sábado, 26 de julho de 2014

EU...TU
Eu sou doçura,
Mas o mel és tu
A imagem é minha,
Mas a cor é dada por ti
A flor sou eu,
Mas tu és a fragrância
Eu sou felicidade,
Mas a razão és tu...

Fátima Porto

quinta-feira, 24 de julho de 2014

POETISA PRODUZ CORDEL HOMENAGEANDO CHIQUINHO DOMINGOS



Parabenizamos a professora Luzia Aires que num rompante de lirismo 
poético produziu um folheto em cordel homenageando Chiquinho 
Domingos, um artista da nossa terra falecido recentemente. Sendo 
referenciado amanhã pelos companheiros da arte musical num diversificado 
sarau de reconhecimento que marcará a importância da presença de 
Chiquinho no convívio artístico do município e região. 
Agradecemos antecipadamente aos idealizadores deste tributo pelo 
desprendimento de organizar tão especial evento, trabalhando 
incansavelmente para que o "Tributo á Chiquinho" ocorra com absoluto 
sucesso. 

Desde o inicio ao tomar conhecimento desta saga cultural, nos dispomos a 
contribuir com a difusão da publicidade, levando aos mais distantes ricões do 
planeta, através do nosso blog a feliz ideia que deverá prosperar a cada ano. 
Todavia, lamentamos sem polemizar com ninguém a insensibilidade de quem 
não se doou para o tributo e fica de forma deselegante querendo entravar
o belo e honroso gesto de quem se abnegou para tal acontecimento. 

Estamos solidários aos idealizadores e incentivadores do tributo, com 
certeza amanhã, o Museu Zulmira Bezerra de Siqueira e sua área 
externa ficará pequena pra receber os participantes de tão grandiosa 
homenagem.
Por fim parabenizar a sensibilidade administrativa da secretaria de 
educação municipal em apoiar logisticamente, cuidando em tempo 
record das providências colaterais do que precisou a equipe de 
organização, preservando o espaço da cidade histórica e o próprio 
museu de um melhor visual.

quarta-feira, 23 de julho de 2014


CAICÓ

Em Caicó, Sexta-Feira, 19/7, sessão solene da Câmara dos Vereadores daquela terra seridoense, entrega de título de cidadão caicoense a meu conterrâneo e amigo Bel. Francisco de Souza Júnior pelos seus serviços prestados aquele importante município potiguar quando ele, Júnior, auxiliar de governo (Industria e Comércio), bem como o deputado estadual (Futuro federal) Walter Alves pelos relevantes serviços prestados a Caicó e sua gente. Na fotografia, da esquerda: Prefeito de Caicó Roberto Germano, Souza Júnior, Walter Alves e Fernando Caldas candidato a deputado estadual/PSC. Fica o registro.
Foto: Em Caicó, Sexta-Feira, 19/7, sessão solene da Câmara dos Vereadores daquela terra seridoense, entrega de título de cidadão caicoense a meu conterrâneo e amigo Bel. Francisco de Souza Júnior pelos seus serviços prestados aquele importante município potiguar quando ele, Júnior, auxiliar de governo (Industria e Comércio), bem como o deputado estadual (Futuro federal) Walter Alves pelos relevantes serviços prestados a Caicó e sua gente. Na fotografia, da esquerda: Prefeito de Caicó Roberto Germano, Souza Júnior, Walter Alves e Fernando Caldas candidato a deputado estadual/PSC. Fica o registro.

“Só nos dão o osso” – entrevista com Ariano Suassuna

junho 16, 2009 14:59

No aniversário de 82 anos do escritor, reveja conversa realizada com ele em 2005

Por Renato Rovai e Felipe Mazzoni

Em meio a celebridades festejadas pela mídia como Salman Rushdie, Jô Soares e o “ideólogo” Arnaldo Jabor, ele brilhou sozinho. Sua palestra, que ele prefere chamar de aula, foi de longe a mais concorrida da 3ª Festa Literária Internacional de Paraty, realizada no mês passado. Não apenas na sala do evento, mas do lado de fora e próximo ao telão que transmitia sua fala, Ariano Suassuna, aos 78 anos, completados no último dia 3 de agosto, hipnotizava as pessoas que se aglomeravam para ouvi-lo.
Entre estas pessoas estava João Filho, baiano de Bom Jesus da Lapa. O jovem de 30 anos também chamou a atenção do público presente em Paraty e começa a se firmar como uma das promessas da literatura brasileira. Com seu livro Encarniçado, lançado no ano passado, João apresenta ao público um novo e original estilo de narrativa, oralizado, lembrando um pouco a cultura popular do Nordeste. Fórum convidou os dois escritores para estabelecer um diálogo entre duas gerações de artistas com estilos distintos, mas origens semelhantes. Acompanhe abaixo trechos da instigante conversa entre Ariano Suassuna e João Filho.
João Filho — Como o senhor, eu também sou entusiasta do Dom Quixote. (Ariano Suassuna tinha tratado de Dom Quixote em boa parte da palestra — que ele prefere chamar de aula — que ministrara na Flip um pouco antes da entrevista).
Ariano Suassuna – Que maravilha!
Fórum – Seu Ariano, em muitos textos seus e também no Auto da Compadecida, muitos trechos que o senhor utiliza são de cantorias e de literatura de cordel. Fale um pouco dessa sua profunda relação com a cultura popular da sua região.
Ariano Suassuna – Assisti ao primeiro cantador quando ainda era menino lá na minha terra, em Taperoá, sertão da Paraíba. E naquele dia participava um grande cantador, chamado Antonio Marinho, que, além dos improvisos, cantou um folheto, escrito por ele, que me causou grande impressão. Depois, me lembro de um dia na biblioteca de meu pai. Ele era um grande leitor, sabia versos de cor e era amigo de um escritor cearense chamado Leonardo Motta, que foi um dos pioneiros da documentação sobre os poetas populares. E lembro que estava olhando a biblioteca de casa e vi que ele tinha dedicado um dos seus livros ao meu pai. Dedicou a seis pessoas, entre as quais o meu pai, que é citado como uma das fontes que comunicaram versos a ele. Então, você imagine o orgulho que eu tinha. Eu na biblioteca, pego aquele livro e meu pai está lá como personagem. Foi aí que comecei a ver que aqueles cantadores, que eu tinha ouvido com tanta alegria, eram assunto de livros, que o que eles faziam eram coisas importantes. Ficou sacralizado pra mim o cantador. Não é por acaso, talvez, que quando fui escrever O Auto da Compadecida me baseei em três folhetos. Estão todos os três citados no livro de Leonardo Motta. Foi O Enterro do Cachorro, de Leão de Gomes de Barros, O Cavalo que Defecava Dinheiro, que também acho que é dele, e o Castigo da Soberba, que é dado como de autoria de dois autores folclóricos, Anselmo Vieira de Souza e Silvinho de Pirauá. Eu me baseei nesses três folhetos para fazer o Auto da Compadecida.
Fórum – O que o senhor acha que poderia ser feito para que a cultura brasileira fosse melhor trabalhada nas salas de aula, na educação formal?
Ariano Suassuna – Olhe, não sou muito bom nisso, não. Esse é mais um assunto de educador e de sociólogo, sou um escritor. Por acaso me interesso por esse tipo de coisa, mas não sei exatamente o que se pode fazer. Mas uma coisa eu sei, se os meios de comunicação de massa dessem um pouco mais de audição para a nossa cultura isso ajudaria muito.
João Filho – Eu sou de Bom Jesus da Lapa (interior da Bahia) e também venho dessa tradição. O cordel também está muito vivo em mim, quando começaram a ler meu texto me falaram que ele tinha uma ligação muito forte com rap e eu disse que não. Com o rap não, tem com o repente…
Ariano Suassuna – Achei muito bom você falar nisso, porque outro dia assisti colocarem para uma disputa um rapista com um repentista. Mas esse rapista levou uma pisa, uma surra tão grande, que fiquei com pena dele. Vou dizer uma coisa: os repentistas têm uma presença de espírito tão grande, uma riqueza dentro deles tão grande, que faz a diferença. Já o rap não é uma coisa brasileira, é americana, uma coisa de importação, uma deformação. Eu estou habituado a ver o improvisador, mas sempre me surpreendo.
Fórum – Mesmo que você já tenha ouvido uma glosa (*1), por centenas de vezes ela parece sempre nova.
Ariano Suassuna – É que ainda tem o improviso. Uma vez dei um mote a um cantador, “a vida venceu a morte”. Olhe, que não é fácil, né? E foi glosado no momento, porque quem deu o mote fui eu. Veja o que ele me faz:
Na vida material, cumpri o sagrado destino,
O filho de Deus divino, nos deu glória espiritual,
Deu o bem tirou o mal, livrando-nos da má sorte,
Pai de seu suplicio forte, como o maior dos heróis,
Morreu para dar vida a nós, a vida venceu a morte.
João Filho – É uma décima, né?
Ariano Suassuna – É uma décima , exatamente. É uma beleza. Outra vez estava apresentando cantadores. Era a primeira vez que eu apresentava cantadores, no Recife, no Teatro Santa Isabel. Tinha 19 anos e por acaso estavam uns estudantes que começaram a ficar meio enciumados. Eram de fora e eles por ciúme resolveram participar. E fizeram o que hoje se chama de happening, uma performance. Um deles ficou com as mãos nos bolsos e o outro ficou por trás. O de cá discursava e o de lá fazia gestos; quando ele terminou o público aplaudiu educadamente. Mas aí quando os cantadores retomaram, eles estavam cantando um estilo de sextilha (*2) que se chama gemedeira, porque diz “ai, ai, meu Deus” antes da última estrofe. Aí, Lourival Batista, que era um desses cantadores, disse:
João Filho – Ele é um gigante…
Ariano Suassuna – Pois é, ele disse, deixe me ver se eu me lembro da estrofe:
O de trás dava banana,
O da frente discursava,
Quanto mais um se“ inxiria”,
Mas o outro se encostava.
Atrás ainda tinha um jeito,
Ai, ai, meu Deus,
Na frente é que eu não ficava.
(risos).
João Fillho – Tem uma diferença do rap com o repente, que é a riqueza da forma do repente. Não é fácil usar sextilha. A décima é ainda mais complicado…
Ariano Suassuna – O pessoal que não conhece a poética não sabe, mas a décima é uma estrofe com dez versos de sete sílabas. O primeiro verso tem de rimar com o quarto e o quinto, o segundo tem de rimar com o terceiro, o sexto e o sétimo têm de rimar com o décimo e o oitavo, com o nono, quer dizer, você tem de improvisar e fazer essas rimas tudo ali, na hora.
João Filho – É algo que parece impossível, né?
Ariano Suassuna – Uma vez estava assistindo a uma cantoria num lugar chamado Santa Luzia de Sabuji e na frente da cantoria estava um camarada, um tal de seu Joventino, com um 38, um revólver desse tamanho aqui, e um cantador quando dá um mote que ele não glosa ele se considera desmoralizado. Então estava um cantador chamado Heleno Belo, estava lá glosando os motes, aí um camarada, um inimigo da humanidade, um camarada que estava lá atrás, abaixou e gritou: seu Joventino é ladrão. Que era pra ele glosar.
João Filho – Isso é a morte…
Ariano Suassuna – É a morte, rapaz. Aí ele com uma baita presença de espírito, disse:
Só deixando de glosar,
embora seja um defeito,
quem glosa fica sujeito,
a ferir ou melindrar,
agora eu vou me arriscar,
ofendendo ao cidadão,
que com calma e educação,
podia ser meu amigo,
você diz, mas eu não digo,
seu joventino é um ladrão.
(risos)
Fórum – A cultura popular, e o repente mais especificamente, tem perdido espaço no Nordeste?
Ariano Suassuna – Eu já vi muita gente ir lá para o Nordeste profetizar o fim do repente. E já vi muitos dos que profetizaram irem embora para o outro lado e o repente continuar lá. Agora, evidentemente, com a falta de atenção que se tem aqui no Brasil, é difícil. Mas hoje mesmo existem grandes cantadores por lá, grandes improvisadores, grandes repentistas
João Filho – Tem um poeta de São Paulo, o Glauco Mattoso, que pegou a forma do repente e está fazendo repente de muita qualidade, só que urbano. Mas não perdeu a forma.
Ariano Suassuna – Não tem problema de ser urbano, é a mesma coisa.
Fórum – Antes da entrevista estávamos conversando um pouco a respeito da aula do senhor e ela é a demonstração de que não é um anseio da população abrir mão de sua tradição, de sua cultura. A prova de que não é, é que a aula do senhor foi a mais concorrida, a mais aplaudida e a que teve a maior fila para autografar um livro nesta Flip.
Ariano Suassuna – Olha, meu amigo Capiba, que era um grande compositor, uma figura extraordinária, ficava indignado quando diziam que cachorro gosta de osso. Ele dizia, só dão osso ao cachorro, depois dizem que ele só gosta de osso. Ele adora comida como todo mundo. Ele dizia, bote um osso e bote um filé para ver qual é que ele escolhe. Agora não estão deixando a juventude brasileira entrar em contato com o filé. Só estão lhes dando osso.
Fórum – E o senhor atribui isso principalmente aos meios de comunicação?
Ariano Suassuna – Às vezes as pessoas pensam que sou contra a televisão. Digo, não, sou contra é o modo como a estão fazendo. A televisão é uma coisa maravilhosa, mas o que tem de arte ali é muito pouco. Tem noticiário, entretenimento, negócio e só de repente aparece uma obra de arte. Em geral, eles só mostram o que não presta e depois fazem uma enquete e perguntam: o que o senhor acha dos programas? E as pessoas dizem que gostam do que não presta. Claro, eles só vêem o que não presta.
Fórum – Da adaptação do Auto da Compadecida o senhor gostou bastante.
Ariano Suassuna – Gostei muito, tenho muita sorte. Antes do Auto da Compadecida, eu tive duas peças encenadas na televisão, por Luis Fernando Carvalho, que é um diretor que admiro muito. Ele adaptou duas peças minhas, A Fada da Boa Preguiça e uma Mulher Vestida de Sol. Dois espetáculos belíssimos. E gostei muito da adaptação do Guel (Arraes) também, do Auto da Compadecida.
João Filho – Voltando ao começo, quero lhe agradecer uma coisa, de o senhor falar tanto a respeito do Dom Quixote e da leitura clássica. Sabe, eu lá longe, em Bom Jesus da Lapa, às vezes fico me sentindo muito só, me achando meio arcaico. Fico lá lendo Quixote e clássicos e escrevendo minhas coisas e me sinto longe. Mas com essa sua aula de hoje e agora vendo essa entrevista, lavei a alma…
Ariano Suassuna – Fico muito contente, até porque Cervantes não é arcaico nem nunca será. Aquele ali é contemporâneo, eterno e será sempre para todas as gerações. E o Quixote ainda hoje é romance de vanguarda. E vai ser até o fim dos tempos. E esses que querem olhar pra ele por cima do ombro, não vão longe. Nunca vão chegar lá.
Fórum – Dom Quixote tem um peso mais próximo da Ilíada, de Homero. É algo mais clássico. Dá para dizer que é mais algo de um pensador do que um romance de fato.
Ariano Suassuna – Eu concordo.
João Filho – E o senhor sempre defende que é necessário sonhar, como o Dom Quixote, né?
Ariano Suassuna – Eu acho, claro. O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.
Fórum – Um dos seus grandes sonhos era que a esquerda chegasse ao poder no Brasil, não é verdade? Como o senhor está avaliando o governo Lula?
Ariano Suassuna – A esquerda não chegou ao poder, a esquerda chegou ao governo, que é outra coisa muito diferente. Isso ainda vai demorar muito, se é que vem. É outra coisa. Vocês se lembram daquilo que eu disse hoje a respeito de meu pai. Meu pai viveu um drama, né? Porque ele tinha essa vocação política, que graças a Deus não tenho. E imagino as decepções e o sofrimento que ele passou. E estou vendo Lula na mesma situação. Quando falei de meu pai na aula de hoje, estava fazendo uma referência a Lula. (Na palestra que realizou antes da entrevista, Ariano contou que seu pai era político e idealista, mas sofreu muito no poder por ter de lidar com aqueles que usam o poder público para interesses particulares.) Você imagine que desgosto Lula não está, porque ele é um homem honrado.
Fórum – Mas o senhor considera que é possível um partido de esquerda chegar ao poder e não ao governo, como o senhor disse, disputando dentro da lógica capitalista?
Ariano Suassuna – Vocês têm razão, acho que não. A tendência é esse povo acabar sempre sendo vitorioso, porque eles é que valem e correspondem às coisas mais baixas, ao interesse, ao egoísmo, coisas desse tipo. E nós, nós pensamos em uma idéia de justiça, coisa assim. É difícil, é difícil.
Fórum – O senhor considera o Lula uma figura quixotesca?
Ariano Suassuna – Veja que engraçado, uma vez eu estive num ato público de apoio a Lula e um amigo, de quem gosto muito, ao ver meu retrato com Lula, disse que era Dom Quixote e Sancho. Eu seria Dom Quixote e Lula seria Sancho, porque o Lula é baixinho e gordinho (risos)… Bom, aí eu disse, pode até ser, porque quando chegou a hora de dar o governo da ilha, Dom Quixote deu a responsabilidade a Sancho, que fez um bom governo. O político era Sancho. Mas, mesmo assim, depois de um desgosto muito grande, ele terminou saindo, quando descobriu o que tinha ao redor. Ele saiu e foi chorar com o jumento. Eu acho que Lula está mais ou menos nessa situação. Acho que ele já está chorando com o jumento.
Fórum – Nesse caso, quem seria o jumento?
Ariano Suassuna – Olha, não sei. O jumento é uma figura fraterna junto de Sancho… Existe um padre, uma pessoa muito boa do Recife, padre Daniel Lima, e ele uma vez fez uma conferência, e disse que Dom Quixote representava o sol, a generosidade e a justiça. E que Sancho era a burguesia. Eu disse não, não é. Sancho é o povo, o povo espanhol. O que representa alguma coisa que se pode dizer burguesia são aqueles proprietários espancadores, aqueles que ficam zombando de Dom Quixote e de Sancho, fingindo. Até fingem que dão a ilha a eles, o que não é verdade. E os dois acreditam. Esses é que são a burguesia. Pois bem, pronto, essas figuras que ficam cercando o Lula, representam esse povo, os espancadores. Infelizmente é isso. Agora, imagino o desgosto e a surpresa de Lula ao descobrir isso. Eu que estou aqui mais longe, estou com vergonha. Você, imagine ele. É a primeira vez que um filho pobre do Brasil real chega ao governo e passa um desgosto desses.
João Filho – Acho bonito que suas idéias, sua defesa cultural esteja influenciando gente mais nova lá de Pernambuco. O Antônio Nóbrega é um deles, não é verdade?
Ariano Suassuna – Nóbrega foi meu companheiro desde o Quinteto Armorial (*3). Quer dizer, desde que eu era diretor do departamento de extensão cultural da universidade. Foi aí que ele começou. Ele e o Antonio Madureira, que era o coordenador do quinteto, um senhor músico.
Fórum – E com o movimento Mangue Beat, o senhor teve alguma relação?
Ariano Suassuna – Tive, mas olhe bem, eu inclusive….
Fórum – Esse beat no nome complica, né? (risos)
Ariano Suassuna – Pois é, o líder deles, eu gostava muito, o Chico. Ele chegou junto de mim dizendo, mestre, ele me chamava de mestre, e me disse que era um armorial. E respondi, então por que você se chama Chico Science? Eu dizia a ele: gosto muito da sua parte Chico, mas com a sua parte Science eu não quero negócio não (risos.) Mude o nome para Chico Ciência que eu subo com você no palco.
João Filho – E o Cordel do Fogo Encantado?
Ariano Suassuna – Outro dia o líder do Cordel disse que eles começaram a se reunir depois que eu fui fazer o armorial lá na terra deles, em Arco Verde. Eles pegaram o touro na unha e resolveram fazer também. Agora, eu sinto falta de um movimento mais amplo. Dou muita importância ao movimento modernista porque ele deu o romance de Mário de Andrade, a poesia do Drummond, a escultura de Brecheret e Bruno Giorgi, a música de Villa Lobos. Aí eu vejo o movimento mangue, cadê a escultura de lá? Cadê o romance? É uma coisa que só pega um setor da música, acho pouco. Não tem uma amplitude, não tem um embasamento de pensamento.
(*1) De acordo com o dicionário Hoauiss, “décima (vrs) única, na qual se inclui o mote de um ou de dois versos”
(*2) Estrofe que segue o esquema de rima abcbdb
(*3): “A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus ‘cantares’, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados”. Essa é a definição a respeito do movimento dada pelo próprio Ariano Suassuna, no Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.
Quanto ao Quinteto Armorial, trata-se de um grupo formado em Recife, em 1970. Foi o mais importante grupo a criar uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares. Ligado ao Movimento Armorial, de Ariano Suassuna, o grupo era composto tanto por rabeca, pífano, viola caipira, violão e zabumba quanto por violino, viola e flauta transversal. Seus integrantes eram Antônio José Madureira, Egildo Vieira do Nascimento, Antonio Nóbrega, Fernando Torres Barbosa e Edison Eulálio Cabral. Gravaram quatro LPs até o fim do grupo, em 1980. Antônio Nóbrega seguiu carreira solo e seu trabalho mantém profundas relações com o armorial.

www.revistaforum.com.b
De Roberto Adholfo*

*Roberto Adolpho é desses baianos de boa cepa, de Salvador. Vez por outra dar-se o gosto de glosar, produzir décimas. Ele têm preferência pelos versos fesceninos, estilo Moisés Sesiom - poeta potiguar. Conheci aquela figura em 2012 quando esteve de passagem peor Natal. Vejamos o que ele me enviou ontem, 22/7, para o nosso deleite:

"Fernando, meu amigo, há quanto tempo! Posso ter estado silente por todo esse tempo, mas a sua lembrança é sempre recorrente quando folheio as relíquias com que você me presenteou, em 2012, quando nos conhecemos pessoalmente. Algumas até mesmo esgotadas e subtraídas do seu acervo pessoal. Quanta generosidade!
A razão desta mensagem é uma peça, que segue anexada, de autoria de um primo meu, Eduardo Olympio, que nos lê em cópia, e primo também de José Olympio, que você veio a conhecer quando nos apresentamos. Ontem, Eduardo me ligou para divulgar, em primeira mão, umas décimas de sua autoria, cujo mote foi uma entrevista com Ariano Suassuna, publicada na Revista Fórum em junho de 2009 (http://www.revistaforum.com.br/blog/2009/06/so_nos_dao_o_osso_-_entrevista_com_ariano_suassuna/). Cito o link para que você, além de se deliciar com o seu conteúdo, possa contextualizar a peça produzida por Eduardo.
O autor, como eu, é sazonal nas suas investidas. Mas dá para perceber o seu refinamento no trato com a coisa. São versos que denotam a fluidez e as características essencialmente nordestinas do gênero. Daí que pensei que seria uma boa contribuição para o seu prestigioso blog.
Eduardo Olympio é engenheiro eletricista, formado pela UFBa. Trabalhou na Embratel, na Telebahia e, atualmente, é Auditor Fiscal no Governo do Estado da Bahia. E, acima de tudo, um grande sujeito!
Meu amigo, um forte abraço e lembranças à sua família, que tão bem nos recebeu em Natal."

Roberto Adolpho

Eis os versos que se refere Roberto Adolpho, do poeta que por sinal, muito bem produzidos, bem como o texto da entrevista com Ariano Suassuna, conforme adiante:

:
O REPENTISTA

Eduardo Olympio da Silva Braga
21/07/2014

Que delícia de entrevista.
Copiei para guardar.
Também causou admirar
estudante ou cientista
que foi alargar a vista
na Festa de Paraty.
Relembrando Sabuji,
João Filho e Suassuna,
em conversa boa e una,
cada um falou por si.

Minha estima cordelista
Indicou-me claramente
Que o grandioso repente
É bom a perder de vista.
Nordestino repentista
Merece muito respeito.
Faz seu ofício direito,
Vive sempre em prontidão,
Trata o mote com atenção
E faz o verso perfeito.

Descreve a situação,
Provocando o sentimento,
Seja de riso ou lamento,
Com saber e precisão.
No São Pedro, São João,
Ou qualquer festa de esmero,
Constitui-se bom tempero
E atração de qualidade,
Que diverte com a verdade,
Fantasia e exagero.

As décimas e sextilhas
Integram seu repertório.
Esse poeta notório
Brinca também com setilhas,
Quadras e até redondilhas,
Precioso cabedal.
Ele é mesmo o maioral.
Assim se faça justiça,
Não se deixe em luz mortiça
Tal glória nacional.

“Só nos dão o osso” – entrevista com Ariano Suassuna


junho 16, 2009 14:59

No aniversário de 82 anos do escritor, reveja conversa realizada com ele em 2005

Por Renato Rovai e Felipe Mazzoni

Em meio a celebridades festejadas pela mídia como Salman Rushdie, Jô Soares e o “ideólogo” Arnaldo Jabor, ele brilhou sozinho. Sua palestra, que ele prefere chamar de aula, foi de longe a mais concorrida da 3ª Festa Literária Internacional de Paraty, realizada no mês passado. Não apenas na sala do evento, mas do lado de fora e próximo ao telão que transmitia sua fala, Ariano Suassuna, aos 78 anos, completados no último dia 3 de agosto, hipnotizava as pessoas que se aglomeravam para ouvi-lo.
Entre estas pessoas estava João Filho, baiano de Bom Jesus da Lapa. O jovem de 30 anos também chamou a atenção do público presente em Paraty e começa a se firmar como uma das promessas da literatura brasileira. Com seu livro Encarniçado, lançado no ano passado, João apresenta ao público um novo e original estilo de narrativa, oralizado, lembrando um pouco a cultura popular do Nordeste. Fórum convidou os dois escritores para estabelecer um diálogo entre duas gerações de artistas com estilos distintos, mas origens semelhantes. Acompanhe abaixo trechos da instigante conversa entre Ariano Suassuna e João Filho. João Filho — Como o senhor, eu também sou entusiasta do Dom Quixote. (Ariano Suassuna tinha tratado de Dom Quixote em boa parte da palestra — que ele prefere chamar de aula — que ministrara na Flip um pouco antes da entrevista).
Ariano Suassuna – Que maravilha!
Fórum – Seu Ariano, em muitos textos seus e também no Auto da Compadecida, muitos trechos que o senhor utiliza são de cantorias e de literatura de cordel. Fale um pouco dessa sua profunda relação com a cultura popular da sua região.
Ariano Suassuna – Assisti ao primeiro cantador quando ainda era menino lá na minha terra, em Taperoá, sertão da Paraíba. E naquele dia participava um grande cantador, chamado Antonio Marinho, que, além dos improvisos, cantou um folheto, escrito por ele, que me causou grande impressão. Depois, me lembro de um dia na biblioteca de meu pai. Ele era um grande leitor, sabia versos de cor e era amigo de um escritor cearense chamado Leonardo Motta, que foi um dos pioneiros da documentação sobre os poetas populares. E lembro que estava olhando a biblioteca de casa e vi que ele tinha dedicado um dos seus livros ao meu pai. Dedicou a seis pessoas, entre as quais o meu pai, que é citado como uma das fontes que comunicaram versos a ele. Então, você imagine o orgulho que eu tinha. Eu na biblioteca, pego aquele livro e meu pai está lá como personagem. Foi aí que comecei a ver que aqueles cantadores, que eu tinha ouvido com tanta alegria, eram assunto de livros, que o que eles faziam eram coisas importantes. Ficou sacralizado pra mim o cantador. Não é por acaso, talvez, que quando fui escrever O Auto da Compadecida me baseei em três folhetos. Estão todos os três citados no livro de Leonardo Motta. Foi O Enterro do Cachorro, de Leão de Gomes de Barros, O Cavalo que Defecava Dinheiro, que também acho que é dele, e o Castigo da Soberba, que é dado como de autoria de dois autores folclóricos, Anselmo Vieira de Souza e Silvinho de Pirauá. Eu me baseei nesses três folhetos para fazer o Auto da Compadecida.
Fórum – O que o senhor acha que poderia ser feito para que a cultura brasileira fosse melhor trabalhada nas salas de aula, na educação formal?
Ariano Suassuna – Olhe, não sou muito bom nisso, não. Esse é mais um assunto de educador e de sociólogo, sou um escritor. Por acaso me interesso por esse tipo de coisa, mas não sei exatamente o que se pode fazer. Mas uma coisa eu sei, se os meios de comunicação de massa dessem um pouco mais de audição para a nossa cultura isso ajudaria muito.
João Filho – Eu sou de Bom Jesus da Lapa (interior da Bahia) e também venho dessa tradição. O cordel também está muito vivo em mim, quando começaram a ler meu texto me falaram que ele tinha uma ligação muito forte com rap e eu disse que não. Com o rap não, tem com o repente…
Ariano Suassuna – Achei muito bom você falar nisso, porque outro dia assisti colocarem para uma disputa um rapista com um repentista. Mas esse rapista levou uma pisa, uma surra tão grande, que fiquei com pena dele. Vou dizer uma coisa: os repentistas têm uma presença de espírito tão grande, uma riqueza dentro deles tão grande, que faz a diferença. Já o rap não é uma coisa brasileira, é americana, uma coisa de importação, uma deformação. Eu estou habituado a ver o improvisador, mas sempre me surpreendo.
Fórum – Mesmo que você já tenha ouvido uma glosa (*1), por centenas de vezes ela parece sempre nova.
Ariano Suassuna – É que ainda tem o improviso. Uma vez dei um mote a um cantador, “a vida venceu a morte”. Olhe, que não é fácil, né? E foi glosado no momento, porque quem deu o mote fui eu. Veja o que ele me faz:
Na vida material, cumpri o sagrado destino,
O filho de Deus divino, nos deu glória espiritual,
Deu o bem tirou o mal, livrando-nos da má sorte,
Pai de seu suplicio forte, como o maior dos heróis,
Morreu para dar vida a nós, a vida venceu a morte.
João Filho – É uma décima, né?
Ariano Suassuna – É uma décima , exatamente. É uma beleza. Outra vez estava apresentando cantadores. Era a primeira vez que eu apresentava cantadores, no Recife, no Teatro Santa Isabel. Tinha 19 anos e por acaso estavam uns estudantes que começaram a ficar meio enciumados. Eram de fora e eles por ciúme resolveram participar. E fizeram o que hoje se chama de happening, uma performance. Um deles ficou com as mãos nos bolsos e o outro ficou por trás. O de cá discursava e o de lá fazia gestos; quando ele terminou o público aplaudiu educadamente. Mas aí quando os cantadores retomaram, eles estavam cantando um estilo de sextilha (*2) que se chama gemedeira, porque diz “ai, ai, meu Deus” antes da última estrofe. Aí, Lourival Batista, que era um desses cantadores, disse:
João Filho – Ele é um gigante…
Ariano Suassuna – Pois é, ele disse, deixe me ver se eu me lembro da estrofe:
 O de trás dava banana,
O da frente discursava,
Quanto mais um se“ inxiria”,
Mas o outro se encostava.
Atrás ainda tinha um jeito,
Ai, ai, meu Deus,
Na frente é que eu não ficava.
(risos).
João Fillho – Tem uma diferença do rap com o repente, que é a riqueza da forma do repente. Não é fácil usar sextilha. A décima é ainda mais complicado…
Ariano Suassuna – O pessoal que não conhece a poética não sabe, mas a décima é uma estrofe com dez versos de sete sílabas. O primeiro verso tem de rimar com o quarto e o quinto, o segundo tem de rimar com o terceiro, o sexto e o sétimo têm de rimar com o décimo e o oitavo, com o nono, quer dizer, você tem de improvisar e fazer essas rimas tudo ali, na hora.
João Filho – É algo que parece impossível, né?
Ariano Suassuna – Uma vez estava assistindo a uma cantoria num lugar chamado Santa Luzia de Sabuji e na frente da cantoria estava um camarada, um tal de seu Joventino, com um 38, um revólver desse tamanho aqui, e um cantador quando dá um mote que ele não glosa ele se considera desmoralizado. Então estava um cantador chamado Heleno Belo, estava lá glosando os motes, aí um camarada, um inimigo da humanidade, um camarada que estava lá atrás, abaixou e gritou: seu Joventino é ladrão. Que era pra ele glosar.
João Filho – Isso é a morte…
Ariano Suassuna – É a morte, rapaz. Aí ele com uma baita presença de espírito, disse:
Só deixando de glosar,
embora seja um defeito,
quem glosa fica sujeito,
a ferir ou melindrar,
agora eu vou me arriscar,
ofendendo ao cidadão,
que com calma e educação,
podia ser meu amigo,
você diz, mas eu não digo,
seu joventino é um ladrão.
(risos)
Fórum – A cultura popular, e o repente mais especificamente, tem perdido espaço no Nordeste?
Ariano Suassuna – Eu já vi muita gente ir lá para o Nordeste profetizar o fim do repente. E já vi muitos dos que profetizaram irem embora para o outro lado e o repente continuar lá. Agora, evidentemente, com a falta de atenção que se tem aqui no Brasil, é difícil. Mas hoje mesmo existem grandes cantadores por lá, grandes improvisadores, grandes repentistas
João Filho – Tem um poeta de São Paulo, o Glauco Mattoso, que pegou a forma do repente e está fazendo repente de muita qualidade, só que urbano. Mas não perdeu a forma.
Ariano Suassuna – Não tem problema de ser urbano, é a mesma coisa.
Fórum – Antes da entrevista estávamos conversando um pouco a respeito da aula do senhor e ela é a demonstração de que não é um anseio da população abrir mão de sua tradição, de sua cultura. A prova de que não é, é que a aula do senhor foi a mais concorrida, a mais aplaudida e a que teve a maior fila para autografar um livro nesta Flip.
Ariano Suassuna – Olha, meu amigo Capiba, que era um grande compositor, uma figura extraordinária, ficava indignado quando diziam que cachorro gosta de osso. Ele dizia, só dão osso ao cachorro, depois dizem que ele só gosta de osso. Ele adora comida como todo mundo. Ele dizia, bote um osso e bote um filé para ver qual é que ele escolhe. Agora não estão deixando a juventude brasileira entrar em contato com o filé. Só estão lhes dando osso.
Fórum – E o senhor atribui isso principalmente aos meios de comunicação?
Ariano Suassuna – Às vezes as pessoas pensam que sou contra a televisão. Digo, não, sou contra é o modo como a estão fazendo. A televisão é uma coisa maravilhosa, mas o que tem de arte ali é muito pouco. Tem noticiário, entretenimento, negócio e só de repente aparece uma obra de arte. Em geral, eles só mostram o que não presta e depois fazem uma enquete e perguntam: o que o senhor acha dos programas? E as pessoas dizem que gostam do que não presta. Claro, eles só vêem o que não presta.
Fórum – Da adaptação do Auto da Compadecida o senhor gostou bastante.
Ariano Suassuna – Gostei muito, tenho muita sorte. Antes do Auto da Compadecida, eu tive duas peças encenadas na televisão, por Luis Fernando Carvalho, que é um diretor que admiro muito. Ele adaptou duas peças minhas, A Fada da Boa Preguiça e uma Mulher Vestida de Sol. Dois espetáculos belíssimos. E gostei muito da adaptação do Guel (Arraes) também, do Auto da Compadecida.
João Filho – Voltando ao começo, quero lhe agradecer uma coisa, de o senhor falar tanto a respeito do Dom Quixote e da leitura clássica. Sabe, eu lá longe, em Bom Jesus da Lapa, às vezes fico me sentindo muito só, me achando meio arcaico. Fico lá lendo Quixote e clássicos e escrevendo minhas coisas e me sinto longe. Mas com essa sua aula de hoje e agora vendo essa entrevista, lavei a alma…
Ariano Suassuna – Fico muito contente, até porque Cervantes não é arcaico nem nunca será. Aquele ali é contemporâneo, eterno e será sempre para todas as gerações. E o Quixote ainda hoje é romance de vanguarda. E vai ser até o fim dos tempos. E esses que querem olhar pra ele por cima do ombro, não vão longe. Nunca vão chegar lá.
Fórum – Dom Quixote tem um peso mais próximo da Ilíada, de Homero. É algo mais clássico. Dá para dizer que é mais algo de um pensador do que um romance de fato.
Ariano Suassuna – Eu concordo.
João Filho – E o senhor sempre defende que é necessário sonhar, como o Dom Quixote, né?
Ariano Suassuna – Eu acho, claro. O sonho é que leva a gente para a frente. Se a gente for seguir a razão, fica aquietado, acomodado.
Fórum – Um dos seus grandes sonhos era que a esquerda chegasse ao poder no Brasil, não é verdade? Como o senhor está avaliando o governo Lula?
Ariano Suassuna – A esquerda não chegou ao poder, a esquerda chegou ao governo, que é outra coisa muito diferente. Isso ainda vai demorar muito, se é que vem. É outra coisa. Vocês se lembram daquilo que eu disse hoje a respeito de meu pai. Meu pai viveu um drama, né? Porque ele tinha essa vocação política, que graças a Deus não tenho. E imagino as decepções e o sofrimento que ele passou. E estou vendo Lula na mesma situação. Quando falei de meu pai na aula de hoje, estava fazendo uma referência a Lula. (Na palestra que realizou antes da entrevista, Ariano contou que seu pai era político e idealista, mas sofreu muito no poder por ter de lidar com aqueles que usam o poder público para interesses particulares.) Você imagine que desgosto Lula não está, porque ele é um homem honrado.
Fórum – Mas o senhor considera que é possível um partido de esquerda chegar ao poder e não ao governo, como o senhor disse, disputando dentro da lógica capitalista?
Ariano Suassuna – Vocês têm razão, acho que não. A tendência é esse povo acabar sempre sendo vitorioso, porque eles é que valem e correspondem às coisas mais baixas, ao interesse, ao egoísmo, coisas desse tipo. E nós, nós pensamos em uma idéia de justiça, coisa assim. É difícil, é difícil.
Fórum – O senhor considera o Lula uma figura quixotesca?
Ariano Suassuna – Veja que engraçado, uma vez eu estive num ato público de apoio a Lula e um amigo, de quem gosto muito, ao ver meu retrato com Lula, disse que era Dom Quixote e Sancho. Eu seria Dom Quixote e Lula seria Sancho, porque o Lula é baixinho e gordinho (risos)… Bom, aí eu disse, pode até ser, porque quando chegou a hora de dar o governo da ilha, Dom Quixote deu a responsabilidade a Sancho, que fez um bom governo. O político era Sancho. Mas, mesmo assim, depois de um desgosto muito grande, ele terminou saindo, quando descobriu o que tinha ao redor. Ele saiu e foi chorar com o jumento. Eu acho que Lula está mais ou menos nessa situação. Acho que ele já está chorando com o jumento.
Fórum – Nesse caso, quem seria o jumento?
Ariano Suassuna – Olha, não sei. O jumento é uma figura fraterna junto de Sancho… Existe um padre, uma pessoa muito boa do Recife, padre Daniel Lima, e ele uma vez fez uma conferência, e disse que Dom Quixote representava o sol, a generosidade e a justiça. E que Sancho era a burguesia. Eu disse não, não é. Sancho é o povo, o povo espanhol. O que representa alguma coisa que se pode dizer burguesia são aqueles proprietários espancadores, aqueles que ficam zombando de Dom Quixote e de Sancho, fingindo. Até fingem que dão a ilha a eles, o que não é verdade. E os dois acreditam. Esses é que são a burguesia. Pois bem, pronto, essas figuras que ficam cercando o Lula, representam esse povo, os espancadores. Infelizmente é isso. Agora, imagino o desgosto e a surpresa de Lula ao descobrir isso. Eu que estou aqui mais longe, estou com vergonha. Você, imagine ele. É a primeira vez que um filho pobre do Brasil real chega ao governo e passa um desgosto desses.
João Filho – Acho bonito que suas idéias, sua defesa cultural esteja influenciando gente mais nova lá de Pernambuco. O Antônio Nóbrega é um deles, não é verdade?
Ariano Suassuna – Nóbrega foi meu companheiro desde o Quinteto Armorial (*3). Quer dizer, desde que eu era diretor do departamento de extensão cultural da universidade. Foi aí que ele começou. Ele e o Antonio Madureira, que era o coordenador do quinteto, um senhor músico.
Fórum – E com o movimento Mangue Beat, o senhor teve alguma relação?
Ariano Suassuna – Tive, mas olhe bem, eu inclusive….
Fórum – Esse beat no nome complica, né? (risos)
Ariano Suassuna – Pois é, o líder deles, eu gostava muito, o Chico. Ele chegou junto de mim dizendo, mestre, ele me chamava de mestre, e me disse que era um armorial. E respondi, então por que você se chama Chico Science? Eu dizia a ele: gosto muito da sua parte Chico, mas com a sua parte Science eu não quero negócio não (risos.) Mude o nome para Chico Ciência que eu subo com você no palco.
João Filho – E o Cordel do Fogo Encantado?
Ariano Suassuna – Outro dia o líder do Cordel disse que eles começaram a se reunir depois que eu fui fazer o armorial lá na terra deles, em Arco Verde. Eles pegaram o touro na unha e resolveram fazer também. Agora, eu sinto falta de um movimento mais amplo. Dou muita importância ao movimento modernista porque ele deu o romance de Mário de Andrade, a poesia do Drummond, a escultura de Brecheret e Bruno Giorgi, a música de Villa Lobos. Aí eu vejo o movimento mangue, cadê a escultura de lá? Cadê o romance? É uma coisa que só pega um setor da música, acho pouco. Não tem uma amplitude, não tem um embasamento de pensamento.
(*1) De acordo com o dicionário Hoauiss, “décima (vrs) única, na qual se inclui o mote de um ou de dois versos”
(*2) Estrofe que segue o esquema de rima abcbdb
(*3): “A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como traço comum principal a ligação com o espírito mágico dos ‘folhetos’ do Romanceiro Popular do Nordeste (Literatura de Cordel), com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha seus ‘cantares’, e com a Xilogravura que ilustra suas capas, assim como com o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados”. Essa é a definição a respeito do movimento dada pelo próprio Ariano Suassuna, no Jornal da Semana, Recife, 20 maio 1975.
Quanto ao Quinteto Armorial, trata-se de um grupo formado em Recife, em 1970. Foi o mais importante grupo a criar uma música de câmara erudita brasileira de raízes populares. Ligado ao Movimento Armorial, de Ariano Suassuna, o grupo era composto tanto por rabeca, pífano, viola caipira, violão e zabumba quanto por violino, viola e flauta transversal. Seus integrantes eram Antônio José Madureira, Egildo Vieira do Nascimento, Antonio Nóbrega, Fernando Torres Barbosa e Edison Eulálio Cabral. Gravaram quatro LPs até o fim do grupo, em 1980. Antônio Nóbrega seguiu carreira solo e seu trabalho mantém profundas relações com o armorial.


terça-feira, 22 de julho de 2014

Natal adere à campanha do Ministério do Turismo

PARTIU NATAL_blog
A capital potiguar resolveu participar da campanha #PartiuBrasil promovida pelo Ministério do Turismo de incentivo a viagens pelo país e lança agora a campanha #PartiuNatal que tem como objetivo mostrar o que a Cidade do Sol tem de melhor. Passada a Copa e com a boa exposição da cidade entre turistas estrangeiros e das outras capitais do Brasil, Natal começa agora a campanha para promover diariamente os destinos natalenses com dicas do que se fazer pelas belas praias de norte a sul do litoral potiguar.
As peças publicitárias mostram a variedade de roteiros paisagísticos (com a diversidade de praias) e dos roteiros históricos; a gastronomia; a cultura; as curiosidades; as notícias; a receptividade dos moradores e a facilidade de acesso, pontos que contam a favor para a divulgação de Natal, além do prazer das experiências que uma viagem pode proporcionar.
O perfil Viver Natal, que envolve meios de comunicação como Facebook, Twitter e Instagram – com, respectivamente, 11.238, 1.1552 e 7,533 seguidores – irá divulgar a campanha em suas redes e convida você agora para participar também usando a hastag #PartiuNatal em suas fotos com as belas paisagens de Natal. Você turista que já conhece a cidade e tem registros daqui é uma ótima oportunidade para relembrar os bons momentos e convidar seus amigos a fazerem uma nova viagem. Para os natalenses, é a perfeita ocasião para divulgar sua terra natal e convidar o Brasil e o mundo inteiro para #ViverNatal.
Quem já apoia a iniciativa e firma uma parceria com o Viver Natal para divulgar a hashtag #PartiuNatal com as belezas da capital potiguar em suas mídias sociais é o Ministério do Turismo. Apoie você também!

 http://vivernatal.wordpress.comNatal

"ASSÚ, A CAPITAL BRASILEIRA DOS BAOBÁS




Foto: Matéria muito interessante sobre os Baobás em nossa cidade. O Tema da matéria. (Assú, a capital Brasileira dos Baobás). Matéria da revista Seridó S/A. A materia destaca que o ambientalista Horlando Mota presidente da ONG Baobà de Natal, que esse é o conjunto de árvores adultas maior do Brasil. 

Matéria muito interessante sobre os Baobás em nossa cidade. O Tema da matéria. (Assú, a capital Brasileira dos Baobás). Matéria da revista Seridó S/A. A matéria destaca que o ambientalista Horlando Mota presidente da ONG Baobà de Natal, que esse é o conjunto de árvores adultas maior do Brasil.

Do face/linha do tempo de: Adson Breno Lemos 

O NOVO LIVRO DE VALÉRIO MESQUITA

QUERES SER POETA?


 
Vai buscar inspiração
nos campos da minha terra,
Vai sentar no pé da serra,
Na sombra da catingueira,
Vai olhar o pisca-pisca
Nos olhos do vaga-lume
Vai pra sentir o perfume 
Das flores da quixabeira.

Vai olhar belas morenas,
Pra te servir de musas
Se tens promessas recusas,
Vai ouvir juras de amor,
Vai comer do mel silvestre,
Sentir a sua doçura,
Vai ver a arquitetura
Do ninho do beija-flor.

vai para o topo da serra
Para olhar o pôr do sol
Quando oculta seu farol
Forma milhões de horizontes
Se espalha a sombra na terra
Como quem sente desmaios,
Enquanto os doirados raios
Estão colorindo os montes.

Autor: Chico Traíra
- Poeta Ipaguaçuense.
 http://assunapontadalingua.blogspot.com.br/

segunda-feira, 21 de julho de 2014

TEMPO DE INFÂNCIA.
 

Do meu tempo de criança, não me sai da lembrança, os momentos que vivi. Foram momentos de esperança, que tinham muita importância, e até hoje não esqueci.
Lembro meu tempo de rapaz, quanto tempo já não faz, e me traz muita emoção. Mas hoje vivo em paz, essas lembranças me traz, muito amor no coração.
Hoje mais velho e saudoso, daquele tempo bondoso, que eu sei que não volta mais. Por mais que eu fique idoso, feito criança e dengoso, a história não volta atrás.
Tenho saudade da meninada, das brincadeiras na calçada, da velha casa de meus pais. Minha mãe me dava palmada, por minha palavra malcriada, mas hoje recordo em paz.
Andei por muitos lugares, da vida conheci os ares, mas ainda sou uma criança. Quando tu navegares, por outros tantos lares, nunca perca a esperança.
A infância que eu sinto agora , é a presença da aurora, que faz minha vida feliz. O adulto também chora, feito criança de outrora, que o brinquedo não quis.
 

Autor:Wiliame Caldas. 07/04/2013.

domingo, 20 de julho de 2014

SOU MEU TORRÃO SOU SAUDADE

Sou meu torrão sou saudade
Das noites de São João,
Das festas do padroeiro
Dos trens e da estação.

Sou meu torrão sou saudade
Da chuva e do sapo cururu,
Batata doce e carne de sol
Cachaça boa e caju.
Sou meu torrão sou saudade
Do Country Club e muito mais,
Praxedes, Heitor e a banda do 16
Tocando os velhos carnavais.
Sou meu torrão sou saudade
Da missa na matriz,
Do cinema paroquial
Do banho no chafariz.
Sou meu torrão sou saudade
Do velho pé de umbuzeiro,
Brincar de piquenique
Na sombra do juazeiro.
Sou meu torrão sou saudade
De Pedro de Elvira e seu violão,
Tocava para a sociedade
Para o rico e o povão.
Sou meu torrão sou saudade
Com vontade de voltar,
Brincadeiras de infância
Talvez quando me aposentar.
Sou meu torrão sou saudade
Da divulgadora municipal,
Chico Locutor no comando
Grande lembrança sentimental.
Sou meu torrão sou saudade
Da batida nos trilhos,
Era Luís Bambão
Chamando um de seus filhos.
Sou meu torrão sou saudade
Dos campos de futebol,
Acabou-se tudo
Até o canto do rouxinol.
Sou meu torrão sou saudade
Da sede de Antônio Clementino,
Aos sábados, Flamengo, bar e forró
Homem e mulher, só não entrava menino.
Sou meu torrão sou saudade
Do cheiro de marmeleiro,
Brincava com nota de cigarro
E galinha de pereiro.
Sou meu torrão sou saudade
Da riqueza do algodão,
Chegou a praga do bicudo
Empobreceu o nosso sertão.
Sou meu torrão sou saudade
Do grupo escolar,
No Abel Furtado
O negócio era brincar e estudar.
Sou meu torrão sou saudade
Do velho curso ginasial,
Estudava no Paulo VI
Lembrança de valor cultural.
Sou meu torrão sou saudade
Daquele que mais consultou,
Fora Jesus Cristo
Zelito foi o que mais salvou.
Sou meu torrão sou saudade
Dessas lembranças constantes
Assim fazendo cultura
Apelo para os governantes.

Marcos Calaça, jornalista matuto (UFRN).
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LITERATURA:

A Editora da Universidade Federal do RN (Edufrn) e o Instituto Federal do RN (IFRN) realizam o lançamento do livro Escafandristas do tempo: memórias e histórias de vida em São Rafael-RN, nesta quinta-feira (17) às 18h, no Auditório do Campus do IFRN-Cidade Alta, localizado na Avenida Rio Branco, nº 743, em Natal.
O evento é aberto ao público, de acordo com informação veiculada pelo portal institucional da Ufrn.
A obra é de autoria do professor Francisco das Chagas Silva Souza, que discute e rememora, com a população de São Rafael, a construção da Barragem Engenheiro Armando Ribeiro Gonçalves, que atingiu várias cidades da região, inundando a cidade.
Trata-se de uma forma de potencializar a memória coletiva, reconstruindo assim, a história de uma cidade que sucumbiu à imensidão das águas de uma barragem há quase 30 anos.
O livro é fruto da tese do professor Francisco, no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRN.
O trabalho foi orientado pela professora Maria da Conceição Xavier de Almeida.
Para a orientadora, a obra é um mergulho narrativo em águas de profundidade e temperaturas diversas; um ensaio que repõe, em parte, a natureza complexa e incerta da história como a mais antiga e universal ciência do homem.
Postado por Pauta Aberta.
Por Clênio Lins Caldas
 
O “pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade” completa nesta data 45 anos. No dia 20 de julho de 1969, um mundo de pessoas acompanhou pela televisão Neil Armstrong descer as escadas do módulo lunar da Apollo 11 e caminhar em uma paisagem lunar estéril.

Em seguida, Buzz Aldrin saltou para fora da porta e ambos se tornaram os primeiros seres humanos a pisar na Lua. Enquanto isso, o terceiro companheiro de tripulação, Michael Collins, seguiu em órbita ao redor do satélite terrestre.

Os três astronautas da missão Apollo 11, lançada em direção à Lua no dia 20 de julho de 1969, regressaram à Terra como verdadeiros heróis no dia 24 de julho.

A largada pela corrida espacial rumo à Lua foi dada pela então União Soviética, que, em 1957, enviou ao espaço o Sputnik, primeiro satélite construído pelo homem. Em resposta, os EUA lançam o seu primeiro satélite, o Explorer I, em 1958.

FB também é cultura!

Nota pessoal: guardo com muito zelo e carinho o autógrafo que obtive de Neil Armstrong, o primeiro homem a pisar na Lua, conseguido no aeroporto de Congonhas.
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Henrique conta histórias e curiosidades de sua vida em série de vídeos na internet


henrique videos
Histórias, curiosidades e momentos marcantes da vida pública e pessoal do candidato do PMDB ao governo são contados no programa ‘Henrique por ele mesmo’, uma série de mini-documentários disponíveis no site www.henriquegovernador.com.br. Orgulhoso, Henrique se gaba da época em que foi campeão de futebol de salão pelo Aeroclube. Saudoso, relembra a figura do pai dedicado à política e da mãe que lhe deu força nos momentos difíceis. Emocionado, relata o comício que não esqueceu.

Os filmes misturam o depoimento de Henrique, apresentado sempre de forma descontraída, algumas vezes com emoção, e imagens antigas e recentes dos fatos relacionados ao tema exibido. A série já conta com seis episódios. Mais programas serão exibidos ao longo da campanha. A série faz parte do rol de interatividade apresentado pelo site da campanha de Henrique Alves. Além dos vídeos, o internauta tem acesso ao blog com notícias do candidato e áudios da campanha.

Robson Pires
estou profundamente triste!!coração e alma!

SOBRE A MORTE E O MORRER,
 

Rubem Alves

O que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de
um ser humano? O que e quem a define?
Já tive medo da morte. Hoje não tenho mais. O que sinto é uma enorme tristeza. Concordo com Mário Quintana: "Morrer, que me importa? (...) O diabo é deixar de viver." A vida é tão boa! Não quero ir embora...
Eram 6h. Minha filha me acordou. Ela tinha três anos. Fez-me então a pergunta que eu nunca imaginara: "Papai, quando você morrer, você vai sentir saudades?". Emudeci. Não sabia o que dizer. Ela entendeu e veio em meu socorro: "Não chore, que eu vou te abraçar..." Ela, menina de três anos, sabia que a morte é onde mora a saudade.
Cecília Meireles sentia algo parecido: "E eu fico a imaginar se depois de muito navegar a algum lugar enfim se chega... O que será, talvez, até mais triste. Nem barcas, nem gaivotas. Apenas sobre humanas companhias... Com que tristeza o horizonte avisto, aproximado e sem recurso. Que pena a vida ser só isto...”
Da. Clara era uma velhinha de 95 anos, lá em Minas. Vivia uma religiosidade mansa, sem culpas ou medos. Na cama, cega, a filha lhe lia a Bíblia. De repente, ela fez um gesto, interrompendo a leitura. O que ela tinha a dizer era infinitamente mais importante. "Minha filha, sei que minha hora está chegando... Mas, que pena! A vida é tão boa...”
Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.
Mas a medicina não entende. Um amigo contou-me dos últimos dias do seu pai, já bem velho. As dores eram terríveis. Era-lhe insuportável a visão do sofrimento do pai. Dirigiu-se, então, ao médico: "O senhor não poderia aumentar a dose dos analgésicos, para que meu pai não sofra?". O médico olhou-o com olhar severo e disse: "O senhor está sugerindo que eu pratique a eutanásia?".
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto: uma vida nova está nascendo. Mas há dores que não fazem sentido nenhum. Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil. Qual foi o ganho humano? Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico, que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava; costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.
Um outro velhinho querido, 92 anos, cego, surdo, todos os esfíncteres sem controle, numa cama -de repente um acontecimento feliz! O coração parou. Ah, com certeza fora o seu anjo da guarda, que assim punha um fim à sua miséria! Mas o médico, movido pelos automatismos costumeiros, apressou-se a cumprir seu dever: debruçou-se sobre o velhinho e o fez respirar de novo. Sofreu inutilmente por mais dois dias antes de tocar de novo o acorde final.
Dir-me-ão que é dever dos médicos fazer todo o possível para que a vida continue. Eu também, da minha forma, luto pela vida. A literatura tem o poder de ressuscitar os mortos. Aprendi com Albert Schweitzer que a "reverência pela vida" é o supremo princípio ético do amor. Mas o que é vida? Mais precisamente, o que é a vida de um ser humano? O que e quem a define? O coração que continua a bater num corpo aparentemente morto? Ou serão os ziguezagues nos vídeos dos monitores, que indicam a presença de ondas cerebrais?
Confesso que, na minha experiência de ser humano, nunca me encontrei com a vida sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais. A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria. Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza, o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia.
Muitos dos chamados "recursos heróicos" para manter vivo um paciente são, do meu ponto de vista, uma violência ao princípio da "reverência pela vida". Porque, se os médicos dessem ouvidos ao pedido que a vida está fazendo, eles a ouviriam dizer: "Liberta-me".
Comovi-me com o drama do jovem francês Vincent Humbert, de 22 anos, há três anos cego, surdo, mudo, tetraplégico, vítima de um acidente automobilístico. Comunicava-se por meio do único dedo que podia movimentar. E foi assim que escreveu um livro em que dizia: "Morri em 24 de setembro de 2000. Desde aquele dia, eu não vivo. Fazem-me viver. Para quem, para que, eu não sei...". Implorava que lhe dessem o direito de morrer. Como as autoridades, movidas pelo costume e pelas leis, se recusassem, sua mãe realizou seu desejo. A morte o libertou do sofrimento.
Dizem as escrituras sagradas: "Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer". A morte e a vida não são contrárias. São irmãs. A "reverência pela vida" exige que sejamos sábios para permitir que a morte chegue quando a vida deseja ir. Cheguei a sugerir uma nova especialidade médica, simétrica à obstetrícia: a "morienterapia", o cuidado com os que estão morrendo. A missão da morienterapia seria cuidar da vida que se prepara para partir. Cuidar para que ela seja mansa, sem dores e cercada de amigos, longe de UTIs. Já encontrei a padroeira para essa nova especialidade: a "Pietà" de Michelangelo, com o Cristo morto nos seus braços. Nos braços daquela mãe o morrer deixa de causar medo.

Texto publicado no jornal “Folha de São Paulo”, Caderno “Sinapse” do dia 12-10-03. fls 3.

PELO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA Se Guilherme de Almeida escreveu 'Raça', em 1925, uma obra literária “que tem como tema a gênese da na...