quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

PORQUE TEMOS DIFICULDADE EM LIDAR COM A DOR EMOCIONAL?


Quem não passou pela experiência de perguntar a alguém se estava bem, ou mesmo o inverso. Quantas vezes não lhe perguntaram já o que se passa com você. Os outros ou nós mesmos percebemos por determinadas pistas, que algo fora do comum está acontecendo, você repara nas expressões faciais, no tom de voz, no comportamento motor, etc. E inevitavelmente pergunta: “O que se passa, o que você tem?”Usualmente a resposta é estandardizada:“Nada, não se passa nada, eu estou bem.”Em tais casos, claramente não está bem, a pessoa refugia-se em si mesmo evitando um diálogo que teme poder vir a desencadear uma explosão emocional.

A tendência para a negação, a retirada, e autoisolamento são comuns em reação à profunda dor emocional. De fato, um indício de que uma pessoa se está sentindo angustiada e a entrar num estado de apatia e desesperança é quando fica demasiado quieta, desligada e cabisbaixa. Esse silêncio faz-se ouvir bem alto, e geralmente a mensagem é, por exemplo: “Eu não vou arriscar que você me machuque mais do que já estou, não quero falar mais no assunto”. Pelo contrário, é também possível que a pessoa possa tornar-se subitamente inquieta, agitada, ou hiperativa, tentando por meio de mais atividade distrair-se do sofrimento das suas palavras ou comportamento (ainda que inadvertidamente) isso lhe continue a causar sofrimento. Pode ainda inesperadamente perder o apetite, ou começar a comer vorazmente para mascarar os seus sentimentos negativos e dor emocional. E assim por diante. Afinal, temos à nossa disposição todo o tipo de defesas para nos proteger, mas algumas delas na verdade inflamam ainda mais essa dor.

AS MUITAS VARIEDADES DE DOR EMOCIONAL

Antes de prosseguir, vou resumir a grande maioria das diferentes experiências associados à experiência de dor emocional. Embora a lista abaixo não pretenda ser exaustiva, é provável que inclua a maioria dos pressupostos de autorreferência ou interpretações que levam à dor emocional e consequente abertura de feridas emocionais. Todos esses itens estão relacionados aos sentimentos, ou a sentimentos que o façam sentir:
§  Indigno ou inútil
§  Desaprovação, invalidado, ou rejeitado
§  Não ser ouvido ou compreendido
§  Como uma não entidade ou invisível
§  Preterido, não ser alvo de amor
§  Insultado, desprezado, desrespeitado, desvalorizado, não ser levado em consideração
§  Agredido, aproveitado, traído
§  Inadequado, defeituoso, incompetente, um passo atrás, inferior ou menosprezado, inaceitável
§  Lento, estúpido, tolo, desprezível
§  Desonroso ou covarde
§  Constrangido ou humilhado
§  Fraco, indefeso
§  Indigno de tempo, atenção ou reconhecimento
§  Como um fracasso, “perdedor”
§  Culpado, vergonhoso, ou uma má pessoa

PORQUE ESCONDEMOS OS SENTIMENTOS FERIDOS

Há muitas razões diferentes que podem justificar a atitude de esconder ou disfarçar a dor emocional. Esta atitude pode estar enraizada em crenças negativas sobre nós mesmos, evocada por uma determinada pessoa ou situação. Facilmente podemos entender que  mostrar o nosso estado emocional mais abatido a uma pessoa desconhecida ou que contatamos pouco, não seja benéfico nem adequado. Mas, na grande maioria das vezes a atitude de “esconder” os estados de humor incapacitantes e emissores de dor emocional tem a ver com o medo induzido, mesmo com pessoas dos nosso circulo afetivo.
Talvez o peso maior seja atribuído à tendência para esconder das pessoas a nossa fragilidade emocional, com medo que a exposição nos faça sentir fracos e impotentes. Assumimos que ao revelar a nossa dor emocional estaríamos a expor a nossa suscetibilidade aos sentimentos negativos e, portanto, definirmo-nos como tendo pouco controle sobre a situação e consequentemente sobre nós mesmos. É como se ao “expor” a nossa dor emocional estivéssemos também a perder o nosso poder pessoal, como se fossem olhar para nós com pena, depreciação e desdém.


DIFERENÇAS DE GÉNERO

Há provavelmente algumas diferenças de género também. Os homens, por exemplo, são particularmente susceptíveis no evitamento e divulgação da dor emocional por medo de que isso possa comprometer a sua percepção de masculinidade. E, na verdade eles podem ter sido gozados quando eram crianças por choramingarem, chorarem, ou queixarem-se. Provavelmente alguns ouviram palavras do género:  “maricas”, “covarde”, “fracote”, por vezes este tipo de categorizações deixa marcas que são transportadas para a idade adulta, afetando a forma como gerem as emoções no seu dia a dia. Nesses casos, torna-se uma questão de orgulho pessoal de não deixar que os outros saibam o que carregam dentro de si, como se fosse um “ponto fraco” bastante suscetível às palavras e ações dos outros. Muitas destas pessoas esforçam-se por não mostrar as suas emoções, mantendo um lábio superior duro, e sob nenhuma circunstância expor o seu lado terno, “reforça a sua fortaleza”, mantém  resguardada a sua”espinha dorsal”, uma força masculina essencial.
As mulheres, por outro lado, são muito mais propensas a preocuparem-se com a expressão da sua angústia emocional, podendo levar a que sejam interpretadas como demasiado sensíveis (particularmente pelo seu parceiro). Para examinar um outro aspeto desta situação lamentável, os homens frequentemente reagem às lágrimas da sua parceira com desconforto considerável, e por vezes com alguma hostilidade. Ainda que inconscientemente, a explosão emocional do seu parceiro faça com que se sintam culpadas, ou pelo menos responsáveis.
Independente das nossas primeiras experiências, a maioria de nós preocupa-se com o fato de que revelar os sentimentos de mágoa ou dor emocional pode levar os outros a reagir negativamente. E, certamente não queremos correr o risco de mostrarmos algum tipo de vulnerabilidade ou sensibilidade mal interpretada. Nem queremos ser vistos como infantis, ou na pior das hipóteses, patéticos, porque pelo menos aparentemente iríamos demonstrar ter  perdido o controle sobre as nossas emoções. É, no entanto importante realçar que faz sentido, e às vezes pode ser imperativo para evitar a exposição de vulnerabilidade emocional em diversas situações profissionais.
Talvez a ironia final em tudo isso é que, culturalmente, é considerado positivo e de grande valor conseguir inibir as emoções mas ternas. Não mostrar vulnerabilidade é tipicamente visto como uma força, uma “demonstração” de caráter. Mas na realidade, os principais motivos para esconder as nossas emoções são (como já indicado) baseados no medo. Podemos ficar com medo de parecer fracos ou suscetíveis aos outros. Paradoxalmente, porém, sem vergonha, divulgar a nossa vulnerabilidade pode realmente ser uma declaração pessoal deliberada de sensibilidade e de coragem. Aprofundei este assunto no artigo: 007 Permissão para ser humano.

ENTÃO, O QUE PODE SER FEITO?

Parece existir um impulso natural para escondermos a nossa dor emocional das outras pessoas. E, ainda que isso possa ser benéfico em determinadas situações ou ambientes, generalizar para todas as áreas da vida pode ser prejudicial. Por exemplo, se não deixa que os outros saibam que o que eles disseram magoou-o, eles estão propensos a continuar a fazer exatamente o que fizeram, continuando a magoá-lo. Tipicamente, a principal causa dos outros infligirem dor emocional em nós, deve-se à baixa sensibilidade ou consciência para perceberem a nossa vulnerabilidade emocional. O mesmo pode acontecer de nós para os outros. Talvez, nem sempre, mas na maioria das vezes os nosso motivos ou os dos outros não são maus ou vingativos.
Consequentemente, se nós realmente queremos fazer os outros mais sintonizados com a nossa vulnerabilidade emocional, precisamos manifestar e expressar fisicamente e verbalmente os nossos sentimentos. Finalmente, não podemos mais culpar os outros pela sua insensibilidade em relação a nós. O seu nível de sensibilidade corresponde ao seu estado de desenvolvimento atual. E assim, em última análise, é nossa responsabilidade ajudá-los a tornarem-se mais conscientes e sensíveis aos nossos sentimentos. Se não estivermos dispostos a praticar a honestidade emocional e revelar a nossa vulnerabilidade, os outros nunca podem ser capazes de cultivar a empatia e apoio que desejamos deles. Sem dúvida, se nós queremos que os outros façam todos os esforços para compreender melhor o nosso estado emocional, eles precisam do nosso feedback e orientação, muito mais do que remetermo-nos ao silêncio ou chantagem emocional.
Ainda assim, a menos que sejamos capazes de desenvolver uma elevada consciência emocional e consequente força emocional, na ausência de garantia externa ou reconfortante sobre a expressão das nossas emoções a outras pessoas, provavelmente pode não ser sustentável para nós, voluntariamente divulgar os nossos sentimentos. Para expressarmos a nossa dor emocional, sem cairmos numa mentalidade de vítima, é absolutamente fundamental e determinante que estejamos cientes e firmes que temos dentro de nós tenacidade mental que nos permite expressar sentimentos dolorosos de forma segura.
Certifique-se que reteve a noção de que:
§  Os sentimentos e emoções dolorosas são uma parte essencial de quem somos.
§  Expressar a dor emocional e consequentes emoções não nos vitimiza, a não ser que nos deixemos afetar pela reação dos outros.
§  Estamos agora capazes de considerar os nossos sentimentos como válidos, independentemente de qualquer resposta de outra pessoa.
Abraço.

AUTOR MIGUEL LUCAS

Licenciado em Psicologia, exerce em clínica privada. É também preparador mental de atletas e equipas desportivas, treinador de atletismo e formador na área do rendimento desportivo.


Nenhum comentário:

PELO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA Se Guilherme de Almeida escreveu 'Raça', em 1925, uma obra literária “que tem como tema a gênese da na...