A área plantada, que na safra 1976/1977 chegou a 559,9 mil ha, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento, na safra 2010 não passou de 2.964 ha
Renata Moura - repórter
A cultura do algodão, que já integrou o rol de principais locomotivas da economia do Rio Grande do Norte, poderá retomar peso no estado, estimulada por uma mudança de cenário que inclui preço em alta e sinais de mercado para absorver a produção. Um projeto que começará a ser desenvolvido e deverá render os primeiros frutos no Vale do Assu este ano é a atual esperança para que a atividade consiga se reestruturar e aproveitar o momento favorável. Há, porém, um longo caminho até a cultura recobrar por completo o vigor que teve no passado.
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A área plantada no RN, que na safra 1976/1977 chegou a 559,9 mil ha, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento, na safra 2010 não passou de 2.964 ha. Fora dos trilhos desde meados da década de 70, a cotonicultura, como é chamada a cultura do algodão, perdeu força no Rio Grande do Norte e na maior parte dos estados produtores no país. Pressionada por questões comerciais e pela praga do bicudo, que dizimou diversas plantações, a atividade perdeu área, produção e indústrias de beneficiamento. E os fatores conspirando em favor do declínio não pararam por aí.
Para se ter ideia da situação, a área plantada no RN, que na safra 1976/1977 chegou a 559,9 mil hectares, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na safra 2010 não passou de 2.964 hectares. Em relação à safra de 2009, o número representou uma queda de 67,02%. Condições climáticas adversas foram as responsáveis, desta vez, por comprometer o cultivo. “O produtor até plantou, mas as chuvas acima da média, em 2008 e 2009, fizeram com que perdesse safra. Em 2010, o problema foi a estiagem”, diz o analista de Mercado de Produtos Agrícolas da Conab, Luís Gonzaga Costa.
A incerteza de preços remuneradores na época da comercialização, o alto risco da lavoura, sobretudo pelas condições climáticas desfavoráveis nos últimos anos, e a desvantagem na competitividade com o algodão do Oeste da Bahia e da região Centro-sul do País – que avançaram enquanto as demais áreas produtoras decaíam - também têm parcela de culpa no desestímulo dos produtores e para levar a atividade potiguar a alcançar resultados considerados desastrosos.
Desestruturação
“Hoje, a produção está precisando de uma melhor organização, tanto na parte de produção quanto na parte de comercialização”, diz o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (Emparn), Aldo Arnaldo de Medeiros. Há 30 anos envolvido na área de cotonicultura, ele explica que parte da cadeia comercial do algodão praticamente desapareceu no estado. O número de produtores, diz o pesquisador, encolheu. Outra baixa ocorreu na área do beneficiamento, o processo de separação da pluma do caroço. “Atualmente praticamente inexistem o produtor e o maquinista (que faz o beneficiamento). Um conjunto de fatores contribuiu para isso. Entre eles, o custo de captação de dinheiro que aumentou, restrições de acesso ao seguro agrícola e estrutura inadequada para permitir o aumento da produtividade da área”, observa.
O maquinista também sofreu com a concorrência internacional, com a abertura do mercado brasileiro às importações do produto. “A cadeia produtiva encolheu e precisa ser reestruturada com novas concepções empresariais. Não basta só produzir e ter um comprador. É preciso saber fazer o manejo agrícola, ter cuidados com a colheita e também o cuidado com o uso das sacarias. Mas a parte comercial é o principal entrave à retomada. É preciso, antes de plantar, saber a quem vai vender e por quanto vai vender. É isso o que está se buscando com esse projeto no Vale do Assu”, diz Aldo Medeiros.
Indústria têxtil comprará a pluma
Todo o algodão produzido dentro do projeto de revitalização vai ser beneficiado em Assu e a expectativa é que a pluma obtida por meio desse beneficiamento seja comprada pela indústria têxtil, com contrato assinado e preço pré-fixado. O caroço, por sua vez, deverá ser transformado em “torta” de algodão, um alimento consumido pelo gado, e dele também será extraído óleo. Pelas contas da Coaperval, a receita apurada por cada agricultor poderá chegar a R$ 2.500, sendo algo em torno de R$ 1.660,40 apenas com a venda da pluma. “A venda do óleo e da torta poderão representar uma renda extra”, estima Gregório Junior, presidente da Cooperativa.
No caso da venda da pluma, os contratos com a indústria têxtil ainda estão em negociação, mas a expectativa é que sejam fechados na primeira quinzena de fevereiro. De acordo com informações de Josélia Maciel Teixeira, assessora técnica da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern) que presta assessoria ao Arranjo Produtivo Local (APL) do Algodão do estado, em reunião sobre o projeto, realizada no dia 4 de janeiro, “os representantes da Vicunha têxtil S/A e da Coteminas S/A asseguraram a viabilidade da aquisição de 123 toneladas de pluma de algodão”. A empresa Nóbrega & Dantas também teria assegurado a aquisição das 227 toneladas de caroço de algodão.
“Temos que torcer para que a iniciativa no Vale do Assu seja vitoriosa e vamos ajudar no que for possível. Nós, como consumidores de algodão, sempre vamos querer que seja plantado cada vez mais algodão no Brasil”, diz o presidente do Sindicato da Indústria Têxtil e diretor da Coteminas no RN, João Lima.
Consumo
A produção de pluma esperada no projeto deverá ser absorvida pela indústria local, que compra os fardos para, a partir deles, fazer o fio. O volume representa, no entanto, uma fatia microscópica da demanda atual da indústria.
De acordo com João Lima, a indústria têxtil potiguar consome algo em torno de 70 mil toneladas de pluma por ano. É possível estimar que, por mês, sejam demandadas pelo setor aproximadamente 5 mil toneladas do produto. Como falta produção local, grande parte do que entra nas indústrias é fornecida pela Bahia e pela região Centro-Sul. “A vantagem de comprar no estado seria reduzir o custo do frete”, diz Lima. “Torço muito para que a cotonicultura volte a crescer no RN. Mas tem que se achar uma forma de ter um custo menor na produção para ter um preço competitivo”, acrescenta.
No projeto do Vale do Assu, a variedade cultivada será a CNPA 8H, que tem 37% de fibra e produtividade acima de 1.500 Kg por hectare, praticamente o dobro do rendimento obtido com outras tradicionalmente usadas pelos agricultores. Também há ganho de fibra, considerando que com outras cultivares o percentual obtido é 35%. “A que iremos usar oferece mais resistência na hora de fazer o fio usado na indústria têxtil. É uma cultivar que atende as características de fibra exigidas pela indústriamoderna”, diz Waltemilton Cartaxo, da Embrapa.
Preço é estímulo para os agricultores
O projeto de revitalização da cotonicultura do Vale do Assu nasce em um momento considerado ímpar, em que o preço do algodão está lá em cima, observa Josélia Maciel Teixeira, da Fiern. Para se ter ideia da valorização do produto, o quilo chegou ao patamar de R$ 6 para a pluma e de R$ 2 para o algodão em caroço, aproximadamente o dobro do que atingiam antes. No projeto, a expectativa é que o valor unitário pela venda da pluma fique em torno de R$ 5,93.
O preço favorável pode ser um estímulo à retomada da cultura porque anima o produtor. Aldo Medeiros, da Emparn, explica que o valor tem sido catapultado pela lei da oferta e da procura. “ Está faltando algodão a nível internacional. E isso teve reflexos no Brasil, que é um grande exportador de algodão. Se o país começou a vender mais para fora, está faltando o produto aqui dentro. A lei da oferta e da procura fez o preço crescer muito”, analisa. Observando esse movimento, a indústria está aumentando a participação da fibra artificial na linha de produção, mas isso não deverá atrapalhar os planos de aumento da produção “natural”, de acordo com os idealizadores do projeto.
O secretário de Desenvolvimento Rural de Assu, Paulo Brito, diz que a expectativa é garantir aos agricultores uma nova fonte de renda, em municípios em que reinam a produção cerâmica e de frutas. “O algodão é promissor”.
O projeto é umas das ações desenvolvidas dentro APL do algodão e funciona com o apoio de diversos parceiros. A expectativa é que R$ 200 mil sejam destinados ao desenvolvimento do projeto. O dinheiro é fruto de uma emenda parlamentar sugerida pelo deputado federal Fábio Faria.
Se der certo, o projeto será replicado em outros municípios.
Projeto promete nova concepção de exploração
O projeto no Vale do Assu, batizado “Revitalização da Cultura do Algodão para Agricultura Familiar do Município de Assu e Região”, tem o objetivo de dar uma nova concepção de exploração da atividade ao produtor. “Antes de plantar ele vi saber quem vai comprar e por quanto vai vender. Também deverá estabelecer os acordos contratuais com quem fornece sacarias e transporte do sítio à unidade de beneficiamento, que vai ser feito em Assu, na Cooperativa que tem usina no município”, diz Aldo Medeiros.
Um dos objetivos do projeto é o aumento da produtividade da cultura de sequeiro – que depende da chuva para se desenvolver – e de geração de renda para agricultores familiares oriundos de áreas de assentamento ou não. O projeto é a largada para um sistema de produção estruturado e desenvolvido de forma cooperada, requisitos apontados por especialistas como fundamentais para que a cultura volte a crescer.
Adesão
De acordo com o presidente da Cooperativa Agropecuária do Vale do Assu (Coaperval), João Gregório Júnior, há 350 agricultores cadastrados, entre os municípios de Assu, Afonso Bezerra e Ipanguaçu, três dos que fazem parte do Vale do Assu. A previsão é que o algodão seja plantado entre o fim de fevereiro e o mês de março. A colheita é esperada para junho. Cada agricultor deverá plantar 1 hectare, usando sementes adquiridas e disponibilizadas pelo projeto. Ao todo, são esperados 350 hectares de algodão de sequeiro, produtividade média de 1 tonelada por hectare, 350 toneladas de algodão em caroço a ser processado pela Coaperval, a obtenção de 123 toneladas de pluma de algodão e de 227 toneladas de caroço de algodão.
Dentro do projeto, também é prevista a capacitação de técnicos e de produtores rurais através da transferência de tecnologias produzidas pela Embrapa Algodão, por meio da implantação de Unidades de Teste de Demonstração e com a eliminação do atravessador na fase de comercialização do produto. Para tanto, a Coaperval assumirá a função de receber a produção, beneficiar e comercializar aos compradores com os quais firmar contratos.
“É preciso criar oportunidades para que os agricultores tenham renda com o algodão”, diz o supervisor da área de Comunicação e Negócios da Embrapa Algodão e coordenador do projeto, Waltemilton Cartaxo.
Linha do tempo
Entre 1914-1918
Período em que a economia algodoeira realmente se destaca no cenário do Rio Grande do Norte; com atuação mais centrada na região do Seridó, porém com presença marcante na região Oeste.
Anos 20
O Estado continua sendo um grande produtor e parte substancial da produção era exportada pelo porto de Areia Branca. No final da década tudo quase que parou. Houve um colapso da Bolsa de Nova Iorque e não havia compradores.
Anos 50
Com a expansão da indústria têxtil em São Paulo, e em outros estados localizados no sul do país, se verificou a expansão da agroindústria algodoeira nacional. Até a década de 60 a cultura de algodão era um dos pilares da economia do Rio Grande do Norte. O estado se destacava com a produção de algodão mocó, um algodão de fibra longa e resistente, adequado à industria têxtil da época.
Década de 80
O declínio da cultura, que começou na década anterior, se agravou nesse período, em decorrência de um conjunto de fatores. Entre eles estavam a retirada de subsídios agrícolas (como seguro agrícola), a escassez de recursos e as altas taxas de juros para financiamento da produção e beneficiamento da pluma e do caroço. O bicudo, um inseto que destroi o órgão reprodutivo do algodoeiro e, por consequência, compromete a produção, também se alastrou pelo Brasil nesse período e dizimou diversas plantações.
A partir da década de 90
A alíquota de importação do produto foi zerada no Brasil e com a retirada da “barreira” a produção nacional começou a perder competitividade diante da estrangeira. O problema é que o sistema de produção nacional não era eficiente. O algodão tinha qualidade, mas não era produtivo. Em consequência disso, se tornou mais caro que o de outros países.
Fontes:
Aldo Arnaldo de Medeiros (Emparn)/ Tomislav R. Femenick (artigos “O bicudo só matou defunto e “O quase fim do algodão potiguar”)
Tribuna do Norte, 23.1.011
Postado por Fernando Caldas