Quem não passou pela experiência de
perguntar a alguém se estava bem, ou mesmo o inverso. Quantas vezes não lhe
perguntaram já o que se passa com você. Os outros ou nós mesmos percebemos por
determinadas pistas, que algo fora do comum está acontecendo, você repara nas
expressões faciais, no tom de voz, no comportamento motor, etc. E inevitavelmente
pergunta: “O que se passa, o que você tem?”Usualmente
a resposta é estandardizada:“Nada, não se passa nada, eu
estou bem.”Em tais casos, claramente não está bem, a pessoa
refugia-se em si mesmo evitando um diálogo que teme poder vir a desencadear uma
explosão emocional.
A tendência para a negação, a
retirada, e autoisolamento são comuns em reação à profunda dor emocional. De
fato, um indício de que uma pessoa se está sentindo angustiada e a entrar num
estado de apatia e desesperança é quando fica demasiado quieta, desligada e
cabisbaixa. Esse silêncio faz-se ouvir bem alto, e geralmente a mensagem é, por
exemplo: “Eu não vou arriscar que você me machuque mais do que já estou,
não quero falar mais no assunto”. Pelo contrário, é também possível
que a pessoa possa tornar-se subitamente inquieta, agitada, ou hiperativa,
tentando por meio de mais atividade distrair-se do sofrimento das suas palavras
ou comportamento (ainda que inadvertidamente) isso lhe continue a causar
sofrimento. Pode ainda inesperadamente perder o apetite, ou começar a comer
vorazmente para mascarar os seus sentimentos
negativos e dor emocional. E assim por diante. Afinal, temos à
nossa disposição todo o tipo de defesas para nos proteger, mas algumas delas na
verdade inflamam ainda mais essa dor.
AS
MUITAS VARIEDADES DE DOR EMOCIONAL
Antes de prosseguir, vou resumir a
grande maioria das diferentes experiências associados à experiência de dor emocional.
Embora a lista abaixo não pretenda ser exaustiva, é provável que inclua a
maioria dos pressupostos de autorreferência ou interpretações que levam à dor
emocional e consequente abertura de feridas
emocionais. Todos esses itens estão relacionados aos sentimentos, ou
a sentimentos que o façam sentir:
§ Indigno ou inútil
§ Desaprovação,
invalidado, ou rejeitado
§ Não ser ouvido ou
compreendido
§ Como uma não entidade
ou invisível
§ Preterido, não ser
alvo de amor
§ Insultado,
desprezado, desrespeitado, desvalorizado, não ser levado em consideração
§ Agredido,
aproveitado, traído
§ Inadequado,
defeituoso, incompetente, um passo atrás, inferior ou menosprezado, inaceitável
§ Lento, estúpido,
tolo, desprezível
§ Desonroso ou
covarde
§ Constrangido ou
humilhado
§ Fraco, indefeso
§ Indigno de tempo,
atenção ou reconhecimento
§ Como um fracasso,
“perdedor”
§ Culpado,
vergonhoso, ou uma má pessoa
PORQUE ESCONDEMOS OS SENTIMENTOS FERIDOS
Há muitas razões diferentes que podem justificar a atitude de esconder ou disfarçar a dor emocional. Esta atitude pode estar enraizada em crenças negativas sobre nós mesmos, evocada por uma determinada pessoa ou situação. Facilmente podemos entender que mostrar o nosso estado emocional mais abatido a uma pessoa desconhecida ou que contatamos pouco, não seja benéfico nem adequado. Mas, na grande maioria das vezes a atitude de “esconder” os estados de humor incapacitantes e emissores de dor emocional tem a ver com o medo induzido, mesmo com pessoas dos nosso circulo afetivo.
Talvez o peso maior seja atribuído à
tendência para esconder das pessoas a nossa fragilidade emocional, com medo que
a exposição nos faça sentir fracos e impotentes. Assumimos que ao revelar a
nossa dor emocional estaríamos a expor a nossa suscetibilidade aos sentimentos
negativos e, portanto, definirmo-nos como tendo pouco controle
sobre a situação e consequentemente sobre nós mesmos. É como se ao “expor” a
nossa dor emocional estivéssemos também a perder o nosso poder pessoal, como
se fossem olhar para nós com pena, depreciação e desdém.
DIFERENÇAS DE GÉNERO
Há provavelmente algumas diferenças de género também. Os homens, por
exemplo, são particularmente susceptíveis no evitamento e divulgação da dor
emocional por medo de que isso possa comprometer a sua percepção de
masculinidade. E, na verdade eles podem ter sido gozados quando eram crianças
por choramingarem, chorarem, ou queixarem-se. Provavelmente alguns ouviram
palavras do género: “maricas”, “covarde”, “fracote”, por vezes este tipo
de categorizações deixa marcas que são transportadas para a idade adulta,
afetando a forma como gerem as emoções no seu dia a dia. Nesses casos, torna-se
uma questão de orgulho pessoal de não deixar que os outros saibam o que carregam
dentro de si, como se fosse um “ponto fraco” bastante suscetível às palavras e
ações dos outros. Muitas destas pessoas esforçam-se por não mostrar as suas
emoções, mantendo um lábio superior duro, e sob nenhuma circunstância expor o
seu lado terno, “reforça a sua fortaleza”, mantém resguardada a
sua”espinha dorsal”, uma força masculina essencial.
As mulheres, por outro lado, são muito mais propensas a preocuparem-se
com a expressão da sua angústia emocional, podendo levar a que sejam
interpretadas como demasiado sensíveis (particularmente pelo seu parceiro).
Para examinar um outro aspeto desta situação lamentável, os homens
frequentemente reagem às lágrimas da sua parceira com desconforto considerável,
e por vezes com alguma hostilidade. Ainda que inconscientemente, a explosão
emocional do seu parceiro faça com que se sintam culpadas, ou pelo menos
responsáveis.
Independente das nossas primeiras experiências, a maioria de nós
preocupa-se com o fato de que revelar os sentimentos de mágoa ou dor emocional
pode levar os outros a reagir negativamente. E, certamente não queremos correr
o risco de mostrarmos algum tipo de vulnerabilidade ou sensibilidade mal
interpretada. Nem queremos ser vistos como infantis, ou na pior das hipóteses,
patéticos, porque pelo menos aparentemente iríamos demonstrar ter perdido
o controle sobre as nossas emoções. É, no entanto importante realçar que faz
sentido, e às vezes pode ser imperativo para evitar a exposição de
vulnerabilidade emocional em diversas situações profissionais.
Talvez a ironia final em tudo isso é
que, culturalmente, é considerado positivo e de grande valor conseguir inibir
as emoções mas ternas. Não mostrar vulnerabilidade é tipicamente visto como uma
força, uma “demonstração” de caráter. Mas na realidade, os principais motivos
para esconder as nossas emoções são (como já indicado) baseados no medo.
Podemos ficar com medo de parecer fracos ou suscetíveis aos outros.
Paradoxalmente, porém, sem vergonha, divulgar a nossa vulnerabilidade pode
realmente ser uma declaração pessoal deliberada de sensibilidade e de coragem.
Aprofundei este assunto no artigo: 007
Permissão para ser humano.
ENTÃO,
O QUE PODE SER FEITO?
Parece existir um impulso natural para escondermos a nossa dor emocional
das outras pessoas. E, ainda que isso possa ser benéfico em determinadas
situações ou ambientes, generalizar para todas as áreas da vida pode ser
prejudicial. Por exemplo, se não deixa que os outros saibam que o que eles
disseram magoou-o, eles estão propensos a continuar a fazer exatamente o que
fizeram, continuando a magoá-lo. Tipicamente, a principal causa dos outros
infligirem dor emocional em nós, deve-se à baixa sensibilidade ou consciência
para perceberem a nossa vulnerabilidade emocional. O mesmo pode acontecer de
nós para os outros. Talvez, nem sempre, mas na maioria das vezes os nosso
motivos ou os dos outros não são maus ou vingativos.
Consequentemente, se nós realmente
queremos fazer os outros mais sintonizados com a nossa vulnerabilidade
emocional, precisamos manifestar e expressar fisicamente e verbalmente os
nossos sentimentos. Finalmente, não podemos mais culpar os outros pela sua
insensibilidade em relação a nós. O seu nível de sensibilidade corresponde ao
seu estado de desenvolvimento atual. E assim, em última análise, é nossa
responsabilidade ajudá-los a tornarem-se mais conscientes e sensíveis aos
nossos sentimentos. Se não estivermos dispostos a praticar a honestidade
emocional e revelar a nossa vulnerabilidade, os outros nunca
podem ser capazes de cultivar a empatia e apoio que desejamos deles. Sem
dúvida, se nós queremos que os outros façam todos os esforços para compreender
melhor o nosso estado emocional, eles precisam do nosso feedback e orientação,
muito mais do que remetermo-nos ao silêncio ou chantagem emocional.
Ainda assim, a menos que sejamos
capazes de desenvolver uma elevada consciência
emocional e consequente força emocional, na
ausência de garantia externa ou reconfortante sobre a expressão das nossas
emoções a outras pessoas, provavelmente pode não ser sustentável para nós,
voluntariamente divulgar os nossos sentimentos. Para expressarmos a nossa dor
emocional, sem cairmos numa mentalidade de vítima, é absolutamente fundamental
e determinante que estejamos cientes e firmes que temos dentro de nós tenacidade
mental que nos permite expressar sentimentos dolorosos de forma
segura.
Para
aprofundar o assunto leia: Consciência emocional, validar emoções e pensamentos para seu
benefício
Certifique-se que reteve a noção de
que:
§ Os sentimentos e
emoções dolorosas são uma parte essencial de quem somos.
§ Expressar a dor
emocional e consequentes emoções não nos vitimiza, a não ser que nos deixemos
afetar pela reação dos outros.
§ Estamos agora
capazes de considerar os nossos sentimentos como válidos, independentemente de
qualquer resposta de outra pessoa.
Abraço.
AUTOR MIGUEL LUCAS
Licenciado em
Psicologia, exerce em clínica privada. É também preparador mental de atletas e
equipas desportivas, treinador de atletismo e formador na área do rendimento
desportivo.