Renato Caldas (1902-1991) era um afamado
poeta popular potiguar de Assu, conhecido em todo o Brasil. Além dos versos que
produzia (estilo Patativa do Assaré, Catulo da Paixão Cearense, Zé da Luz), tinha
o dom do repente, de dizer ditos espirituosos que tinha sempre na ponta da
língua, para qualquer ocasião. Pois bem, em 1960, era governador da Guanabara,
hoje Rio de Janeiro, o agitador político carioca Carlos Lacerda que teria lançado
no seu no seu governo uma Campanha para conseguir recursos em favorecimento dos
flagelados da seca que castigava o povo do sertão nordestino, que tinha como lema “Ajuda teu irmão”. Renato
então regressou aquela capital onde antes havia morado para ver se conseguia
com aquele governante, uma ajuda para publicar a segunda edição do seu já
afamado livro de versos em linguagem matuta intitulado de “Fulô do Mato”. Ao
chegar ao Rio, com pouco dinheiro, hospedou-se numa pensão de quinta categoria
da Lapa, bairro da boêmia carioca. Logo fora advertido pelo proprietário
daquela hospedaria: “Moço. Aqui o banheiro é coletivo”. Renato não deu muita
importância. Prevenido, deixou sua bagagem no quarto daquela pensão, deu uma saída
para comprar um pinico (utensílio doméstico de ágata muito usado em quartos até
mesmo nos grandes centros urbanos). Ao pegar naquele objeto, perguntou ao
vendedor: “Moço. Quanto é esse pinico”. “O nome disso aí não é pinico, não! O
nome certo disso aí é “Nordestino”. Disse o vendedor. Renato que não perdia as
oportunidades para dizer um repente, respondeu: “Pois eu quero comprar esse “Nordestino”
pra hoje à noite encher de carioca”.
No dia seguinte Renato se dirigiu ao Palácio
do Governo do Rio. Levou um chá de cadeira, não conseguiu falar com Lacerda,
deixou com a secretária daquele governador um bilhete rimado em forma de sextilha,
dizendo assim:
Amigo Carlos Lacerda
Que inventou essa ‘merda’
De “Ajuda teu irmão”.
Ajude o velho Renato
Publicar “Fulô do Mato”
Poeta lá do sertão!
A sextilha acima logo se espalhou pela
cidade do Rio de Janeiro. Foi quando certo amigo lhe perguntou: “Renato”. Você não
tem outro nome além daquela palavra indecorosa para rimar com o nome do
governador, não? ”Renato não se fez de rogado: ‘Merda', foi o único nome que
encontrei para rimar com Lacerda.”
E a segunda edição do livro referenciado acima de Renato
Caldas veio a ser publicado com ajuda de Carlos Lacerda que se tornou amigo e admirador daquele bardo Norte-riograndense que o Brasil consagrou com muita justiça.
Fernando Caldas
Um comentário:
Há alguns poucos reparos a fazer. Primeiramente, quando Renato foi pedir (e conseguiu) a edição de mil exemplares do seu livro Fulô do Mato, Lacerda era Deputado Federal (foi eleito governador do Estado da Guanabara em 1962; em 1960, o Rio de Janeiro ainda era o Distrito Federal - até 21/4 - e o primeiro governador - nomeado - do GB foi o Brigadeiro Faria Lima). O pedido e o chá de cadeira foi na redação do jornal de Lacerda, Tribuna da Imprensa, que rodou a tiragem (sempre achei que Aloísio Alves foi quem levou RC ao "clube da lanterna"). E a sextilha é: "Seu dotô Carlos Lacerda, / já que inventou essa merda / de "ajuda seu irmão", / publica Fulô do Mato, / tenha pena de Renato / poeta lá do sertão". E essa segunda edição é de 1953 (conforme prefácio de Veríssimo de Melo, datado de 1970, no seu livro "Poesias" (Imprensa Universitária/UFRN, 1970) e transcrito na 6ª ed. (Clima, 1984) de Fulô do Mato.
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