Yuno Silva - Repórter
Há
tempos Nei Leandro de Castro comunga na seara da literatura erótica.
Nada de meias palavras ou escrachos, o escritor vai direto ao ponto sem
entregar o jogo de bandeja; sempre com a intenção de instigar a libido,
os desejos e instintos – dos mais baixos aos mais nobres. Para ele não
existe fronteira palpável entre erotismo e pornografia: “Quando me fazem
essa pergunta cito Oscar Wilde, que afirmava não existir livro
pornográfico e sim livros mal escritos”, disse ao VIVER. Potiguar
radicado há décadas no Rio de Janeiro, poeta, autor de contos e
romances, Nei Leandro está em Natal para lançar o livro “Pássaro sem
sono” (Jovens Escribas) nesta quinta-feira, a partir das 18h, no Solar
Bela Vista.
Alberto LeandroSem
entrelinhas ou escrachos, Nei Leandro de Castro faz novo voo pela
literatura erótica em Pássaro sem sono, reunião de contos escritos pelo
autor, a partir de 1995. A obra, cujo lançamento é hoje no Solar Bela
Vista, sai com o selo Jovens Escribas
O livro, compilação que
reúne pouco mais de uma dezena de contos escritos a partir de 1995, ano
em que Nei Leandro foi premiado em concurso nacional de contos eróticos
promovido pela revista Playboy com o texto “Nossa semelhança com os
deuses” (que também integra o novo livro), traz textos maliciosos
ambientados na capital carioca. Diferente da prosa, que bebe na fonte
regionalista, seus contos são extremamente urbanos e “puramente de
ficção” – garante o autor, sempre lembrado pelo título “As Pelejas de
Ojuara”, originalmente publicado em 1986 e adaptado para as telas de
cinema em 2007.
Alberto LeandroDiferente dos romances, seus contos captam a urbanidade
“Faz
tempo que escrevo contos, porém sem tanta frequencia”, confessa Nei
Leandro de Castro, que selecionou os mais significativos para integrar
“Pássaro sem sono”. O título, por sinal, faz referência a personagem
presente em um dos contos: um motorista conhecido por ‘Tetéu’, outro
nome do Quero-quero, ave conhecida por dormir pouco ou quase nada.
“Escrevo aos poucos, e até que poderia ter aproveitado melhor a
repercussão do prêmio da Playboy”, avalia o autor, que concorreu com
outros 1,2 mil escritores, entre eles Lígia Fagundes Teles e José
Castello. “Tenho uma tendência ao erotismo, principalmente na poesia”,
explicou Nei Leandro.
Ele disse não haver preferências, gosta de
todos, e destaca o premiado “Nossa semelhança com os deuses”, que relata
a trajetória de um assassino em série que sai ‘à caça’ de suas vítimas
movido pelo tesão (ver trecho transcrito).
Sobre a recente
retomada do interesse em torno da literatura erótica, sobretudo a partir
do lançamento do best seller “50 Tons de Cinza” em 2011, da escritora
inglesa Erika Leonard James, cuja principal audiência são as mulheres, o
potiguar percebe que o fato deve ser visto a partir da redução do
conservadorismo imposto pelo machismo. “Particularmente acho uma
porcaria o ‘50 Tons de Cinza’, mas não posso negar que a reboque do seu
sucesso surgiram uma nova leva de autores da literatura erótica. Não
conheço muitos autores, mas o mercado está receptivo”, avalia Nei
Leandro, com um distanciamento seguro de quem não se deixa influenciar
por modismos.
ServiçoLançamento
do livro “Pássaro sem sono” (Jovens Escribas, R$ 30), de Nei Leandro de
Castro. Hoje, a partir das 18h, no Solar Bela Vista.
Conto premiadoNossa semelhança
com os deuses
Trecho do conto “Nossa semelhança com os deuses”, premiado em 1995, em concurso realizado pela revista Playboy.
“Cinqüenta
e cinco anos de idade, viúvo há oito meses, aposentado, sem filhos e
sem amigos. Eu tenho pensado na vida e na morte enquanto percorro as
margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, vendo passar por mim corpos
perfeitos, bundas docemente empaladas em bicicletas, torsos gregos
melados de suor. Aqui outrora retumbaram hinos, como dizia um bêbado
chato, depois do terceiro chope no Bar Lagoa. Nos meus momentos de
depressão, pensei às vezes em encher os bolsos de pedras e, numa
homenagem a Virginia Wolf, desaparecer nas águas pesadas de lodo, de
onde emergem savelhas em surtos de asma.
O desejo sexual é o que
me mantém vivo, para cobiçar cada vez mais as mulheres que rondam a
Lagoa. Andei tantas vezes em volta desse espelho d’água, e tanto me
deslumbrei com os triângulos estufados nas calças de jogging, e tanto me
excitei com as bundas exibidas e com os seios de mamilos eriçados,
pontas de lança sob blusas brancas, que desisti de carregar pedras nos
bolsos, e terminei por aceitar que a vida não é uma sucessão de tédio e
ansiedade. O sexo, Virgínia, vale uma missa.”
Sobre o livro “Pássaro sem “sono”O
conto é um dos mais fascinantes estilos literários. Segundo Julio
Cotazar, o que difere um romance de um conto é que no primeiro se vence
por pontos, enquanto num conto, a vitória é por nocaute. Inapelável.
Talvez tenha sido a sede de tornar-se vitorioso em outra seara que
incentivou Nei Leandro de Castro, autor de tantos e memoráveis romances,
a arriscar-se no terreno das narrativas breves e nos brindar com os
contos deste “Pássaro sem sono”.
Nas histórias aqui reunidas, um
ponto em comum: o erotismo. É a sensualidade utilizada como importante
recurso a estabelecer tensão entre os personagens. O termo “erótico” vem
do grego (Erotikós) e significa “relativo ao amor ou inspirado por
ele”. O erotismo expressa, portanto, a naturalidade do desejo sexual,
conforme pode-se notar nas histórias aqui reunidas. Nelas, o desejo, a
vontade, os impulsos incontidos de cada um não são gratuitos, mas partes
de um enredo que transmite valor literário às histórias magistralmente
contadas pelo autor.