O
velho mestre do Atheneu, de voz mansa, infexível, cautelosa fez a
história da primeira vogal no latim, grego, galego, português, nas
línguas neo-latinoas
14/11/2020 09h43
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Por: Adrovando Claro
Segundo o professor e folclorista Luís da Câmara Cascudo, o
professor “João Tibúrcio da Cunha Pinheiro” (1845-1927), ensinou Latim e
Português mais de 58 anos, na sua vida política foi liberal, chegou a
Deputado Provincial no biênio 1878-1879 sob a égide luzia de Cansanção
de Sinimbu, mas sem evidências exaltas. No Atheneu, desde 1868, mas já
ensinava antes. Seu jubileu em 1919, determinou um movimento emocional.
Verificara-se que aquele velho de cabelo meio rente na cabeça chata,
lento, gordo, bonachão, sereno, fora mestre de quase toda a gente
alfabetizada em Natal.
Aposentou-se em 1927, ano em que faleceu,
porque ensinar para ele era sinônimo de viver. Em 1928 mereceu um busto
de bronze na praça que leva o seu nome na cidade alta. Primeira
homenagem oficial e pública a um professor. Foi meu mestre de latim. Vez
por outra, aos domingos, vinha “passar o dia” em nossa chácara no
bairro Tirol. Podia perguntar e ouvi-lo dissertar sem livro, de memória,
claro e natural como água no monte. Onde fora estudar? Era autoridade
tradicional e decisiva. Ninguém dessa época consultava-no como a um
oráculo tranquilo e sem pitonisa intermediária. Devo-lhe, entre outras
lições, advertir-me contra o latim hipotético dos filólogos e as
locuções imaginadas nas explicações magistrais.
O velho
mestre do Atheneu, de voz mansa, infexível, cautelosa fez a história da
primeira vogal no latim, grego, galego, português, nas línguas
neo-latinoas. Na sua casinha na Praça das Laranjeiras, a última antes da
descida para o Passo da Pátria, em espreguiçadeira de lona, junto à
primeira janela, lia sozinho, em voz alta, os clássicos latinos nas
tarde infindáveis do verão tropical. Ia visita-lo, levando charutos
baratos (os bons tocava-os pelos pacaias), ouvir-lhe a entonação
meticulosa e sonora do latim imperial. “Tibulo está me fazendo
companhia”, dizia-me, triste e feliz.
Carlos Frederico de O. L. da Câmara - Fonte: ONTEM – memórias –Luís da Câmara Cascudo – EDUFRN – Editora da UFRN.
Eu agora saio a procurar onde de novo achar todos os meu soluços,
Todos os meus gritos, todas as minhas tempestade.
Caldas, poeta do Assu
sábado, 3 de setembro de 2022
Não chore à beira do meu
túmulo, eu não estou lá. Estou no soprar dos ventos, nas tempestades de
verão e nos chuviscos suaves da primavera. Não chore à beira do meu
túmulo, eu não estou lá. Estou no brilho das estrelas e no cantar alegre
dos pássaros. Não chore à beira do meu túmulo, eu não estou lá, eu não
morri.
Em 24 de novembro de 1941, poucos dias antes do ataque japonês à base
de Pearl Harbor, no Havaí, razão da entrada dos Estados Unidos na
Segunda Guerra Mundial, a revista norte-americana Time publicou
uma interessante matéria que apresentava os negócios da empresa de
aviação Pan American Airways, conhecida como Pan Am, no Brasil. Nessa
época a empresa construía doze bases aéreas em nosso país, sendo a
principal Parnamirim Field.
Mesmo com os Estados Unidos ainda não estando oficialmente em guerra
contra os países do Eixo, nesse texto é possível perceber que para esses
jornalistas a participação dos na Guerra já era o assunto do dia. Vemos
também a visão dos americanos em relação às relações do Brasil com os
Estados Unidos e detalhes ligados à construção da grande base de
Parnamirim, inclusive os problemas. Narra também os acontecimentos em
Parnamirim Field, inclusive pretensos casos de sabotagem, situação que
também foi comentada pelo escritor potiguar Lenine Pinto em seu livro Natal, USA (1995).
Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.
No final do texto fica evidente um recado transmitido pela revista Time
para pressionar as autoridades brasileiras a realizarem a paralisação
das atividades das empresas aéreas LATI (italiana) e Condor (brasileira,
mas de controle alemão).
Esse texto da revista Time é um retrato de um momento
delicado em nossa história. Um momento que se situa poucos dias antes da
entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra. E apenas quatro dias após
o ataque japonês a Pearl Harbor, chegaram em Natal seis hidroaviões
PBY-5 Catalina da Marinha dos Estados Unidos (US Navy), do esquadrão
VP-52, mostrando o início do total engajamento dos militares
norte-americanos em Natal.
NEGÓCIO: PAN AM NO BRASIL
Revista Time, Estados Unidos, págs. 89 a 92, Segunda-feira, 24 de novembro de 1941, Volume XXXVIII, Número 21.
A vulnerável ponta oriental do Brasil, que se destaca como um
polegar dolorido em todos os mapas da grande estratégia dos Estados
Unidos, é para uma corporação americana já uma frente de combate ativa. A
corporação: Pan American Airways.
Nessa região as linhas da Pan Am seguem paralelas às companhias
aéreas do Eixo; e lá, por ordem do governo dos Estados Unidos, a Pan Am
estava ocupada na semana passada melhorando ou construindo doze bases
aéreas.
As dificuldades no caminho da Pan Am são tão reais quanto a
guerra e não muito diferentes dela. Os homens da Pan Am confrontam
agentes, espiões e empresários do Eixo todos os dias. Um relatório de
progresso sobre a nova rede de aeroportos, que chegou a Manhattan na
semana passada, foi lido como um comunicado de guerra.
Técnicos norte-americanos papeando com trabalhadores natalenses, fazendo cena para a câmera.
As doze bases estão no Amapá, Belém, São Luiz, Camocim (Ceará),
Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e na Bahia. Sete são aeroportos para
aviões e cinco locais para serem utilizados por hidroaviões (A Pan Am
ainda está negociando outro aeroporto na Bahia.) Em cada projeto
trabalham de 500 a 800 homens.
Para um programa de construção deste porte, que requer 6.000.000
barris de emulsão asfáltica apenas para as pistas, a Pan Am (uma empresa
de transporte) não estava inicialmente equipada. Formou uma subsidiária
chamada Airport Development Program (ADP), contratou a Haller
Engineering Associates como consultora em estabilização de solos e
conseguiu que a Bitumuls of Brazil, Inc. construísse plantas para fazer e
misturar o material de revestimento.
Por deferência aos sentimentos brasileiros, não estão envolvidos
engenheiros do Exército dos Estados Unidos, mas todo o projeto foi
adiado no início por dúvidas brasileiras. Depois foi adiada pela própria
inexperiência da Pan Am, pela chegada tardia das máquinas, pelo excesso
de executivos (em Natal, por um tempo, eles superaram em número os
homens de macacão). Nenhum campo ainda está completo. Mas de agora em
diante mais atrasos serão causados pelo Eixo – como alguns já foram.
Um
Lockheed L-18 Lodestar da Royal Air Force (RAF). Fabricados nos Estados
Unidos, aviões similares so da foto passaram por Natal a caminho da
Inglaterra.
O ponto de partida para África, a Lisboa sul-americana, é Natal. Há Lodestars [1] para os britânicos, que decolam para Bathurst [2] a 1.850 milhas de distância (2.978 km). Lá, o Capetown Clipper da Pan Am [3] fez uma pausa na semana passada em um voo de teste de 18.290 milhas (29.434 km) de Manhattan a Leopoldville, no Congo Belga [4]
– um voo que em breve levará a um serviço comercial quinzenal regular.
Em Natal a Pan Am está construindo duas bases, uma para aviões
(Parnamirim), outra para hidroaviões (Rampa) [5].
Normalmente Natal é uma tranquila cidade de 56.165 habitantes, que agora está lotada e em alta. Seu hospital [6] é um dormitório para os construtores de aeroportos; seu hotel transborda de engenheiros [7],
pilotos que cruzam o Atlântico, motoristas de trator e espiões do Eixo.
Dois operadores de escavadeiras dos Estados Unidos alugaram quartos em
um bordel de alta classe, embora não gostem da comida. Eventualmente, a
Pan Am espera construir um hotel perto de seu campo, a onze esburacadas
milhas da cidade (17 km).
Avião italiano da LATI que utilizaram Natal e Recife como pontos de apoio no seu caminho para Roma.
Para a base de aviões de Natal a Pan Am está construindo duas
pistas, cada uma com um quilômetro e meio de comprimento; uma estação de
rádio; tanques de gás subterrâneos; um armazém, galpões de carga, etc.
Junto a este campo, e provavelmente mais tarde incluído nele, está outro
construído pela Air France para a sua linha aérea entre Paris e Buenos
Aires. Nesse local aviões Savoia-Marchettis da linha italiana LATI ainda
decolaram esta semana para Roma [8].
Um francês corpulento chamado Reynaud, responsável por este
campo, gosta de lembrar como os grandes hidroaviões da Air France
costumavam passar todos os dias com presentes para ele, legumes frescos
da Argentina, vinho e frutas de Dakar [9].
Desde que a França caiu, ele nem recebeu seu salário. (O chefe da Pan
Am em Natal ocasionalmente lhe dá um conto de réis ou dois). Mas ele
ainda mantém uma lona bem espalhada sobre o único avião da França em
Natal, um velho Fokker; ele corta a grama na pista; e todas as noites,
pelo rádio, ele relata “condições climáticas” para Dakar.
Aeronave
italiana da LATI aterrissando em Ibura (Recife), ou Parnamirim (Natal),
enquanto trabalhadores brasileiros trabalham para uma empresa dos
Estados Unidos.
A uma hora de Natal sobre o Atlântico, um piloto norte-americano
do primeiro grupo que transportava aviões para os britânicos em Bathurst
notou que um cilindro estava “ausente”. Ele conseguiu retornar a Natal e
pousar, embora o farol e as luzes da pista estivessem apagados, o campo
deserto. Os mecânicos descobriram uma vela de ignição muito solta,
vários fios de ignição ondulados. Desde então, as luzes do aeroporto
brilham a noite toda e os pilotos ficam duas horas vigiando seus aviões.
Uma noite, um estranho misterioso apareceu em um armazém que
guardava gasolina da Pan Am. Enviando o vigia simplório para telefonar
para o gerente, o estranho colocou perto de algumas latas de querosene
uma bomba incendiária, do tipo caneta-tinteiro da Primeira Guerra
Mundial, e depois desapareceu. O vigia descobriu o fogo, que gerou um
pequeno dano. A gasolina era necessária para as Lodestars, que em breve
partiriam para a África [10].
Avião Douglas DC-3 da Pan American Airwaysna pista do antigo Campo dos Franceses, que durante a Segunda Guerra ficaria conhecido como Parnamirim Field.
Em Recife, no extremo leste do Brasil, a ADP assumiu outro campo
da Air France, ladeado por uma estação de rádio da LATI extremamente
poderosa. Os aviões da LATI também usam este campo, quase roçando as
cabeças dos trabalhadores da ADP quando decolam e aterrissam.
Para ampliar a pista de 800 para 1.550 metros, a ADP está movendo
com mão-de-obra 120.000 metros cúbicos de solo, cortando e enchendo
pontos muitas vezes seis metros acima do nível normal.
O superintendente Fred Wohn teve problemas para obter caminhões
basculantes necessários, devido ao pequeno número existente. Um
empreiteiro alemão tinha alguns; quando Wohn tentou alugá-los para o
projeto ADP, ele recusou categoricamente. Wohn finalmente conseguiu seus
caminhões enviando um intermediário para alugá-los para um projeto
anônimo [11].
O engenheiro civil norte-americano Frederick Louis Wohn, que chegou ao Brasil no final de julho de 1941 para trabalhar em Natal.
O solo do Recife é quase areia pura, deve ser aguado para evitar
que seja levado pelo vento. De uma pedreira próxima, a argila é
transportada, espalhada sobre a base de areia em uma camada de seis
polegadas. Sobre isso vão duas camadas de três polegadas de mistura de
estabilização do solo. O resultado equivale a um bom cimento, mas é
barato, rápido e resistente ao sol equatorial.
Recentemente quatro funcionários de primeira linha da Pan Am
foram forçados a retornar em um voo de pesquisa desde o Caribe até
Natal. Eles estavam pilotando um anfíbio Grumman que exigia permissões
especiais, e o Ministério da Aeronáutica do Brasil, que é um órgão
pesado e onde alguns funcionários são simpatizantes do nazismo, se
recusou a conceder a licença de voo.
Apesar de tais obstáculos, o trabalho da Pan Am avança. Há dois
anos a Pan Am operava 35% das companhias aéreas da América do Sul; agora
opera 63%. A espionagem e a sabotagem do Eixo vão diminuir quando LATI e
a Condor fizeram as malas e partirem, como outras linhas do Eixo na
América do Sul já fizeram [12].
Esta semana a LATI. pelo menos, parecia estar em suas últimas
pernas no Brasil. Quando a Pan Am iniciar o serviço South Atlantic
Clipper, não haverá mais motivos para o Brasil tolerar o LATI.
NOTAS
[1] O Lockheed L-18 Lodestar foi um avião bimotor de transporte, desenvolvido e construído pela empresa Lockheed Corporation.
[2] Bathurst, atualmente chamada Banjul, é a principal área urbana da
Gâmbia, uma antiga colônia britânica na África Ocidental. A Gâmbia se
tornou independente em 1965 e Banjul é o centro econômico e
administrativo desse país.
[3] O Capetown Clipper era a designação de um dos doze hidroaviões
quadrimotores Boeing 314 Clipper operados pela Pan Am, que utilizavam
Natal com frequência como ponto de parada e apoio. Eles desciam no Rio
Potengi e utilizavam a base da Pan Am em nossa cidade, local que
atualmente conhecemos como RAMPA.
[4] A cidade de Leopoldville é a atual Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga.
[5] Segundo Lenine Pinto em seu livro Natal,USA, (págs. 58 e
59), o engenheiro Décio Brandão iniciou o levantamento topográfico na
área de Parnamirim em março de 1941. Também neste livro, segundo relato
do Sr. Rui Garcia Câmara, nesse mesmo mês também começou a ampliação do
que hoje é a Rampa, às margens do Rio Potengi. Anteriormente no local
havia uma pequena estação de passageiros da Pan Am.
[6] Atual Hospital Universitário Onofre Lopes, no bairro de Petrópolis.
[7] Nesse caso era o Grande Hotel, comandado por Teodorico Bezerra, no bairro da Ribeira.
[8] Os aviões Savoia-Marchetti utilizados pela empresa italiana LATI –
Linea Aerea Transcontinentali Italiana eram trimotores S-79, que
ligavam o Rio de Janeiro a Roma. Semanalmente em Natal esses aviões,
suas tripulações e passageiros pernoitavam em um local de descanso
próximo a pista de pouso de Parnamirim e realizavam a travessia do
Atlântico Sul pela manhã cedo. A empresa italiana operou até o momento
que o engajamento brasileiro foi se tornando mais forte com os
americanos e teve sua licença cassada.
[9] Dakar, ou Dacar, é a capital do Senegal e antiga capital da área
colonial da África Ocidental Francesa, possui como Natal uma posição
geográfica privilegiada e estratégica, sendo por muitos anos o principal
ponto de contato das antigas aeronaves que partiam da capital potiguar
em direção a África.
[10] Lenine Pinto em Natal,USA (pág. 155) ele comenta sobre
esse caso, mas que ele teria ocorrido em agosto de 1941, no depósito da
empresa Esso, próximo da Base Naval de Natal e esse autor tinha extremas
restrições sobre as informações referentes a esse atentado.
[11] Segundo sua ficha de imigração, Fred Wohn era na verdade o
engenheiro civil Frederick Louis Wohn, de 38 anos, que chegou ao Brasil
no final de julho de 1941.
[12] A Condor era o Sindicato Condor, ou Syndicato Condor, uma
subsidiária da empresa aérea alemã Lufthansa no Brasil. Foi uma das mais
antigas companhias de aviação do mundo, criada em dezembro de 1927.
Essa fotografia é de Vicente Maria da Costa Avelino, pai do Jornalista Pedro Avelino, avô do senador Georgino Avelino. Foi tirada em 1870 e dedicada ao Barão de Assú, Luiz Gonzada de Brito Guerra.
Publicado originalmente no site tokdehistoria.com em 25/06/2016.
Em um tempo quando o mar não trazia tanto lixo para a terra e um
vasilhame de vidro usado tinha certo valor comercial, à beira mar da
bela praia potiguar de Muriú alguém encontrou uma garrafa que continha
uma mensagem com um conteúdo diferente[1].
Típica garrafa inglesa do final do século XIX com uma mensagem.
É quase certo que quem a encontrou, em fins de novembro de 1876, não
tinha a menor ideia do que ali estava escrito, já que nessa época grande
parte dos norte-rio-grandenses era analfabeta.
É provável, como seria normal deduzir, que a pessoa que realizou este
achado fosse um pescador, mas talvez não! Apesar da comunidade de Muriú
já existir[2], a beira mar era uma ótima alternativa como via de circulação de pessoas montadas em alimárias, em carroças, ou até mesmo a pé[3].
Praia
de Muriú na atualidade. Local aprazivel, ainda com uma comunidade de
pescadores, visitado por milhares de turistas que circulam pelo local no
passeio de buggys e ótima praia de veraneio – Fonte – http://www.praiasdenatal.com.br/praia-de-muriu/
Fosse uma pessoa livre, ou um escravo que sofria nos engenhos de cana
de açúcar da região de Ceará Mirim, é provável que esta pessoa tenha
levado aquela garrafa com sua mensagem para ser lida por alguém mais
instruído. Naqueles tempos anteriores a criação de comunicação, a
descoberta deste tipo de mensagem requeria atenção e normalmente era
encaminhada a autoridades.
Sabemos que o objeto chegou lacrado no litoral, provavelmente com betume utilizado para calafetar embarcações[4],
mas não sabemos se ela foi aberta antes de percorrer as cinco léguas de
distância que separavam Muriú da pequena Natal, que neste tempo tinha
superado pouco mais de 20.000 habitantes[5].
Letras Desesperadas
Acredito que na capital potiguar a mensagem e a garrafa foram
encaminhadas às autoridades portuárias e alfandegárias, onde certamente
haveria algum funcionário afeito ao idioma bretão, pois não era incomum a
presença de barcos ingleses no porto da Cidade dos Reis.
Após aberto o recipiente surgiu uma mensagem que foi publicada na íntegra pelo pouco conhecido jornal natalense O Atalaia, na sua edição de 2 de dezembro de 1876, na página três, conforme reproduzimos na fotografia abaixo[6].
Em 29 de setembro daquele ano um tripulante, ou passageiro, escreveu
que estava a bordo de um barco inglês, que os jornalistas potiguares
designaram como “galera”, e que se chamava Collingrone. Este barco aparentemente se encontrava na costa sudoeste da África (ou “suéste”, como está descrito no texto original)[7].
Quem escreveu narrou que um “Máo tempo” tinha destruído a vela
bujarrona e outras velas do barco. Mais grave ainda era a informação de
que quatro pessoas a bordo já tinham perecido “pela febre”.
Em meio a este cenário um tanto caótico, em um texto onde a
desesperança e o medo são claros, a mensagem encontrada em Muriú é bem
direta ao apontar a objetiva finalidade do autor – Que alguém que
porventura encontrasse a missiva, a destinasse para a mãe de quem
escreveu. A destinatária seria a esposa de Mr. John Bryce, que vivia na
Fountain House, na pequena cidade de Loanhead, próximo a Edimburgo, a
capital da Escócia[9].
Pesquisando na internet descobri que Loanhead possui na sua área
algumas localidades e casas históricas que utilizam a denominação
“Fountain” (Fonte), mas não especificamente algum ponto conhecido como
“Fountain House” (Casa da Fonte).
Ao pesquisar algo sobre um certo John Bryce, ou sua esposa, que
viviam em Loanhead na metade da década de 1870, esbarrei em um
verdadeiro paredão de nomes similares, que só me levavam a becos sem
saída.
Como a edição do periódico “O Atalaia”, conforme podemos ver na foto
aqui mostrada, nada mais trazia informações sobre o tema eu fui procurar
em outros jornais da época. Infelizmente nada encontrei no material
arquivado na hemeroteca do Instituto Histórico e Geográfico do Rio
Grande do Norte, ou nos jornais potiguares digitalizados e disponíveis
na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.
A história toda era muito limitada e necessitava de novas pesquisas
para responder a vários questionamentos. Tais como a natureza deste
veleiro e quem escreveu a mensagem? Qual a nacionalidade do barco? Qual
era sua rota marítima? O que aconteceu com esta nave e o autor da
mensagem?
Mastros que poderiam chegar a alturas de um prédio de vinte andares
Pessoalmente eu tenho uma grande admiração pela Grã-Bretanha,
principalmente pelo prazer que os súditos da Rainha Elizabeth II têm
pela sua história e pelo intenso esforço que instituições britânicas
fazem para democratizar preciosas informações históricas guardadas em
seus arquivos através da internet. Assim, sem maiores contratempos, é
possível acessar os arquivos do Lloyd Register, uma organização de
classificação marítima que remonta a 1760[10].
O clipper Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au
Mas ao pesquisar neste arquivo altamente acurado não encontrei nenhuma referência sobre algum veleiro denominado Collingrone, registrado na Inglaterra e que navegava na década de 1870. Mas sempre esbarrava na referência de um grande clipper denominado Collingrove. E comecei a suspeitar que 140 anos atrás os membros da redação de O Atalaia haviam reproduzido equivocadamente o nome do barco.
O Collingrove era uma embarcação do tipo clipper, foi
construído em 1869 pelo estaleiro de Sir James Laing & Sons Ltd., em
Deptford Yard, na cidade de Sunderland, Nordeste da Inglaterra. Tinha
861 toneladas brutas, 181,4 metros de comprimento, 33,5 de largura e foi
registrado em Londres no início dos anos 1870 para a empresa de
navegação A. L. Elder & Co.
O barco estava envolvido no comércio de carga e transporte de
imigrantes entre a Inglaterra e o sul da Austrália, se destinando
principalmente para a cidade de Port Adelaide e retornando a Londres.
Podia transportar 75 passageiros e carga geral.
Outra imagem do Collingrove – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au
O Clipper Collingrove fazia parte de uma classe de barcos
que marcou época, sendo os mais rápidos, elegantes e imponentes veleiros
desenvolvidos no século XIX. Estas belas naves começaram a ser
construídos a partir da década de 1830 e várias qualidades definiram a
história deste tipo de veleiro. Um clipper era tecnicamente um navio com
três mastros, que possuía uma grande extensão de velas quadradas, muito
rentável em longas distâncias e que desenvolviam alta velocidade.
Com mastros que poderiam chegar a ser tão altos quanto um prédio de
vinte andares, linhas de casco longas, combinados ao enorme poder de
condução das velas, fazia com que a maioria deles percorressem 250
milhas náuticas em um único dia. Os melhores atingiam velocidades que
cobriam 400 milhas por dia.
Já o Collingrove era considerado um barco muito regular e
seguro. Relatos apontam que seu tempo mais rápido entre Londres e Port
Adelaide foi de 65 dias e os mais lentos 85, com uma média de 74 dias
por viagem. Era comum nestas grandes viagens que os clippers seguissem
com um médico a bordo para atender os passageiros e não era incomum
haver em alguns destes barcos uma vaca para fornecer leite fresco. Como o
tempo de viagem era longo, sem escalas, era normal o incentivo para que
os passageiros que tinham algum dom artístico, realizassem
apresentações.
Medo de Viajante
Descobri através dos arquivos do Collingrove que em 1876 o
seu comandante, ou Mestre, como os ingleses designavam, era H. Angel, um
veterano navegador, sem máculas em sua ficha e com extrema capacidade
profissional.
Nota de jornal mostrando uma das partidas do Collingrove em 1876.
Aparentemente o que a carta na garrafa significou foi apenas o medo
de uma pessoa pouco experiente com viagens marítimas, em meio a uma
tempestade que danificou, mas não afundou o Collingrove. Certamente
esta pessoa também estava extremamente estressada diante das mortes em
decorrência de uma febre em um ambiente limitado, em um tempo onde as
pessoas pouco compreendiam a possibilidade de contrair esse tipo de
doença.
Infelizmente nada encontrei que apontasse que no final de 1876 este
barco tenha se envolvido em uma tempestade que o deixou com danos de tal
ordem que significasse um perigo real de afundamento e nada sobre
mortes provocadas por um surto de febre.
O clipper Collingrove anhcorado na Austrália – Fonte – collections.slsa.sa.gov.au
Como notas finais desta história marítima posso comentar que o Collingrove continuou navegando por mais 24 anos sem maiores alterações, até ser vendido no ano de 1900 em Xangai.
Já o experiente comandante H. Angel, em outro barco da empresa A. L.
Elder & Co., comandou o mais famoso dos tripulantes de barcos
clippers. Este foi o imigrante polonês chamado Józef Teodor Konrad
Korzeniowski, que na Inglaterra passou a ser conhecido como Joseph
Conrad.
O
escritor Joseph Conrad. Por conta de sua experiência de trabalho em
clippers, muitas das suas obras centram-se em marinheiros e no mar.
Considerado um dos maiores romancistas a escrever no idioma inglês,
foi um mestre da prosa que trouxe uma sensibilidade diferenciada para a
literatura inglesa. Nas suas obras Conrad escreveu contos e romances,
muito destes baseados na sua larga experiência náutica, enquanto
explorava profundamente a psicologia humana, retratando através de
ensaios um universo impassível, inescrutável.
Um visitante regular para Port Adelaide a partir do momento que ela foi construída até o final de 1890.
[1]
Enviar garrafas com mensagens pelo mar não é nada recente na história
da humanidade. o primeiro registro de uma mensagem lançada ao mar foi
realizado pelo filósofo grego Theophrastus que, por volta de 310 a.C.
jogou garrafas ao Mar Mediterrâneo para tentar provar que as águas deste
mar eram formadas por um fluxo que vinha do Mar Atlântico. Este
pensador é considerado o sucessor imediato de Aristóteles, por quem foi
nomeado como sucessor e guardião de toda a biblioteca de seu mentor!
Sobre este tema ver – http://tcmuseum.org/collections/message-in-a-bottle/
[2] Nesta época Muriú já tinha um quadro populacional que necessitava de uma escola primária. Nas páginas 45 e 46 da Coleção de Leis Provinciais do Rio Grande do Norte para os anos de 1872 e 1873,
encontramos a Lei nº 667, sancionada pelo então Presidente da Província
João Bandeira de Mello Filho, em um exemplar existente na biblioteca do
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, se lê no seu
Artigo 1º que “Ficam criadas cinco cadeiras de instrução primaria para o
sexo masculino nossa lugares Muriú e Capela, do município de Ceara
Mirim, Poço Limpo, do Natal, Laranjeiras, do de São José de Mipibu, e
praia do Tibau, do de Goianinha”. Vale frisar que grande parte das
comunidades de pescadores que conhecemos hoje entre a capital potiguar e
a cidade litorânea de Touros também já existiam.
[3]
Em 25 de maio de 2016, junto com o pesquisador argentino, radicado em
Natal, German Zaunseder, ao realizar uma pesquisa sobre a chegada de um
grupo de náufragos ingleses na cidade litorânea de Rio do Fogo em 1941,
entrevistamos o Sr. Miguel Alves de Souza, nascido nesta comunidade em
18 de setembro de 1921. Sobre a carência de estradas e transportes para
as comunidades do litoral potiguar, ele comentou que até sua juventude
era normal as pessoas da localidade seguirem principalmente em barcos
para Natal. Mas não era incomum que muitos realizassem este trajeto pela
beira mar em lombo de animais e até mesmo a pé.
[4]
Popularmente conhecido como piche, é uma mistura líquida de alta
viscosidade, cor escura e inflamável. É formada por compostos químicos
(hidrocarbonetos), e que pode tanto ocorrer na natureza como ser obtido
artificialmente, em processo de destilação do petróleo. Produto
conhecido desde a Antiguidade é considerado uma das melhores opções para
acabamento e calafetagem para impedir vazamentos de cascos de barcos de
madeira. Ver – http://lojadoimper.blogspot.com.br/2014/11/primeira-referencia-sobre.html
[6] O jornal O Atalaia era
um jornal de apenas quatro páginas, publicado duas vezes por mês, sendo
apresentado como “Literário, crítico, noticioso e dedicado aos
interesses da liberdade, igualdade e do progresso”. Tinha a sua sede na
Rua Correia Telles, número 29, Ribeira e era impresso na tipografia
Independência, na Rua Santo Antônio. Só encontrei apenas um exemplar
deste jornal, disponível nos jornais potiguares digitalizados e
disponíveis na Biblioteca Digital da Biblioteca Nacional.
[7]
É possível que este barco não estivesse tão próximo da costa africana.
Pois a garrafa teria sido lançada ao mar em 29 de setembro de 1876 e
chegou à praia de Muriú cerca de um mês após.
[9]Na
atualidade Loanhead é uma pequena comuna onde habitam pouco menos de
7.000 escoceses e fica localizada a cerca de dez quilômetros ao sul da
dinâmica cidade de Edimburgo. Ver https://en.wikipedia.org/wiki/Loanhead
Ladeira da antiga Estrada do Farol, atual Rua João XXIII, no Morro de Mãe Luiza na década de 1950 ou início dos anos 60. Foto: Acervo CSPNSC - Mãe Luiza
Batismo do Dr. Pedro Soares de Amorim, lá no Assú Pedro,
filho legítimo de José Gomes de Amorim e Ana Clarinda Soares de Amorim,
nasceu a 2 de dezembro de 1845, e foi batizado, em oratório privado,
nesta cidade, pelo Padre Mestre Francisco Teodósio de Seixas Baylon, a
12 do mesmo mês, e lhe impôs os santos óleos, de minha licença. Foram
padrinhos João Soares de Macedo e Clara Maria da Ressurreição, do que
para constar, fiz este assento em que me assino. Manoel Jerônimo Bezerra
Cavalcante, Vigário do Assú.
Segundo o livro que trata da família
Casa Grande, Pedro Soares de Amorim formou-se em Medicina e Farmácia,
pela Faculdade da Bahia, a 21 de dezembro 1878.