Publicado em 15/02/2014
Autor – Rostand Medeiros
Quando fiz pela primeira vez uma viagem para a região Oeste do Rio Grande do Norte foi no ano de 1985. Fui montado em uma valente e resistente moto Yamaha DT-180, com a carteira de motorista/motociclista recém-saída do DETRAN e com muita vontade de conhecer algo mais da minha terra.
Segui para casa de amigos na cidade de Janduí. Em meio a um momento de fantástica receptividade sertaneja, ao chegar o momento de retornar para Natal, decidi seguir mais adiante e acabei dando uma longa volta até Apodi, depois passei por Mossoró e finalmente voltei para casa.
O caminho me levou pela rodovia estadual RN 223, que liga os municípios de Caraúbas e Apodi e na época ainda uma estrada de barro. A paisagem era muito interessante. Mesmo sendo árida, seca, possuía visuais amplos, com cores contrastantes, maravilhosos cenários e muita luz. De longe era possível avistar o contorno da Bacia Potiguar, onde embaixo fica a cidade de Apodi e na parte superior o conhecido Lajedo de Soledade, com seus interessantes painéis com antigas pinturas rupestres. Naquele momento eu não sabia que em 1992 viria a participar, como membro do CERN-Clube de Espeleologia do Rio Grande do Norte, de um trabalho de catalogação e mapeamento das cavidades naturais desta futura área preservação. Este trabalho foi na época financiado pela PETROBRÁS, sob o comando do falecido geólogo Eduardo Bagnolli e com a participação dos amigos amigo Francisco Willian da Cruz Junior (o grande Chico Bill), também geólogo, Lisandro Juno e Vladir Quintilhiano, ambos biólogos. Época boa!
Mas naquele 1985, ao chegar a um ponto mas elevado na estrada, vislumbrei na direção oeste uma casa muito ampla, que se destacava na paisagem e que chamava a minha atenção conforme me aproximava dela. Era um casarão diferente do que havia visto ao longo do trajeto de 300 quilômetros que realizava desde Natal. Era a casa do sítio Sabe Muito, ou Casa do Sabe Muito, na zona rural do município de Caraúbas.
Localizada a 13 quilômetros da área urbana de Caraúbas, consta que foi construída em 1868. A sua estrutura possui 27 portas, 16 cômodos, 11 janelas e nas medidas da época possuía “11 palmos de frente, 133 de fundo e 52 de altura”. É considerada a maior casa de Caraúbas, já possuiu em seu interior uma casa de farinha e ainda tem em suas terras uma fonte de água potável, ou como dizemos por aqui, um olho d’água.
Esta casa pertenceu ao casal Antônio Fernandes Pimenta (Capitão) e Francisca Romana do Sacramento, casal que fez a união das famílias Fernandes e Carneiro em Caraúbas e adjacências. Contam também que a construção do casarão do Sabe Muito foi uma disputa entre dois irmãos que tinham muitos escravos e decidiram ver quem faria a maior casa. Um construiu a sua moradia no sítio São Vicente e o outro nas terras do Sabe Muito, próximo ao olho d’água comentado anteriormente e que seria conhecido pelos indígenas que outrora habitaram a região.
Na minha singela opinião não sei qual é a mais interessante (Acho que as duas). Mas sei que o casarão do sítio São Vicente foi um dos locais atacado pelo bando do cangaceiro Lampião, quando de sua passagem pelo Rio Grande do Norte no ano de 1927. Eu conheci o São Vicente em 2010, quando percorri de motocicleta o mesmo caminho trilhado por Lampião no Rio Grande do Norte (Ver –http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/08/15/trilhando-o-mesmo-caminho-de-lampiao-no-rio-grande-do-norte/ ).
Apesar da casa do Sabe Muito ser um local interessante, uma referência regional do poder que outrora os grandes fazendeiros possuíam no interior potiguar, infelizmente a antiga vivenda está fadada a se transformar em ruínas.
Recentemente, através do amigo Francisco Veríssimo de Souza Neto, da cidade de Apodi, tomei conhecimento que o jornalista Assis Oliveira, nascido em Caraúbas e há muitos anos morando na cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul esteve na sua terra depois de 16 anos de ausência. Entre os locais por ele visitados na sua cidade natal estava a interessante Casa do Sabe Muito. Acredito que aquilo que ele viu e fotografou, como um dileto filho da terra, deve tê-lo deixado muito triste. Pois eu que nem sou de lá, nem tenho sequer parentes na região, fiquei impressionado quando vi suas fotos (Que gentilmente ele cedeu para serem utilizados neste texto).
O local vem ruindo já há algum tempo. Blogs da região Oeste Potiguar apontam que parte do telhado caiu e o restante pode desabar durante o próximo inverno. Existe a afirmação que a estrutura é tombada pela Fundação José Augusto, hoje transformada em Secretaria Extraordinária da Cultura e pertenceria ao espólio do casal Joana Eulália de Oliveira e Jonas Armagíldo de Oliveira.
Mas o que fazer?
Esta situação de abandono e destruição lenta e paulatina destes patrimônios históricos não é exclusividade de terras potiguares. Pelo Brasil afora antigas casas grandes de fazendas históricas, igrejas seculares e até prédios públicos tombados estão vindo abaixo por falta de conservação. Sei que, diante da situação complicada que se encontra a agropecuária no Rio Grande do Norte, manter de pé uma casa destas não é fácil e nem barato. Não é a toa que o salvamento destes patrimônios por iniciativa privada são raros. Mas existem! (Ver - http://tokdehistoria.wordpress.com/2011/11/23/a-restauracao-do-engenho-machado-um-exemplo-a-ser-seguido/ ).
O que o poder público dentro das esferas federal, estadual e municipal pode fazer para salvar este patrimônio? Se ele já é tombado a nível estadual, pelo que percebi nada acontece.
Se ao menos a gestão turística governamental no Rio Grande do Norte fosse uma coisa levado a sério pelos gestores e houvesse sido desenvolvido na prática a integralização turística potiguar, a Casa do Sabe Muito poderia ser um ótimo ponto de apoio para os turistas que se deslocam de Natal para visitarem as belas pinturas rupestres localizadas no Lajedo Soledade. Este ponto de apoio s margens da RN-223 poderia ser associado a um museu que mostrasse a história e cultura da região.
Mas já que o turismo não anda lá estas coisas aqui no nosso estado e aproveitando a ideia da histórica casa ser um ponto de preservação da memória regional, creio que seria possível criar um projeto de recuperação e utilização pública. Mas com destinação prioritariamente educacional, com a finalidade principal de manter viva junto à comunidade caraubense, principalmente os mais jovens, a história da sua terra. Mas escrevo isso sem conhecer totalmente a atual realidade local.
Não tenho a ilusão que isto é fácil, Mas sei que só com a união da comunidade é que este patrimônio poderá ser salvo e melhor utilizado.