quarta-feira, 12 de junho de 2024

Dix-huit, o revolucionário de 30 – Por Júlio Rosado

 

Dix-Huit, você sempre foi um bravo.
Desde as barrancas do rio São Francisco, nos idos de 1930, quando soldado revolucionário, enfrentava sob o comando de Agildo Barata, os jagunços de Horácio de Matos.
Guerreiro de mais alta estatura, cavando a picareta o seu próprio abrigo, era o último a repousar, dentre os da falange rebelde
.” Vingt-Un Rosado

O ano era 1930, o mês era outubro

O país mal havia saído do regime monárquico e ensaiava os primeiros passos de uma República. As estruturas antigas ainda não estavam totalmente superadas e o novo não se implantara de todo e por igual no território. Entre tantas outras contradições, persistia a existir as mazelas do coronelismo (com seus derivativos patrimonialismo, mandonismo e clientelismo).

Café com leite e a quebra da bolsa

Famílias tradicionais se mantinham no poder oligárquico regional e, a nível nacional, perdurava a política do ‘café com leite’, acomodando as elites de São Paulo e Minas Gerais no comando do poder central. Todos se ressentiam dos efeitos da quebra da bolsa de Nova York – EUA, que afetaria os bancos e a economia mundial, provocando a crise de 1929. O Brasil, dependente das comodities agrícolas, via se acumularem os prejuízos dos produtores cafeeiros e a grande depressão da América do Norte afetar a vida de nossos trabalhadores.

Um presidente estradeiro

Washington Luís, paulista eleito Presidente da República em 1926, lembrado pela frase ‘governar é abrir estradas’, rompeu o acordo tácito que deveria indicar, a sua sucessão, um político vinculado ao Estado de Minas Gerais. O ‘estradeiro’ resolvera designar Júlio Prestes como seu candidato presidencial, tendo Vital Soares, do Estado da Bahia, como vice.

A Aliança Liberal

Os humores nacionais já não eram mais os mesmos. Os governantes dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba negam apoio ao candidato Júlio Prestes, da situação, e encontram no gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (que fora Ministro da Fazenda de Washington Luís) o perfil ideal para formar uma chapa de oposição ao governo, contando com o paraibano João Pessoa como seu vice. Respaldado por setores de oposição de outros Estados e do movimento tenentista, estava formada a Aliança liberal.

A vitória de Júlio Prestes

Mesmo com reações, a candidatura de Júlio Prestes sagrou-se vitoriosa nas eleições de 1º de março, com apurações concluídas em 21 de maio de 1930. Somando-se ao governo central, dezessete governantes estaduais mobilizaram toda a estrutura de seus governos para garantir a eleição de Júlio Prestes.

O acaso na política

Os vencidos mal haviam digerido a derrota eleitoral quando, em 26 de julho, o acaso acende o estopim da Revolução de 30: em uma confeitaria de Recife, o paraibano João Pessoa, que fora candidato a vice de Getúlio, é assassinado por João Dantas, um adversário político regional ressentido e com motivações pessoais.
Este era um fato novo. Não demoraria a surgir a ideia de que o assassinato de João Pessoa fora encomendado. Os próximos dias apenas serviriam para dar o tempo de fermentar as conspirações até que, em 3 de outubro, estoura a Revolução que impediria a posse de Júlio Prestes e levaria Getúlio Vargas ao poder.

O nordeste descrito nos romances

O nordeste brasileiro que, no período monárquico, criou riquezas com o plantio de cana de açúcar, assistia as mudanças no cenário nacional como participante ativo. Ainda que pouco perceptível, formava-se um novo extrato social composto por profissionais de diversas áreas de ocupação e intelectuais.
Como fosse o enredo de um livro de Jorge Amado, surgia uma elite social mais próxima do povo, com interesses que não dependia dos latifúndios e que estava representada em variados setores profissionais: médicos, farmacêuticos e jornalistas, entre outros.
Este cenário urbano nos leva a lembrar da personagem fictícia de Mundinho Falcão, exportador que chega à região de Ilhéus com a mentalidade aberta para as mudanças que viriam com o novo momento e se vê a enfrentar os coronéis cacaueiros que baseiam seu poder e autoridade na propriedade de terras, reagindo a qualquer possibilidade de progresso.
Após submeter os coronéis, Mundinho Falcão, inevitavelmente, iria galgar economicamente e se projetar politicamente. Este cenário retratado na obra ‘Gabriela, cravo e canela’ sintetiza o Brasil daquela época.

Mossoró é de vanguarda

Mossoró sempre teve o perfil de uma sociedade pioneira, rebelde, que não se verga. Aqui, Ana Floriano desafiou o império com o seu motim, pessoas escravizadas foram libertas anos antes da abolição proclamada pela Princesa Regente e os que se evadiam de outras regiões para cá acorriam em busca de abrigo, a terra de Santa luzia enfrentou os cangaceiros de Virgulino Ferreira e, também, registrou o primeiro voto feminino em uma eleição.
O chão de Mossoró era um centro comercial regional. Atraia comerciantes e industriais, nacionais e estrangeiros, assim como profissionais liberais e produtores. A tudo isso, soma-se a formação de uma elite intelectual comprometida em pensar e construir um mundo onde todos possam usufruir dos benefícios gerados pela coletividade.

A formação universitária

De acordo com a estrutura da época, os estudantes locais que pretendessem concluir formação em um curso superior teriam que se deslocar para as capitais do nordeste. Se o curso desejado fosse medicina, o indicado seria ir para Recife ou Salvador.
Conforme Genário Freire de Medeiros diz, em sua saudação a Dix-Huit Rosado, durante solenidade da Loja Maçônica 24 de junho, este fora incentivado pelo irmão, Tércio Rosado (provavelmente por já estar estabelecido e conhecer a capital pernambucana e suas nuances), a prestar exame vestibular para o curso de medicina em Recife.

A decisão de se alistar

Sob as atenções de Tércio Rosado, Dix-Huit prosseguia os estudos até o momento em que os instintos de rebeldia da juventude são instigados. Com os rumores de revolução e as convicções de que deveria se somar ao Comando de Juarez Távora, na Paraíba, sob ordens imediatas de Agildo Barata, Dix-Huit Rosado deixa a seguinte mensagem para o irmão mais velho:

Tércio,
Me alistei na coluna revolucionária, talvez siga para Alagoas, não lhe disse porque você poderia não querer que eu fosse.
Adeus,
Dix-Huit.
Recife, 8 de outubro de 1930
,”

Um bilhete que, apesar de conter poucas palavras, traz um discurso dos mais eloquentes. Note-se que, ao se despedir do irmão, Dix-Huit não faz referência a seu esperado retorno, mas concentra suas emoções no lacônico ‘Adeus’ ao fim da mensagem, externando o compromisso com a causa, ciente dos riscos que correria e suas possíveis consequências.

Sangue do Nordeste

A Tércio, vinte anos mais velho, coube informar a seus pais, Jeronymo e Isaura, a decisão do jovem revolucionário. Porém não ficaria estático. Tércio Rosado pregava na imprensa e nas instituições reforçando o apoio aos ideais revolucionários. E, em ação prática, ainda se ofereceu para atuar, na condição de farmacêutico e professor da faculdade de medicina de Recife para atuar no Hospital Militar, tendo recebido da 7ª Região Militar a recomendação de aguardar oportunidade.
Tércio alimentava a imprensa com artigos e notícias em geral. Contudo, foi uma mensagem de Isaura Rosado, sua mãe, reproduzida nas páginas de vários periódicos, em especial no Diário de Pernambuco de 14 de outubro de 1930, demonstrando a determinação de uma mulher forte e mãe confiante que seria a maior expressão de apoio ao movimento:

SANGUE DO NORDESTE
O professor Tércio Rosado, recebeu de sua respeitável progenitora d. Isaura Rosado, residente em Mossoró, o seguinte telegrama em resposta ao em que lhe communicara haver partido para o sul como soldado seu irmão Jeronymo Dix-huit Rosado, acadêmico de medicina:
‘MOSSORÓ, 13 – Com enthusiasmo, abençôo o meu filho na marcha feliz da redempção. Meus filhos são para o Brasil. (a) Isaura Rosado’
.”

Em 24 de outubro de 1930, Washington Luís foi deposto e, em 3 de novembro, Getúlio Vargas assumiu o governo federal.
O jovem Dix-Huit retorna, vitorioso, para concluir o curso de medicina (o que ocorreria na Bahia, em 1935) e, com o passar do tempo, inscrever seu nome, com honradez, na história da política e da administração pública nacional.

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