Câmara Municipal varrendo aqui e acolá, convidando os amigos para conhecer o seu “gabinete”. Após longos meses de “legislatura” foi flagrado pelo presidente da Casa com três amigos ao redor do seu birô, ligando para o ramal da copa: “Dona Raimunda? (a copeira), por favor, traga aqui três “cafezes” para o meu gabinete por “obeseque””. Ali mesmo, perdeu o “mandato”.

03) Muitas são as atribuições enfrentadas pelo presidente da Fundação José Augusto. Pedidos de emprego eram rotinas que desafiavam a capacidade do escritor François Silvestre. Certa vez, foi procurado por um pai extremado que defendia com ardor um cargo comissionado para a sua filha. “Dr. François, a minha filha fala corretamente quatro idiomas. Onde o senhor pode colocá-la?”. Sem se perturbar, com a mão esquerda segurando a cabeça, silencioso, François, suspirou: “Só se for na Torre de Babel”.

04) Salatiel Rebouças, de São Gonçalo, falecido em 2005, dizia sempre aos amigos: “Se minha mulher me trair, eu matarei o cretino!”. “Que é isso, Salatiel”, ponderou um amigo, “não estrague sua vida. Se isso acontecer você deixa a mulher e arranja outra...”. “Não, colega”, retrucou Salatiel. “Minha mulher tem cento e trinta quilos, pernas de elefante, os peitos encostam no umbigo. Porque se isso acontecer a intenção de qualquer pé-de-lã com minha mulher é só para me desconsiderar. Amor e tesão com esse ‘troço’ é impossível!”. 

 CELSO DA SILVEIRA – Faz parte de minhas memórias infantis. Era meu parente. Muito amigo de meu avô (materno) Boanerges Soares e seu parceiro de copo. Lembro-me de Celso, na Praça Kennedy, eu o via à noite. Quando minha mãe e eu saíamos de seu consultório, à época na Cidade Alta, sempre éramos saudados por seu afável sorriso. Eu debochava de sua “característica” barriga – eu tinha sete anos. Ele habitualmente cercado de seus amigos. Várias vezes eu ia visitar um primo, que mora (ainda hoje) na Avenida Alexandrino de Alencar, e via Celso, em sua cadeira de balanço, na calçada de sua casa. Quando comecei a comprar ferrenhamente livros de autores do RN, para compor minha biblioteca, perseguia a aquisição de “26 Poemas do Menino Grande” – Um livro especial, atacado pela crítica e "acalantado" por Othoniel Menezes – Li um belo artigo de Othoniel de quando o livro foi lançado – Que defendia a liberdade de expressão poética do autor. Foi emocionante, o dia que comprei este livro, não por sua raridade, e nem por ter em minha biblioteca mais um livro para compô-la, mas pela afetividade, que o autor me despertava. E ainda me desperta. Mais um livro da Tipografia Villar – de Moysés Villar [Wandyr Villar].

A imagem pode conter: texto que diz "Celso da SILVEIRA 26 Poemas do Menino Grande 1952 NATAL"
Você, Uruguaina Freire De Morais, Raquel Costa e outras 22 pessoas
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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

 Não te quero senão porque te quero

e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.
Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.
Consumirá talvez a luz de Janeiro,
o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.
Nesta história apenas eu morro
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

Pablo Neruda
A imagem pode conter: 1 pessoa, em pé, casamento e atividades ao ar livre
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 POUCAS E BOAS

Valério Mesquita
Mesquita.valerio@gmail.com
01) Mossoró foi a Pasárgada do prefeito Dix-Huit Rosado. Seu encanto, fascínio e sedução. Nessa época, ele era o seu alcaide o domador da fúria das águas do rio Mossoró que, nas invernadas, inundavam parte da cidadela. Implementado o seu projeto de dicotomia do rio Mossoró, julgou superado o problema das enchentes definitivamente. Mas, como era do seu espírito indômito, na época do inverno, permanecia vigilante, caminhando altaneiro pelas margens, buscando notícias de chuvas caídas na região da tromba do elefante. Numa tarde, João de Malaquias, vigia dos depósitos das lojas Checernay que ficavam próximos ao rio Mossoró e pastorador primeiro dos anúncios de enchentes, foi assim interrogado pelo prefeito Dix-Huit: “Alguma notícia, João, de águas provindas do município de Pau dos Ferros?”. Na sua sapiente humildade, João de Malaquias foi profundo: “Não dá pra saber Dr. Dix-Huit, porque as águas estão chegando misturadas...”
02) Presença do governo em Mossoró. Os eventos políticos e administrativos entraram noite adentro. Após reuniões e inspeções, o coronel Gadelha, comandante geral da PM, resolveu procurar com o ajudante uma farmácia na cidade para curar uma forte dor de cabeça. Após uma certa procura, divisou ao longe um letreiro: “Farmácia Dia e Noite”. Sentiu um alívio prévio e ordenou ao motorista para se aproximar. Para a sua surpresa estava fechada. Pensou que fosse engano, pois afinal, era 01:30 da madrugada e resolveu bater a porta. De dentro da farmácia ninguém saiu mas um vizinho ao lado, acordado pelas pancadas, assomou à janela para dizer: “Ela só abre de dia ou de noite e agora já é madrugada”. Gadelha agradeceu e sumiu sem entender bulhufas do fuso horário nem dos costumes do país de Mossoró.
03) Luiz de Oliveira, do Assu, foi um bem-sucedido comerciante. Seu estabelecimento de secos e molhados vendia em grosso e a varejo. Parte do seu sucesso era devido à avareza. Não dava um “pão a um doido”, diziam na cidade. Na semana santa, observando a paisagem da calçada do comércio avistou o pai e o sogro que certamente viriam pegar algum auxilio, pois eram pobres. De repente, Luiz chamou a esposa: “Joaninha, lá vem teu pai e o meu. Encha aí as sacolas deles com alguma coisa, que eu vou sair por aí. Eu não posso assistir dar o que é meu”.
04) Nos anos 1960, a feira livre do Assu era mais desenvolvida e frequentada por feirantes de Angicos, Afonso Bezerra, Augusto Severo e vizinhanças. O misto de Petronilo, um Chevrolet gigante, rodava lotado, cobrindo o mato de poeira, mas à tarde estava de volta. Os feirantes soltavam pilhérias com quem cruzava. O velho Neo Pinto, morador do sítio Quixabeirinha, todas as tardes tirava uma soneca no alpendre à beira da estrada. Murilo Caiana, um passageiro presepeiro, gritava sempre: “Tá descansando, heim, corno véio?”. O riso era geral e a viagem prosseguia. Um dia, o caminhão furou um pneu a poucos mais de quinhentos metros da casa de Neo Pinto. O grito de “corno véio” ainda ecoava no ar. Neo Pinto levantou da rede, apanhou uma espingarda calibre 36 e aproximando-se do caminhão cumprimentou: “Boa tarde, pessoal!”. Responderam uníssonos: “Boa tarde!”. O velho interrogou: “Eu queria saber quem é o f.d.p. que grita toda vez: ‘Tá descansando corno veio?’. Todo sábado eu escuto isso!”. E engatilhando a arma: “Fala gente! Quem grita isso?”. Ninguém falou. “Vamos bando de cornos!”, gritou Neo, já irado. “Não tem homem, não?”. Todos olharam para Murilo Caiana, cobrando uma atitude. O engraçado, amarelo de medo, tentou remendar: “Meu patrão, quem falou foi eu... Porém, o senhor entendeu errado. Eu digo assim: Tá descansando, heim, corpo véio?”. E ainda, meio tremulo, concluiu: “O senhor desculpe. Daqui pra frente, não digo mais nada”. A merda descia no mocotó...

terça-feira, 17 de novembro de 2020

 Adriano Medeiros Fatos e fotos de Natal Antiga

LUÍS DA CÂMARA CASCUDO, POR ELE MESMO
Câmara Cascudo
Nasci na rua das Virgens e o padre João Maria batizou-me no Bom Jesus das Dores, Campina da Ribeira, capela sem torre mas o sino tocava as Trindades ao anoitecer. Criei-me olhando o Potengi, o Monte, os mangues da Aldeia Velha onde vivera, menino como eu, Felipe Camarão. Havia corujas de papel no céu da tarde e passarinhos nas árvores adultas (...). Natal de 96 lampeões de querosene. Santos Reis da Limpa em janeiro. Santa Cruz da Bica em maio. Senhora d’Apresentação em novembro. Farinha de castanha e carrossel. Xarias e Canguleiros. (...). Tinha 13 anos quando veio a luz elétrica. Festas no Tirol. Violão de Heronides França. Livros. Cursos. Viagens. Sertão de Pedra e Europa.
Nunca pensei em deixar a minha terra.
Queria saber a história de todas as cousas do campo e da cidade. Convivência dos humildes, sábios, analfabetos, sabedores dos segredos do Mar das Estrelas, dos morros silenciosos. Assombrações. Mistérios. Jamais abandonei o caminho que leva ao encantamento do passado. Pesquisas. Indagações. Confidências que hoje não têm preço. Percepção medular da contemporaneidade.
Nossa casa hospedou a Família Imperial e Fabião das Queimadas, cantador que fora escravo. (...) Filho único de chefe político, ninguém acreditava no meu desinteresse eleitoral. Impossível para mim dividir conterrâneos em cores, gestos de dedos, quando a terra é uma unidade com sua gente. (...) Dois homens quiseram fixar-me fora de Natal: Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e Agamenon Magalhães, no Recife. Jamais os esquecerei porque nada pedira. Alguém deveria ficar estudando o material economicamente inútil. Poder informar dos fatos distantes na hora sugestiva da necessidade.
Fiquei com essa missão.
Andei e li o possível no espaço e no tempo. Lembro conversas com os velhos que sabiam iluminar a saudade. Não há recanto sem evocar-me um episódio, um acontecimento, o perfume duma velhice. Tudo tem uma história digna de ressurreição e de uma simpatia. Velhas árvores e velhos nomes, imortais na memória.
Em 1946 fiz parte de uma comissão enviada pelo Ministério das Relações Exteriores ao Uruguai. Éramos três: Aluísio de Castro, Angione Costa e eu, único sobrevivente. Voltando, contou-me Aluísio de Castro que Afrânio Peixoto (escritor baiano), sabendo da expedição cultural, dissera num leve riso: "E ele deixou o Rio Grande do Norte? Câmara Cascudo é um provinciano incurável!".
Encontrara meu título justo, real e legítimo.
Provinciano incurável! Nada mais.



E a experiência?  A experiência se consegue a proporção que os dias se passam! (Fernando Caldas).