A
fome, sede e as perdas agrícolas enfrentadas, anualmente, por quase 20
milhões de brasileiros que vivem no Semiárido nordestino, poderiam ser
evitadas se existisse um programa de abastecimento de água para a região
nos mesmos moldes do Programa Luz para Todos.
O defensor da
proposta, João Abner Guimarães Júnior, especialista em recursos hídricos
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), garante que o
novo sistema solucionaria, inclusive, os impactos agravados em anos com
estiagem mais prolongada como o atual.
As cidades nordestinas
estão enfrentando desde o último mês de janeiro uma das maiores secas
dos últimos 30 anos. As previsões meteorológicas indicam que as chuvas
só devem cair no Semiárido a partir do ano que vem.
"Tem água
para consumo humano e animal, tem água sobrando. Tem estoques de água
suficiente para atender plenamente, mesmo nesta época como agora. São 10
bilhões de metros cúbicos armazenados na região acima do Rio São
Francisco, em grandes reservatórios", detalhou Abner. Segundo ele, um
sistema adutor com capilaridade seria suficiente para atender a toda a
demanda local, comprometendo menos de 20% da disponibilidade hídrica dos
reservatórios.
Ao apresentar dados de armazenagem de água no
Nordeste, durante audiência pública da Comissão de Meio Ambiente da
Câmara dos Deputados sobre o problema da seca na região, o pesquisador
destacou que o Semiárido brasileiro é um dos sistemas ambientais mais
chuvosos do mundo, mas o acesso à água não está democratizado.
"Os
cerca de 60 mil açudes que têm hoje no Nordeste ficam lá, sendo
reservados para consumo humano. Enquanto isso, 95% da água se perde em
evaporação. Na hora que tiver um sistema integrado que traga água [das
grandes barragens] para o abastecimento humano, você libera os pequenos
açudes para a produção de feno", disse, ao criticar a falência do
sistema de abastecimento da região.
"A solução para o período de
vacas magras tem que passar pelo aproveitamento do período de vacas
gordas. Seria o [programa] água para todos, que representaria uma
revolução também para a agricultura. Isso custaria cerca de R$ 20 por
ano, por habitante. É um custo menor do que o custo do carro-pipa. É um
terço do valor da transposição do Rio São Francisco", afirmou.
A
situação do Semiárido nordestino, segundo os especialistas, reflete
falhas do cenário nacional. O Brasil concentra a maior parte da água
escoada no mundo, mas enfrenta problemas de má distribuição: 72% estão
na Região Amazônica; 19% no Centro-Oeste; 6% no Sul e Sudeste; e apenas
3% no Nordeste.
João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim
Nabuco, lembrou que em períodos de estiagem mais intensas, metade da
população local sofre com a seca e fome. "Oitenta por cento das secas do
Nordeste ocorrem no miolão da região. E a seca não é por falta de água,
mas pela má distribuição dessa água", criticou.
Segundo ele, a
solução para o problema da seca deve ser baseada em medidas de convívio
com as condições climáticas características da região. Para Suassuna não
serão grandes obras que apontarão o fim do sofrimento da população
afetada. As barragens instaladas na região Nordeste têm potencial de
armazenagem de 37 bilhões de metros cúbicos.
"Mas não tem uma
política para captar essa água e levar para quem precisa", criticou. "Há
18 anos sou contra a transposição [da Bacia do Rio São Francisco]
porque vai chegar onde já é abundante. Vai abastecer represas nas quais
as populações no entorno estão passando sede. Esta população vai
continuar sofrendo com a seca e sendo abastecida por caminhões-pipa,
mesmo depois da transposição".
No Ceará, por exemplo, as 8 mil
represas poderiam armazenar 18 bilhões de metros cúbicos, segundo
Suassuna. Pelas contas do pesquisador, apenas o Açude Castanhão, a maior
barragem do Nordeste, seria capaz de atender a todas as cidades
cearenses. A capacidade de aproveitamento do recurso também está acima
das expectativas nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e
Pernambuco.
Fonte: Agência Brasil