quinta-feira, 30 de junho de 2016

CHAPÉU DE COURO NORDESTINO – INDENTIDADE DE UMA REGIÃO

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AS FOTOS QUE ILUSTRAM ESTE TEXTO SÃO DE ORGULHOSOS NORDESTINOS QUE CONHECI EM VÁRIOS LOCAIS DA NOSSA REGIÃO, JUNTO COM OUTROS AMIGOS, NOS ÚLTIMOS SEIS ANOS. SÃO PESSOAS QUE NÃO SE ENVERGONHAM DE USAR O CHAPÉU DE COURO – Fazenda Colônia – Carnaíba – Pernambuco – Foto – Solón Almeida Netto – 2008.
Autor – Rostand Medeiros
Este é um artefato que funciona como verdadeiro distintivo do Nordeste e do nordestino. Creio que talvez não existe um material com um aspecto tão forte em termos de identidade, tão representativo do nosso sertão do que o belo e tradicional chapéu de couro.
Um Material Com Fins Práticos 
A pecuária, a criação de gado no interior da atual Região do Nordeste do Brasil foi o primeiro grande fator de geração de renda e permanência do homem nesta região árida. Da atividade de criar o gado se obtinha a carne para alimentação, o leite e em seguida o couro, que era utilizado de diversas maneiras nas propriedades rurais. Em algumas fazendas se desenvolveram rústicos curtumes, que serviram para transformar o couro em mais um meio de geração de renda. Certamente foi nestes locais que se iniciou a tradição da manufatura dos chapéus de couro.
Este tradicional artefato nordestino inicialmente serviu basicamente para fins práticos, principalmente como parte da indumentária de proteção dos vaqueiros.
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Jeremoabo – Bahia – Foto – Rostand Medeiros – 2012
Além de primariamente servirem para proteger a cabeça dos sertanejos do inclemente sol e das chuvas temporárias, igualmente era utilizado para proteger seus usuários das ervas espinhosas da vegetação de caatinga, juntamente com o gibão e a perneira.
Mas apesar da designação comum, os chapéus de couro não possuíam um formato único. Variavam imensamente conforme a localidade do vaqueiro, servindo até mesmo como um identificador de sua proveniência.
Muitos acreditam que o tradicional chapéu de couro nordestino foi criado pelos cangaceiros. Mas isso não é verdade!
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Distrito de Nazaré, município de Floresta – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2016
Entretanto devemos a estes bandoleiros das caatingas a transformação deste material em uma peça característica extremamente marcante na história deste movimento. Os cangaceiros faziam questão de colocar várias moedas (talvez para mostrar o apurado dos saques?), santinhos, cruzes, estrelas e outros símbolos, criando peças únicas em termos de estética e simbologia.
Fabricação Nada Fácil
Fabricar os tradicionais chapéus de couro nordestinos não é nada fácil. Primeiramente o couro do animal é levado para o curtimento vegetal. Lá ele é tratado, onde pode permanecer cru, com ou sem pelo, ser tingido, ou não.
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Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Na segunda parte do processo o couro é cortado, dependendo das medidas determinadas, sendo tudo geralmente produzido à mão por jovens artesões. 
Depois do corte o couro é molhado para ficar mais elástico e assim ser colocado em moldes. É lá que eles ganham forma e vão para a secagem. Esse processo depende da temperatura ambiente e pode durar de duas horas ou mais. Como chove pouco no sertão nordestino, isso não é um grande problema.
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Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2014
Em seguida o chapéu ganha a aba que vai proteger o rosto do vaqueiro. As oficinas fazem o tamanho das abas de acordo com o gosto do comprador, mas na Paraíba elas se caracterizam por serem curtas, já em algumas regiões da Bahia ela costuma ser maior.
A última etapa é a costura. Primeiro o material vai para a máquina de costura reta receber o acabamento. Mas os desenhos e aplicações ficam por conta da máquina manual, que apesar de ser mais trabalhosa é quem vai dar riqueza de detalhes ao chapéu de couro.
Todo esse trabalho, realizado por abnegados artesões, no meu entendimento o que mais valoriza este rico material.
Identidade Cultural
No meu entendimento foi a partir do sucesso de Luís Gonzaga no Sudeste, que utilizava vários modelos de chapéu de couro em suas apresentações, como marca de sua origem nordestina, estes acessórios passaram gradativamente a ser utilizado como símbolo da vida sertaneja e do homem nordestino. Alem do Velho Lua, estas verdadeiras coroas nordestinas foram, e ainda são, utilizadas por gente do nível de Dominguinhos, Santana e tantos outros verdadeiros cantadores nordestinos.
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Vaqueiro depois de retornar da caatinga – Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Entretanto, artistas que atualmente se dizem “forrozeiros”, que infelizmente são oriundos do próprio Nordeste, não utilizam mais em suas apresentações estes artefatos característicos.
Que eles não queiram usar estes símbolos nos grandes palcos é problema deles. Até aí tudo bem, gosto não se discute!
Mas o que se lamenta aqui é esse pessoal, travestidos de “modernos”, menosprezarem não apenas o velho e autêntico chapéu de couro, mas toda uma secular e tradicional cultura criada na região.
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Fazenda Barreiras, região da Serra Grande – Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2013
No meu entendimento o pior é que estes “artistas”, junto com a sua perniciosa e maciça “indústria cultural”, tentam de todas as formas mostrar a cultura tradicional nordestina como algo decadente, ultrapassada, sem serventia e em desuso. Estes seguem propagando músicas de extremo mau gosto, baixo nível e cantadas por gente que no máximo deveria utilizar suas vozes para vender jerimum na feira (com todo respeito aos feirantes).
A coisa é tão forte e o jogo é tão sujo que cheguei a ponto de perceber que aqueles que decidem utilizar um chapéu de couro em algumas regiões do próprio sertão nordestino são vistos de forma jocosa e com um olhar que fica entre o espanto e o mais completo escárnio. Interessante que há tempos atrás eu percebia isso apenas nas capitais.
Apesar desta questão, o bom e velho chapéu de couro está firme e forte na cabeça daqueles nordestinos que valorizam a cultura tradicional de sua terra. Até mesmo como símbolo de resistência cultural.
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Loja em Caruaru – Pernambuco – – Foto – Rostand Medeiros – 2016
E a melhor notícia é que a produção destes belos artefatos está tendo continuidade.
Resistência e Continuidade
Certamente que a maioria destes “artistas” não possuem capacidade mental de perceberem a beleza da arte que está por trás das tradicionais vestimentas e acessórios dos nossos vaqueiros. Verdadeiras obras de arte produzidas com maestria, por quem abraça um artesanato digno de exportação.
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Barro – Ceará – Foto – Rostand Medeiros – 2015
Não posso negar que em toda a região não são muitos os artesões envolvidos no processo de fabrico do tradicional chapéu de couro. Mas, para a sorte dos que valorizam a autêntica cultura nordestina, temos verdadeiros Mestres produzindo e ensinando a sua arte aos seus filhos e netos pelo Nordeste afora.
Este é o caso dos descendentes de Antônia Maria de Jesus, a conhecida “Totonha Marçal”, que continuam a manter a tradição no trabalho com chapéus de couro no Distrito da Ribeira, no município de Cabaceiras, Paraíba. Inclusive este município do Cariri Paraibano, situado a 180 Km de João Pessoa, capital da Paraíba, é atualmente o maior produtor de chapéus de couro do Brasil.
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Fino trabalho de Mestre Aprígio, de Ouricuri, Pernambuco, fotografado na Loja do Vaqueiro, em Caruaru – PE – Foto – Sérgio Azol – 2016.
Temos em Salgueiro, Pernambuco, mais precisamente na Fazenda Cacimbinhas (a 14 quilômetros do centro da cidade), o exemplo de uma família que há um século perpetua o ofício de transformar pedaços de couro em peças artesanais que conquistaram personalidades do mundo artístico e da política brasileira. Tudo começou em 1909 com Mestre Luiz, depois passou o oficio para seu filho, o conhecido Zé do Mestre. Este chegou a fabricar vestimentas (só gibões) para o amigo Luiz Gonzaga, o ex-presidente Médici, o rei Juan Carlos da Espanha e até para o Papa João Paulo II, em sua última visita ao Brasil. Atualmente a arte está preservada e nas mãos de seu filho Irineu Batista, mais conhecido como Irineu do Mestre.
Já em Ouricuri, também em Pernambuco, temos o Mestre Aprígio e o seu filho Romildo, que trabalham juntos mantendo a tradição. Mestre Aprígio tem orgulho em exibir pelas paredes de sua oficina, que outro denominam acertadamente de ateliê, as fotos que contam a história do artesão que começou a trabalhar aos 24 anos de idade. Já são mais de 50 anos de profissão e criatividade produzindo chapéus de couro, gibões e bolsas personalizados.
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Governador Diz Sept Rosado – RN – Foto – Rostand Medeiros – 2010
Evidentemente que não posso esquecer de Espedito Velozo de Carvalho, o Mestre Espedito Seleiro, de Nova Olinda, no Ceará. Ele tinha oito anos de idade quando começou a ajudar o pai em sua oficina. As histórias que ouvia quando criança eram célebres: foi o pai quem criou as sandálias do cangaceiro Lampião. Com o passar dos anos Mestre Espedito só cresceu na qualidade do seu trabalho, chamando a atenção de estilistas do Sudeste do país e foi ele que assinou as peças que o ator Marcos Palmeira usou no filme “O Homem que Desafiou o Diabo”, de 2007.
Eu acho muito bonito quem, mesmo que se abra para outras culturas, tem orgulho de sua terra e de sua identidade cultural. Para mim, junto com a bondade ao próximo e a humildade, é o tipo de situação que torna um outro ser humano verdadeiramente digno de respeito.
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Renovação, Fazenda Barreiras – Serra Talhada – Pernambuco – Foto – Rostand Medeiros – 2014
Sendo assim, não posso negar que fico muito feliz quando vejo alguém utilizar o bom e velho chapéu de couro nordestino. Quando eu encontro uma pessoa utilizando este tipo de material, penso que a cultura da minha terra ainda resiste em meio a um mar de muita mediocridade.
Eu também tenho os meus chapéus de couro (3) e tenho muito orgulho de utilizá-los, pois tenho a sorte de ser nordestino e amar minha região.
 
FONTES………………………………………………………………………………………………. 
INTERNET
LIVROS
FREYRE, G. Vida Social no Brasil nos Meados do Século XIX. Recife: Artenova, 1977.
PERICÁS, L. B. Os cangaceiros: ensaio de interpretação histórica. São Paulo: Boitempo, 2010.
VIANNA, L. C. R. Bezerra da Silva, produto do morro: trajetória e obra de um sambista que não é santo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

Casa sustentável brasileira é 25% mais barata e fica pronta em 6 dias



Uma casa sustentável definida como ”padrão europeu” chamou a atenção dos moradores de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. A construção foi feita em apenas seis dias e, melhor ainda, com 25% de economia em comparação a uma casa comum.

+ Como é a primeira casa sustentável brasileira?

O projeto da casa sustentável é feito pelo espanhol Eugen Fudulu e pelo brasileiro Kleber Karru em parceria com o laboratório europeu Open MS. A construção é toda baseada na nanotecnologia, sem desperdiçar qualquer tipo de material e com apenas 4 funcionários para erguê-la em menos de uma semana – a partir do alicerce já pronto, num modelo similar ao feito nos edifícios.
Segundo os responsáveis, as paredes possuem isolamento térmico e acústico, com espuma e fios de vidro por dentro e por fora, mantendo uma temperatura agradável dentro da casa tanto no frio quanto no calor. O material é resistente a fogo, água e cupim (isso mesmo!); já a estrutura pode ter acabamento de acordo com a preferência do morador: azulejo, látex, textura ou grafiato.
Com foco no aproveitamento de água, ar e energia, a construção ainda tem um purificador instalado que é capaz de filtrar a água antes que ela chegue na torneira da residência, além de estrutura para teto solar e aparelho de ar, que retira todas as bactérias do ambiente. Incrível, não é?
E não para por aí! O mais surpreendente, além da estrutura de primeiro mundo, economia (cerca de 25%) e do tempo, é que a casa sustentável ainda pode resistir a tremores de 9 graus na escala Richter e a ventos de até 300 km/h.

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Agora, o desafio dos desenvolvedores é firmar uma parceria com o Governo Estadual para que o projeto chegue às áreas pouco favorecidas e à população de baixa renda. Além de resolver um problema de moradia, ainda geraria empregos, pois quanto mais funcionários, mais rápido será a construção.
“Isso poderia acontecer pois o número de pessoas trabalhando aumentaria. Com equipes de trabalho, divididas por funções, fazemos uma casa por dia. Neste caso, uma equipe faria o radier (alicerce), outra montaria a estrutura e outra seria responsáveis pelo revestimento e acabamento final”, disse Kleber Karru ao portal Correio do Estado.
Se você mora em Campo Grande e está curioso para conhecer a casa sustentável, ela está localizada no bairro São Lourenço, na Rua Vista Alegre, esquina com a Inácio de Souza. Vale a pena conferir! Para quem não está perto, só resta as fotos desse projeto maravilhoso!
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Referência: Correio do Estado
Fotos: Valdenir Rezende / CE
De: http://blogdaarquitetura.com/

terça-feira, 28 de junho de 2016

Temer recebe Cunha para discutir 'quadro político'

Estadão Conteúdo

De Brasília

Réu em dois processos na Operação Lava Jato, com um pedido de prisão ainda para ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e lutando para salvar o seu mandato, o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi recebido neste domingo (26) pelo presidente em exercício, Michel Temer.
Segundo interlocutores de Temer, que confirmaram o encontro, o presidente em exercício abriu as portas do Palácio do Jaburu para os dois fazerem "uma avaliação do quadro político atual". A reunião, segundo fontes ligadas a Temer, teria sido uma iniciativa de Cunha, que telefonou para o presidente em exercício pedindo a conversa reservada.
Procurado, Cunha negou o encontro. "Não estive com ele ontem. Eu não confirmo." Apesar da negativa, o presidente afastado da Câmara disse que "era normal" o encontro e que o fazia "com regularidade".
Além das implicações de Cunha na Lava Jato e suas possíveis consequências para o governo Temer, o Planalto também se preocupa com a sucessão na presidência da Câmara dos Deputados. O governo teme que um racha entre os aliados para a disputa prejudique a governabilidade na Casa e atrapalhe votações de seu interesse. Nos dois casos, entretanto, até agora o esforço de Temer era adotar um discurso de que o assunto é do Legislativo e não pode sofrer interferência do Executivo.
Interesse
O governo, porém, tem todo o interesse que o escolhido seja alinhado com o Planalto, para facilitar o andamento das propostas, embora tanto a Câmara quanto o Senado tenham aprovado todos os projetos até agora.
Em entrevista na sexta-feira passada, Temer disse que Cunha não o atrapalhava em "absolutamente nada" e que era "claro" que os dois conversavam. "Aqui no Brasil há esse preconceito. Acha que não se pode falar com ninguém", disse o presidente em exercício.
Temer e Cunha já se encontraram pelo menos três vezes desde que ele assumiu a Presidência interinamente, no dia 12 de maio. No encontro mais recente, a sucessão na Câmara entrou na pauta. Temer tem pressa em uma solução na Casa, embora, oficialmente, o discurso seja de distanciamento.
 Surpresa
O presidente em exercício se surpreendeu com o número de candidatos à presidência da Câmara. Cunha está afastado do mandato como deputado e consequentemente da presidência da Câmara desde o início de maio.
Apesar de trabalhar para evitar a cassação de seu mandato e até mesmo se manter à frente do comando dos trabalhos dos deputados, diante da iminência crescente de sua saída definitiva, Cunha tem trabalhado intensamente para influenciar diretamente na escolha de seu sucessor na função.
 Caso o peemedebista saia do cargo, pela legislação, uma nova eleição precisará ser convocada para um "mandato tampão", até que, em fevereiro do ano que vem, um novo deputado seja eleito para um novo mandato de dois anos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


Brinde ao Amor
Por Paulo Sérgio de Sá Leitão, poeta assuense

Beberemos toda a noite,
Brindaremos os dias felizes,
Amaldiçoaremos os infelizes,
Enterraremos as lembranças,
Na putrefação das ilusórias esperanças
De um amor cadáver,
Sublimadas pelo desejo natural
Do que possa ter sido pecado original.


segunda-feira, 27 de junho de 2016

1876 – QUANDO UMA DESESPERADA MENSAGEM CHEGOU DENTRO DE UMA GARRAFA NA PRAIA DE MURIÚ


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Típica garrafa inglesa do final do século XIX com uma mensagem.

Autor – Rostand Medeiros
Em um tempo quando o mar não trazia tanto lixo para a terra e um vasilhame de vidro usado tinha certo valor comercial, a beira mar da bela praia potiguar de Muriú alguém encontrou uma garrafa que continha uma mensagem com um conteúdo diferente[1].
É quase certo que quem a encontrou, em fins de novembro de 1876, não tinha a menor ideia do que ali estava escrito, já que nessa época grande parte dos norte-rio-grandenses era analfabeta.
É provável, como seria normal deduzir, que a pessoa que realizou este achado fosse um pescador, mas talvez não! Apesar da comunidade de Muriú já existir[2], a beira mar era uma ótima alternativa como via de circulação de pessoas montadas em alimárias, em carroças, ou até mesmo a pé[3].

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Praia de Muriú na atualidade. Local aprazivel, ainda com uma comunidade de pescadores, visitado por milhares de turistas que circulam pelo local no passeio de buggys e ótima praia de veraneio – Fonte – http://www.praiasdenatal.com.br/praia-de-muriu/

Fosse uma pessoa livre, ou um escravo que sofria nos engenhos de cana de açúcar da região de Ceará Mirim, é provável que esta pessoa tenha levado aquela garrafa com sua mensagem para ser lida por alguém mais instruído. Naqueles tempos anteriores a criação de comunicação, a descoberta deste tipo de mensagem requeria atenção e normalmente era encaminhada a autoridades.
Sabemos que o objeto chegou lacrado no litoral, provavelmente com betume utilizado para calafetar embarcações[4], mas não sabemos se ela foi aberta antes de percorrer as cinco léguas de distância que separavam Muriú da pequena Natal, que neste tempo tinha superado pouco mais de 20.000 habitantes[5].
Letras Desesperadas
Acredito que na capital potiguar a mensagem e a garrafa foram encaminhadas as autoridades portuárias e alfandegárias, onde certamente haveria algum funcionário afeito ao idioma bretão, pois não era incomum a presença de barcos ingleses no porto da Cidade dos Reis.
Após aberto o recipiente surgiu uma mensagem que foi publicada na íntegra pelo pouco conhecido jornal natalense O Atalaia, na sua edição de 2 de dezembro de 1876, na página três, conforme reproduzimos na fotografia abaixo[6].
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Em 29 de setembro daquele ano um tripulante, ou passageiro, escreveu que estava a bordo de um barco inglês, que os jornalistas potiguares designaram como “galera”, e que se chamava Collingrone. Este barco aparentemente se encontrava na costa sudoeste da África (ou “suéste”, como está descrito no texto original)[7].
Quem escreveu narrou que um “Máo tempo” tinha destruído a vela bujarrona e outras velas do barco. Mais grave ainda era a informação que quatro pessoas a bordo já tinham perecido “pela febre”.
Em meio a este cenário um tanto caótico, em um texto onde a desesperança e o medo são claros, a mensagem encontrada em Muriú é bem direta ao apontar a objetiva finalidade do autor – Que alguém que por ventura encontrasse a missiva, a destinasse para a mãe de quem escreveu. A destinatária seria a esposa de Mr. John Bryce, que vivia na Fountain House, na pequena cidade de Loanhead, próximo a Edimburgo, a capital da Escócia[9].

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Dia festivo em Loanhead, Escócia, 1879 – Fonte –http://lothianlives.org.uk/category/photographs/

Pesquisando na internet descobri que Loanhead possui na sua área algumas localidades e casas históricas que utilizam a denominação “Fountain” (Fonte), mas não especificamente algum ponto conhecido como “Fountain House” (Casa da Fonte).
Ao pesquisar algo sobre um certo John Bryce, ou sua esposa, que viviam em Loanhead na metade da década de 1870, esbarrei em um verdadeiro paredão de nomes similares, que só me levavam a becos sem saída.
Como a edição do periódico O Atalaia, conforme podemos ver na foto aqui mostrada, nada mais trazia de informações sobre o tema eu fui procurar em outros jornais da época. Infelizmente nada encontrei no material arquivado na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, ou nos jornais potiguares digitalizados e disponíveis a Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.
A história toda era muito limitada e necessitava de novas pesquisas para responder a vários questionamentos. Tais como a natureza deste veleiro e quem escreveu a mensagem? Qual a nacionalidade do barco? Qual era sua rota marítima? O que aconteceu com esta nave e o autor da mensagem? 
Mastros que poderiam chegar a alturas de um prédio de vinte andares
Pessoalmente eu tenho uma grande admiração pela Grã-Bretanha, principalmente pelo prazer que os súditos da Rainha Elizabeth II têm pela sua história e pelo intenso esforço que instituições britânicas fazem para democratizar preciosas informações históricas guardadas em seus arquivos através da internet. Assim, sem maiores contratempos, é possível acessar os arquivos do Lloyd Register, uma organização de classificação marítima que remonta a 1760[10].

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O clipper Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

Mas ao pesquisar neste arquivo altamente acurado não encontrei nenhuma referência sobre algum veleiro denominado Collingrone, registrado na Inglaterra e que navegava na década de 1870. Mas sempre esbarrava na referência de um grande clipper denominadoCollingrove. E comecei a suspeitar que 140 anos atrás os membros da redação de O Atalaia haviam reproduzido equivocadamente o nome do barco.
Collingrove era uma embarcação do tipo clipper, foi construído em 1869 pelo estaleiro de Sir James Laing & Sons Ltd., em Deptford Yard, na cidade de Sunderland, Nordeste da Inglaterra. Tinha 861 toneladas brutas, 181,4 metros de comprimento, 33,5 de largura e foi registrado em Londres início dos anos 1870 para a empresa de navegação A. L. Elder & Co.
O barco estava envolvido no comércio de carga e transporte de imigrantes entre a Inglaterra e o sul da Austrália, se destinando principalmente para a cidade de Port Adelaide e retornando a Londres. Podia transportar 75 passageiros e carga geral.

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Outra imagem do Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

O clipper Collingrove fazia parte de uma classe de barcos que marcou época, sendo os mais rápidos, elegantes e imponentes veleiros desenvolvidos no século XIX. Estas belas naves começaram a ser construídos a partir da década de 1830 e várias qualidades definiram a história deste tipo de veleiro. Um clipper era tecnicamente um navio com três mastros, que possuía uma grande extensão de velas quadradas, muito rentável em longas distâncias e que desenvolviam alta velocidade. Com mastros que poderiam chegar a serem tão altos quanto um prédio de vinte andares, linhas de casco longas, combinados ao enorme poder de condução das velas, fazia com que a maioria deles percorressem 250 milhas náuticas em um único dia. Os melhores atingiam velocidades que cobriam 400 milhas por dia.

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Um típico clipper, mostrando toda sua imponência e elegância – Fonte –http://www.oilpaintingsframes.com

Já o Collingrove era considerado um barco muito regular e seguro. Relatos apontam que seu tempo mais rápido entre Londres e Port Adelaide foi de 65 dias e os mais lentos 85, com uma média de 74 dias por viagem. Era comum nestas grandes viagens que os clippers seguissem com um médico a bordo para atender os passageiros e não era incomum haver em alguns destes barcos uma vaca para fornecer leite fresco. Como tempo de viagem era longo, sem escalas, era normal o incentivo para que os passageiros que tinham algum dom artístico, realizassem apresentações. 
Medo de Viajante
Descobri através dos arquivos do Collingrove que em 1876 o seu comandante, ou Mestre, como os ingleses designavam, era H. Angel, um veterano navegador, sem máculas em sua ficha e com extrema capacidade profissional.

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Nota de jornal mostrando uma das partidas do Collingrove em 1876.

Aparentemente o que a carta na garrafa significou foi apenas o medo de uma pessoa pouco experiente com viagens marítimas, em meio a uma tempestade que danificou, mas não afundou o Collingrove.Certamente esta pessoa também estava extremamente estressada diante das mortes em decorrência de uma febre em um ambiente limitado, em um tempo onde as pessoas pouco compreendiam a possibilidade de contrair esse tipo de doença.
Infelizmente nada encontrei que apontasse que no final de 1876 este barco tenha se envolvido em uma tempestade que o deixou com danos de tal ordem que significasse um perigo real de afundamento e nada sobre mortes provocadas por um surto de febre.

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O clipper Collingrove anhcorado na Austrália – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au

Como notas finais desta história marítima posso comentar que oCollingrove  continuou navegando por mais 24 anos sem maiores alterações, até ser vendido no ano de 1900 em Xangai.
Já o experiente comandante H. Angel, em outro barco da empresa A. L. Elder & Co., comandou  o mais famoso dos tripulantes de barcos clipper. Este foi o imigrante polonês chamado Józef Teodor Konrad Korzeniowski, que na Inglaterra passou a ser conhecido como Joseph Conrad.

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O escritor Joseph Conrad. Por conta de sua experiência de trabalho em clippers, muitas das suas obras centram-se em marinheiros e no mar.

Considerado um dos maiores romancistas a escrever no idioma inglês, foi um mestre da prosa que trouxe uma sensibilidade diferenciada para literatura inglesa. Nas suas obras Conrad escreveu contos e romances, muito destes baseados na sua larga experiência náutica, enquanto explorava profundamente a psicologia humana, retratando através de ensaios um universo impassível, inescrutável.
Um visitante regular para Port Adelaide a partir do momento que ela foi construída até o final de 1890.
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FONTES NA INTERNET 

NOTAS
[1] Enviar garrafas com mensagens pelo mar não é nada recente na história da humanidade. o primeiro registro de uma mensagem lançada ao mar foi realizado pelo filósofo grego Theophrastus que, por volta de 310 a.C. jogou garrafas ao Mar Mediterrâneo para tentar provar que as águas deste mar eram formadas por um fluxo que vinha do Mar Atlântico. Este pensador é considerado o sucessor imediato de Aristóteles, por quem foi nomeado como sucessor e guardião de toda a biblioteca de seu mentor! Sobre este tema ver –http://tcmuseum.org/collections/message-in-a-bottle/
[2] Nesta época Muriú já tinha um quadro populacional que necessitava de uma escola primária. Nas páginas 45 e 46 da Coleção de Leis Provinciais do Rio Grande do Norte para os anos de 1872 e 1873, encontramos a Lei nº 667, sancionada pelo então Presidente da Província João Bandeira de Mello Filho, em um exemplar existente na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, se lê no seu Artigo 1º que “Ficam criadas cinco cadeiras de instrução primaria para o sexo masculino nossa lugares Muriú e Capela, do município de Ceara Mirim, Poço Limpo, do Natal, Laranjeiras, do de São José de Mipibu, e praia do Tibau, do de Goianinha”. Vale frisar que grande parte das comunidades de pescadores que conhecemos hoje entre a capital potiguar e a cidade litorânea de Touros também já existiam.
[3] Em 25 de maio de 2016, junto com o pesquisador argentino, radicado em Natal, German Zaunseder, ao realizar uma pesquisa sobre a chegada de um grupo de náufragos ingleses na cidade litorânea de Rio do Fogo em 1941, entrevistamos o Sr. Miguel Alves de Souza, nascido nesta comunidade em 18 de setembro de 1921. Sobre a carência de estradas e transportes para as comunidades do litoral potiguar, ele comentou que até sua juventude era normal as pessoas da localidade seguirem principalmente em barcos Natal. Mas não era incomum que muitos realizassem este trajeto pela beira mar em lombo de animais e até mesmo a pé. 
[4] Popularmente conhecido como piche, é uma mistura líquida de alta viscosidade, cor escura e inflamável. É formada por compostos químicos (hidrocarbonetos), e que pode tanto ocorrer na natureza como ser obtido artificialmente, em processo de destilação do petróleo. Produto conhecido desde a Antiguidade é considerado uma das melhores opções para acabamento e calafetagem para impedir vazamentos de cascos de barcos de madeira. Ver –http://lojadoimper.blogspot.com.br/2014/11/primeira-referencia-sobre.html
[5] A população de Natal em 1876 se equivaleria atualmente ao do município de Monte Alegre. Ver –https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_municípios_do_Rio_Grande_do_Norte_por_população . Sobre números da população de Natal ao longo de sua história ver – http://www.webcitation.org/6OL6BlLnX
[6] O jornal O Atalaia era um jornal de apenas quatro páginas, publicado duas vezes por mês, sendo apresentado como “Literário, crítico, noticioso e dedicado aos interesses da liberdade, igualdade e do progresso”. Tinha a sua sede era na Rua Correia Telles, número 29, Ribeira e era impresso na tipografia Independência, na Rua Santo Antônio. Só encontrei apenas um exemplar deste jornal, disponível nos jornais potiguares digitalizados e disponíveis a Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.
[7] É possível que este barco não estivesse tão próximo da costa africana. Pois a garrafa teria sido lançada ao mar em 29 de setembro de 1876 e chegou à praia de Muriú cerca de um mês após.
[9] Na atualidade Loanhead é uma pequena comuna onde habitam pouco menos de 7.000 escoceses e fica localizada a cerca de dez quilômetros ao sul da dinâmica cidade de Edimburgo. Verhttps://en.wikipedia.org/wiki/Loanhead
[10] Para pesquisar sobre antigos barcos nos registros do Lloyds, acesse http://www.lrfoundation.org.uk/public_education/reference-library/register-of-ships-online/

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