terça-feira, 16 de julho de 2024

 




Daniel Soares  

Minha casa não tinha geladeira
E nem moveis e nem energia
Mas tinha um pote de água fria
Em uma forquilha de aroeira
Tinha os copos numa copeira
E tinha as roupas de nós andar
E o guarda-roupa de guardar
Era os ganchos de um canbito
O meu passado não foi bonito
Más tenho prazer de recordar.

Se a água tivesse vida

Imagine a minha mágoa

Você no banho despida...

Ai quem me dera ser água!





sábado, 13 de julho de 2024

 O SOMBRA

 
Esse homem infeliz e sacrificado,                     
Os dias de sol que passaram sobre a sua cabeça,
As noites de chuva e tempestade,
As suas horas de esperança,
As suas horas de desespero,
Onde está ele, onde estão dele todas as suas tempestades?
 
O coração que lhe pulsa acelerado
De sangue, veia e veia, do seu corpo,
Seus nervos retorcidos, abalados,
Grisalho o seu cabelo, o olhar na noite,
A noite na sua alma, demorada,
Onde estão ele, a tempestade e a noite?
 
Sonâmbulos os passos, carregados,
Algidas as mãos de trémula brancura,
Tudo nele a sombria claridade..
 
Vejo, com vê-lo, nada ver no mundo.
Vejo, com vê-lo, já não ver mais nada.
 
Esse homem que se abriu um sepulcro no mundo.

(João Lins Caldas)
 

A foto digitalizada, restaurada e com o aspecto original dessa imagem faz parte do acervo do Projeto Memória Potiguar, um repositório digital com mais de 50 mil itens entre fotos, vídeos e documentos das 167 cidades do RN, reunidos ao longo de 25 anos e que estará disponível em breve de forma virtual e gratuita no site www.memoriapotiguar.com.br.




 


sexta-feira, 12 de julho de 2024

FAMÍLIA LINS CALDAS- ORIGENS

O “começo” está próximo, em torno, faz parte das escolhas, da consciência, dos desejos, das possibilidades e visibilidades: é uma armadilha conhecida. A “origem” não nos cabe, nos antecede, nos determina, nos condiciona, nos embala, justifica e engana: a nós somente sofrê-la ou combatê-la quando e onde seja possível. Aparece com nosso nome, nosso rosto, nossos gestos, nossa palavra, nossas ações e desejos, mas são vestígios, fantasmas, sobrevivências, propagações, intumescências, tumores, fósseis. Torna consciência o que é esquecimento, corpo o que é repetição, gramática o que é genético.

Minha família se divide em cinco segmentos. A primeira, os Lins; a segunda os Caldas, a terceira os Lins Caldas, a quarta os Guimarães Peixoto e a quinta os Gonçalves. Os Lins da Alemanha, os Caldas e os Guimarães Peixoto de Portugal, os Lins Caldas de Pernambuco e os Gonçalves do grande sertão.

Os Lins, família que desce até 1300 com o primeiro que deixou rastro, Heins Lins, passando por Albercht Lins, Johann Lins, Conrad Lins von Dorndorf, Zimprecht Lins e Sebald Lins/1508-1597, que foi pai de Cristóvão Lins (1529-1602), o que chegou a Pernambuco na década de setenta do século XVI para ganhar a vida no Novo Mundo. Era uma família de comerciantes, aventureiros e pequeno-burgueses. No Brasil conquistaram terras, roubaram terras, pilharam terras, mataram homens, moldaram homens, humilharam famílias, torceram heranças: e se tornaram senhores de muitos engenhos a partir da segunda metade do século XVI. Sempre foram terra a terra, metidos a aristocratas, finos e ricos. Nulidades que se articularam com todas as grandes famílias pernambucanas e ainda hoje são bem postos, arrotando descendências e poderes perdidos. Jamais os considerei como família, tendo de suas existências somente uma fria indiferença.

Os Caldas eram comerciantes e funcionários, chegaram no século XVIII por razões que somente eles sabem, mas nada grandioso ou aventuresco. No fim deste século houve uma união destas famílias, nascendo o Lins Caldas como sobrenome conjunto, deixando de ser tanto Lins quanto Caldas, que seguiram seus caminhos independentes. O que me interessa é que logo depois dessa união nasceram dois senhores de engenho (os “Dois Irmãos”, das terras onde hoje fica o zoológico do Recife: muito bem localizado: lugar de bicho): Thomas e António Lins Caldas, filhos do primeiro Lins Caldas: Luiz José Lins de Caldas, senhor de terras, títulos e escravos. Esta família continuou com suas terras e escravos, enquanto Thomas Lins Caldas engravidou uma escrava chamada Balbina, conhecida familiarmente por Babá, seguindo seu obscuro caminho familiar com a esposa real. Dessa união gilbertofreyriana nasceu Francisco Lins Caldas (1825-1907), criando um ramo dos Lins Caldas que não teve direito as terras, aos escravos nem tampouco a paz de espírito de quem nasce bem. Foi advogado, estudou na Faculdade de Direito, e iniciou a família que reconheço como minha: ele é o fundador, inclusive do orgulho e da prepotência que nos acompanha e arruína, mas ao mesmo tempo da inteligência e da sensibilidade que justifica esses pecados até mesmo na primeira cornija do baixo purgatório.

Este Francisco é meu trisavô. Ele não nos transmitiu tão somente a vida e os humores dos Lins Caldas, mas da escrava Balbina e da sua própria posição e sentimentos de quem vive “fora da sociedade” mesmo dentro, mesmo enganando, mentindo e se escondendo: era “acinzentado”, quase branco, um metro e noventa; cachaceiro, atrabiliário, desbocado e que negava a mãe; tinha um cartório em Olinda; mas no fundo considerava-se um nada e nunca aceitou isso. Tornou-se o máximo que sua condição permitia: advogado. Um paria integrado. Um bastardo que recebeu um nome, uma profissão, mas não recebeu um passado e teve que trabalhar pelo que teve. Pelo que desejou. Ele criou, querendo ou não, o passado familiar que se cola à minha carne, sonhos e desejos: ele é a origem. Quando muito velho, já dentro do século XX, matou-se por não suportar mais um soluço renitente: matamos e morremos por soluços ou suspiros: somente ninharias nos fazem perder a cabeça. Seu desdém ao povo, aos outros que não os familiares muito próximos, o horror ao mundo possuía fundamento na fuga, no não enfrentamento, na não consciência ou até mesmo na consciência aguda demais de sua posição social, financeira, racial. O que nele foi verdadeiro em nós é somente um espectro sem suporte.

Meu bisavô foi um dentre seus muitos filhos com Rosa: Herculano Lins Caldas (1871-1940), advogado e promotor, que se casou com Elisa dos Guimarães Peixoto (1869-1909), onde se articula o antiderradeiro segmento familiar. Esses Guimarães Peixoto eram metidos a bestalhões, aristocratas branquinhos e bem postos (a presença de Francisco no desejo de reverter de Herculano), vindos de um Portugal caduco e de um Império colonial ridículo. Elisa, que fugiu com meu bisavô pelas ladeiras de Olinda, era filha de Pedro D'Alcântara dos Guimarães Peixoto (1829-1883) e de Ninpha de Morais dos Guimarães Peixoto (1836-1907). Pedro era filho de Vicente Ferreira dos Guimarães Peixoto (1781-1840), que deixara para a família a honra de haver sido o médico da Imperatriz e um brasão (Quascumque Findit, sob quatro leões patéticos segurando espada e maça, cheio de borlas, coroas e gestos) dado pelo Imperador Pedro I. Esse vazio orgulho familiar deixaria marcas profundas de horror em meu avô Osíris dos Guimarães Peixoto Lins Caldas (1898-1978), filho de Herculano e Elisa, que riscou os Guimarães Peixoto do nome e da vida, jamais os aceitando, sendo somente Osíris Caldas a vida inteira.

Desses Guimarães Peixoto inúteis brotou, pelo menos, dois momentos estranhos e antagônicos. Um deles, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (o insuportável Olavo Bilac, o “Olívio Biloca” das portas de banheiro) e Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (a Cora Coralina), prima do meu avô. O primeiro um aleijão poético, uma vaca de presépio, e a segunda uma impossibilidade velha, familiar e rural: um milagre além do inexistente marido: um caso provinciano de literatice.

O último segmento familiar é o da minha mãe: os Gonçalves. Eram comerciantes e fazendeiros, se perdendo dentro do processo de colonização indo e vindo do sertão. Meu avô, João Batista Gonçalves (1907-1945), era farmacêutico e minha avó Severina Cadete (1909-1962), com sua morte, continuou com a farmácia para tentar sustentar a imensa ninhada. Ele era senhor de muitas terras e casas antes de ser assassinado pelas ninharias que perturbam os Lins Caldas vindos de Francisco, mas que não eram importantes aos Gonçalves: morreu inocente (se tenho alguma bondade e inocência devo a este avô a este ramo familiar), o que não acontece com os desequilibrados descendentes do filho da escrava: não aceitamos a ingenuidade, a inocência, o trabalho honrado, as horas perdidas com ninharias, as festas, as conversas vazias, a inutilidade, a burrice gratuita: podemos morrer por qualquer razão, menos por inocência e bondade.

Tudo isso (achaques, raivas, depressões, sentimentos, iluminações) chegou até a mim vindo diretamente dos meus avós, dos meus pais, tios e tias. Faz parte do que não me pertence, do que não domino, do que não vejo razão mas sigo pensando que sou eu. E não deixa de ser. Somos uma soma de fantasmas, de corpos que não vemos, de programas escritos por outras mãos, outras vidas, escrituras que nos compõem como uma grande partitura viva e muito mais complexa que a nossa vã Ciência.

COMEÇO


Nasci numa casa recheada de livros: esse é o meu universo desde o começo. E uma casa onde se reuniam os amigos do meu pai para conversarem sobre o mundo, a cultura, a política, o teatro, as religiões, as crenças, a musica, a poesia, a Geografia, a História (cada uma destas palavras conduz a várias histórias), em grandes batalhas, às vezes pública, onde se reuniam interessados de todas as áreas, cada um armado com imensos livros, infindáveis bibliotecas e razões. Dali pelo menos um nome se estabeleceu na literatura: Ângelo Monteiro, um dos melhores poetas da sua geração. Foi professor do Departamento de Filosofia (UFPE) e fez a articulação entre o Movimento Armorial e alguns de nós.

Meu avô (Osíris Caldas) recitava de cor, caminhando no colorido de muitas tardes, seu querido Molière, ou poemas em espanhol. Era Coletor Público mas tinha um teatro onde reunia um grupo criativo e conversador. Havia começado a escrever nos jornais do Recife em 1914, finalizando em 1970, quando a impressa deixou de ser familiar ao seu mundo (compôs, numa imensa e negra máquina de escrever, dois artigos por dia durante cinqüenta anos para o “Jornal do Comércio” e para o “Diário de Pernambuco”); publicou livros, escreveu e representou muitas peças de teatro, mas gostava mesmo era de dirigir Shakespeare, e se deleitava recitando para mim passagens inteiras de uma peça da sua paixão (Otelo e, às vezes, Romeu e Julieta), trechos de Sófocles quando estava triste ou, para rirmos, histórias fantásticas. Mas seus livros, artigos, peças, ensaios, sua visão de mundo não eram, e talvez não devessem ser, cosmopolitas. Estava preso a um universo nordestino, década de vinte e trinta, provinciano, mesmo tendo me aberto os olhos para uma sensibilidade que somente ele foi capaz de me transmitir, uma poeticidade que só muitos anos depois pude reerguer do seu solo de esquecimento. A ele devo a paixão pelo teatro, por certas músicas e poemas, por uma inflexão schopenhaueriana, por uma vida dedicada somente ao que nos arrebate, e ao nosso Shakespeare.

Meu tio paterno (Carlos Alberto Bruno Lins Caldas) era pintor e desenhista. Foi através dele que conheci as artes plásticas, e fui seduzido pelas cores, pelas transparências falsas, pelo movimento imóvel, pelo cheiro das tintas, da terebintina, a moleza ou dureza dos incontáveis pinceis, a paixão pelos murais, pelo cubismo, por Picasso e Dali, e por uma atuação incisiva na política num tempo muito perigoso. Junto com meu pai formaram a idéia que carrego ainda sobre o que é e como deve agir um intelectual, como deve ser um intelectual.

Meu pai (Alberto Frederico Lins) foi professor do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (lugar que me estaria reservado se não fosse pela dura luta contra todos, esta doce maldição). Minha vida foi acompanhar suas amizades, leituras, pesquisas, escritas, publicações e polêmicas (foram muitas, mas as principais com Osman Lins, Agnaldo Silva, Mário Melo e Aglae Lima foram memoráveis). Ele escrevia no Diário de Pernambuco, ganhava prêmios, vivia no Arquivo Público passando horas em intermináveis pesquisas, ensinava e isso definiu meu horizonte futuro: mas numa reflexão “depois da festa”. Passei muitos anos fugindo dessa direção. Até que, em 1983, comecei a estudar mais seriamente História. Mas antes alguém me foi de fundamental importância intelectual.

Enquanto meu pai me apresentava a muitos dos seus amigos (Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, Flávio Guerra, Nilo Pereira, Pinto Ferreira, Mauro Mota, Marcus Prado), entregando-me certa literatura brasileira (José de Alencar, Machado, Lima Barreto, Humberto de Campos) e portuguesa (Camilo [sua absoluta paixão], Herculano, Eça, Júlio Dinis, Guerra Junqueiro), a História (Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Braudel, José António Gonçalves de Melo), a Geografia dos mapas, as “geomorfologias” euclidianas n'Os Sertões (paixão paterna que somente nos últimos anos tenho reconquistado), a História Regional e o Romance Histórico (Walter Scott, Victor Hugo, Alexandre Dumas, Michel Zevaco), - Gláucio Veiga, catedrático da Faculdade de Direito do Recife, amigo do meu pai, marxista e escrevendo sua monumental “História das Idéias da Faculdade de Direito do Recife” (13 volumes), me apresentou, em muitas conversas, leituras e anos, Hegel, Marx, Weber, Heidegger, Ortega y Gasset, Braudel, Balzac e Proust.

O contato entre essas visões de mundo díspares (Camilo/Proust – Marx/Freyre, Braudel/Melo), em plena ditadura, possibilitou uma visão de mundo polifônica, aberta, móvel, contraditória e sem exigir conciliação: todas as visões cabiam no mundo e seu rotacionar, no mundo e suas ficções, no mundo e suas escrituras. Nas bifurcações proustianas mundos inteiros apareciam e desapareciam, feitos de tempo e memória, de palimpsesto e desejo. A História, o pensamento, a literatura, não poderiam fundar seu reino numa única perspectiva, numa única verdade. História, Antropologia, Arqueologia, Sociologia, Filosofia e literatura se entrelaçavam num único processo vivencial, visceral. A separação seria uma violência. Na “minha” Dialética não cabiam mediações, o que causou sempre combates infindáveis entre amigos e companheiros. Dos dois (Gláucio e meu pai) fiquei com o que havia de melhor. A crítica marxista de um e do outro o gosto pelo estilo, pela abrangência dos interesses, tornando “o social” e “o histórico” algo mais rico que o tradicional; e a tara pelos livros, a sedução pela escrita.

Enquanto minhas leituras infantis (década de sessenta) eram essencialmente aventurescas, pura imaginação (os volumes de Tarzan, de Edgard Rice Burroughs, o Sherlock Holmes de Conan Doyle, as delícias de Júlio Verne, as destrezas de Maurice Leblanc com seu Arséne Lupin, o universo insuperável de Michel Zevaco com seus Pardaillans, os “contos maravilhosos” de muitas literaturas) - uma experiência arriscada a travessia de cada livro, as do começo da adolescência (1969/1970/71/72) eram essencialmente literárias, formativas e inescapáveis (Sófocles, Dante, Boccaccio, Montaigne, Shakespeare, Cervantes, Goethe, Melville, Dickens, Stevenson, Wilde, Poe, Graciliano, Drummond); na adolescência (o resto da década de setenta) as leituras (sempre obsessivas na quantidade, na qualidade e no labirinto de gostos, coisa que marca profundamente a cartografia intelectual da minha biblioteca) começaram a se dividir entre a História, que meu pai me apresentava (uma História sempre “acontecida de verdade”, jamais teórica, como “O Domínio Holandês em Pernambuco” de Watjens e “Memória de um Senhor de Engenho” de Julio Bello, ou temas obsessores como as Famílias, os Engenhos de Açúcar, a Segunda Guerra Mundial, Hitler, o Vietnam, a Coluna Prestes), e novos mundos que foram surgindo muito fortes como a Antropologia, a Arqueologia, a Psicanálise, Marx e os marxismos, Darwin e a Biologia Evolutiva, Hegel e a Filosofia, a História e a Filosofia Marxista, Sartre e todos os existencialismos, tudo dentro de uma clivagem inesperada (Sade, Dostoievski, Nietzsche, Rilke, Joyce, Svevo, Camus, Pirandello, Genet, Ionesco, Beckett, Arrabal) que foi me afastando, no fim da adolescência (1977), daquela formação literária inicial, descomprometida a não ser com o prazer e a descoberta de mais prazer, como se não fizessem parte de um mesmo movimento, exigindo de mim, muitos anos depois, um esforço de síntese que ainda não concluí completamente.

Sobre essa “cultura em formação” pairava um “grande espírito”: Gilberto Freyre. Gláucio Veiga o odiava com amor, havendo polemizado com ele algumas vezes, terminando por se reconciliar muitos anos depois; meu pai o amava e admirava, tendo me levado para conhecê-lo em Apipulcos, onde conversamos, ele velho e com aquela perna sobre o braço da cadeira, sobre muita coisa enquanto meu pai recordava momentos comuns. Gilberto não somente foi um dos primeiros a discutir assuntos como a história da comida, do corpo, da infância, da sexualidade, das habitações, mas isso com dignidade de “grande tema”, sempre numa articulação viva, vibrante, convincente, profundamente literária e complexa com uma força de quem queria criar um povo. Ele fazia parte daquela mono-cultura recifense, feita com o isolado das ilhas mas convivendo com o link das pontes e do porto, o aberto e o fechado, o mar, o mangue, a terra. Mas essa simbiose, essa rede viva de caranguejos, navios e histórias, era aristocrática - mesmo quando falava do povo, com o povo (Tobias, Freyre, Ariano, Cabral, Brennand). Essa aristocracia é o que expulsa e maltrata (“Recife, cidade cruel”) todos aqueles que diferem, todos aqueles que abolem a terra em nome do mar, ou aceitam o mangue contra a terra e o mar.

Alberto Lins Caldas
Professor de Teoria da História - UFRO
caldas@unir.br

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Metionina é imensa
Pra tomar depois do porre.
De cachaça ninguém morre,
Cachaça não é doença.
Não há doutor que me convença
Que se morre antes da hora.
Se a ressaca lhe apavora
E a cachaça lhe domina,
Não consulte a medicina,
Tome uma que melhora.

RC



sábado, 6 de julho de 2024

UM DECASSÍLABO SERTANEJO

Sou da terra abençoada
Que a tramela é fechadura
Que o meu doce é rapadura
Que a medição é braçada
Que o meu jantar é coalhada
Que cedinho vou pra feira
Comprar bode de primeira
Sou o som de Gonzagão
Sou matuto do torrão
Sou cultura verdadeira.
Marcos Calaça é poeta potiguar, natural de Pedavelino, e confrade da Academia Norte-rio-grandense de Literatura de Cordel.
Foto g: Tramela na porta de uma antiga casa do sertão.



domingo, 30 de junho de 2024

Salário de R$ 3 bilhões: Vinicius Júnior recebe proposta de última hora para deixar o Real Madrid

História de Leandro Vieira

Momento


Vinicius Júnior, do Real Madrid, recebeu uma proposta para deixar o clube. Considerado por muitos como o melhor jogador do mundo na atualidade, o ponta segue focado na Copa América.

Ontem, o jogador foi o grande destaque da Seleção Brasileira na goleada por 4 a 1 sobre o Paraguai. Vinicius Júnior balançou as redes em duas oportunidades, ambas no primeiro tempo.

Porém, enquanto isso, o nome de Vini segue em alta também no futebol europeu. De acordo com um portal espanhol, o brasileiro recebeu uma oferta tentadora para deixar o Real Madrid.

Real Madrid vê Vinicius Júnior na mira de rival europeu

O Defensa Central revelou que o PSG ofereceu um contrato de seis anos para contar com o futebol do brasileiro. Além disso, o salário no período seria na casa de 500 milhões de euros – cerca de R$ 3 bilhões.

Entretanto, ainda de acordo com a publicação, Vinicius Júnior acabou recusando a investida dos franceses. O jogador entende que não seria positivo abandonar o projeto do Real Madrid neste momento.

Enquanto isso, o jogador segue focado na Seleção Brasileira. O próximo duelo será diante da Colômbia. Caso vença, o time de Dorival assumirá a liderança do grupo D.

Vinicius está com 23 anos de idade e somou 39 jogos pelo time espanhol na última temporada, tendo marcado 24 gols e fornecido outras nove assistências aos companheiros.

quinta-feira, 27 de junho de 2024

A FRUTILÂNDIA DO VALE

Desajeitado e cabreiro, a roupa já sem o vermelho da poeira das viagem no jipe, bando-de-cuia tomado na pensão de Chicó, na flor dos meus dezesseis janeiros, à porta da residência modesta, bati palmas e gaguejei o indispensável "ô de casa". Tinha uma obrigação, um dever sentimental, sagrado, uma promessa a cumprir no Assu, naquele ano dos anos 50. Visitar, saudar o dono da casa, mestre de muitos sonhos e senhor incontestável da mais úbere, abundante, edênica, maravilhosa e fértil gleba de todo o Vale´- a "Frutilândia". A incumbência me fora dada por meu pai, Othoniel, anos antes convidado solenemente, insistentemente, para ser sócio, meio a meio, de um colossal empreendimento de fruticultura. Redenção econômica de toda a região, gerando riqueza, justiça social, inovando a produção de frutas. legumes, hortaliças, tudo em grande escala, gigantescas proporções. Os pobres sairiam da miséria, teriam moradia, grandes vilas operárias, escolas, assistência médica, futuro. Largariam os barões da cera, que nada plantavam, viviam em Natal jogando baralho no Natal Clube, tomando uísque, enriquecendo Maria Boa, passeando no Rio de Janeiro - impecável ternos de linho branco, lustrosos, gordos como bispos. Moderníssimas máquinas, escavadeiras imensas, dragas descomunais - rebocada desde Roterdã - abririam largo e profundo canal, em linha reta, de Assu a Macau. Ali, mar adentro, plantar-se-iam modernos, imponentes, equipados cais, frigoríficos, grandes armazéns. Luzentes guindastes, esteiras rolantes, saciariam a fome das bocarras dos porões das grandes embarcações da própria Companhia, espalhando por Oropa, França e Bahia cajus, mangas, pinhas, araticuns, mangabas, romãs, laranjas-cravo, abacaxis, maracujás - os dúlcidos e tropicais produtos do gigante complexo agroindustrial da biliardária sociedade CALDAS & MENEZES... De volta ao Assu e à dura realidade, de novo bati palmas na soleira da casinha modesta do senhor da "Frutilândia", naquela rua do Assu, naquela era dos anos cinquenta. Apareceu o amigo do meu pai, o sócio do sonho tão sonhado, tão detalhado, idealizado nas conversas dos dois. Disse-lhe quem era, fez-me uma festa daquelas, passando, suavemente, a mão na minha cachola sonhadora. Era magro, gestos nervosos, rápidos. Dando o nó na gravata, convidou-me a entrar, risonho, gentil, hospitaleiro. Calçava, notei, uma daquelas botas de feira. Calça, camisa, colete - tudo amarfanhado, encardido. Guiou-me em direção à cozinha, por uma picada, uma vereda aberta numa mata fechada de ferro-velho, pacotes de amarelados jornais e uma imensidão de garrafas até o teto - um "caminho de Santiago" que, como peregrino, perpassei, com medo de lacraia e caranguejeira. Enquanto conversávamos, ferveu água e serviu-me um café saboroso, pegando fogo, coado de um pano que devia ter uns bons anos de uso diário e constante. Na minha idade, não tinha engenho, nem arte e nenhuma tendência para falar sobre poesia ou literatura com o idealizador de "Frutilândia". Mesmo que a minha casa, em Natal, vivesse, pululasse em certos dias, cheia de literatos e candidatos a poeta, aperreando Othoniel sobre coisas de metrificação, leituras, autores e outras milongas mais - alguns deles pedindo remendos em versos de pé-quebrado. Ficava só cubando, sem pigorar, quem era besta? Sem anuência ou conhecimento do dono da casa, tinha cometido, já, no Atheneu, algumas glosas sacanas e "burilado" uns três ou quatro sonetos decassílabos à moda de Augusto dos Anjos - coisas horrorosas... Na cozinha acolhedora, o cavaco, o bate-papo, limitou-se, pois, às notícias da capital, aos meus estudos, `saudação do "sócio" de Natal, à mutua e sincera admiração entre os dois, às amenidades. Nada sobre a "Frutilândia". Nada, também, acerca da razão social Caldas & Menezes". Ele entretanto, já na despedida - lembro bem - deu umas boas cutucadas nos políticos do Estado e de outras plagas, pilheriando, rindo com gosto, divertido. Sol descambando, da porta da sala, do início do labirinto de ferro velho, jornal e garrafa de todo tamanho e cor, veio o chamamento: "Seu João, tá na hora!" Saímos. Era um meninote, chapéu-de-couro atolado na cabeça grande, cara de janduí. O homem bom me pediu licença e retornou aos cafundós do seu tugúrio. Voltou lépido, brilho nos olhos, vestindo um paletó tão encardido quanto o restante da indumentária. Numa das mãos, um surrado bisaco de lona; noutra, uma lazarina impecável, ajeitada mesmo - oi cano brilhando mais do que espinhaço de pão doce, a coronha envernizada, bonita como os seiscentos. O Poeta João Lins Caldas, sublime sonhador, senhor de vaticínios para o seu Vale - o sócio do meu pai! - trancou a porta capenga da casinha. Apertou-me a mão, com calor, despedindo-se. Pediu desculpas pela pressa - ia caçar! Argumentou, cavalheiro, que aquela era a hora dos preás e das rolinhas, das nambus escondidas no panasco dourado. E lá se foi, engravatado, predador solene, feliz da vida - o sonhador. O curumiaçu, secretário e cúmplice, seguiu-lhe os passos ligeiros, no rumo - presumi - da "Frutilândia", procurando a presa miúda e saborosa..."

Laélio Ferreia, crônica publicada em O Mossoroense, 2007

segunda-feira, 24 de junho de 2024

 Terra da poesia

Terra de São João 

Cada volta

Cada cor

É cheiro

É vela

É couro

Bálsamo de água

De ar

De calor

Assu é meu prumo

Viva sua alegria

Salve, Assu!

Sua boêmia,

Meu torrão!


Rafael Cachina

23.06.2024

sábado, 22 de junho de 2024

O poeta assuense João Lins Caldas, autor compulsivo, foi o bardo potiguar que, penso eu, mais colaborou em importantes almanaques, revistas e jornais do Brasil, publicando poemas, contos, sonetos e pensamentos filosóficos. Nas minhas pesquisas sobre aquele vate, encontro em 'A Faceira', periódico carioca, que circulou no Rio de Janeiro entre 1911 a 1918, encontro esse belo soneto, publicado na edição de 1918 do citado periódico, classicamente metrificado, intitulado 'Rosa'.

(Clique na imagem para melhor visualizar).

Fernando Caldas

Pode ser uma imagem de 8 pessoas e texto que diz "อรมมงส inferior A Faceira esyuerda: Primcira baixo direita: Pssares. outrapa traparte. 17 orna-s AиcT reciso 材法, leitores porda. tala profusão lavorece fanta- BENTO BaHBoл. 20080 ROSA Rosae preta. coraçto| Razaria sem Lembrava moça CALDAS Não igradarel RABUJICES Carmaral pantas Te4eH passa catlões, desco- Krupgs tudo ดแล dusin lomingos SANTREI apparencia ถในจนเือร cidade c6o seu nsivel quizer xadrez. rTлeacnиHR Nie ponta pensa- de- dobradas dixez: por nalmente direita แล para quatro portas dobradas MTr inpora meravilhaso Mew-Yerk, Domingo Della Hovers Man en"
Curtir
Comentar
Compartilhar

Gilka Machado e a imprensa feminina/feminista da belle époque carioca: e...

CELSO DA SILVEIRA CHEIO DE GRAÇA



"Merece também um lugar na imortalidade. Tem todos os méritos. Tem uma obra. Um trabalho digno de respeito. É um escritor, é um poeta, será o que quiser.".


Dorian Jorge Freire

"Confesso que não sei onde catalogá-lo como poeta ou como boêmio. Se é verdade que nem todo poeta é boêmio, mas todo boêmio é poeta, Celso da Silveira é um misto de poeta e boêmio.". 

Ezequiel Fonseca Filho 

"Inquieto agitador cultural que tão bem soube encantar populares e intelectuais com suas histórias desconcertantes e hilárias.".

Yuno Silva

Celso Dantas da Silveira (1929-2004) era assuense de boa cepa, garboso, bonachão, eloquente, prosador dos melhores. Eu tinha por ele uma grande admiração e simpatia. Sorriso franco, glutão famoso, boêmio.

Celso da Silveira carregava no seu corpo de média estatura pouco mais de cem quilos. Nasceu na aristocrática e poética cidade de Assu num antigo casarão neoclássico, mais habitualmente conhecido como "Castelo", da então Rua das Flores, que também já fora denominada Rua Pedro Amorim, Siqueira Campos e Floriano Peixoto, Das Flores, atual prefeito Manoel Montenegro, onde também nasceu o afamado poeta Renato Caldas .

Celso teve uma vida recheada de felicidades. Era um exímio contador de estórias pitorescas, tiradas de sua criatividade, além da capacidade criadora de outras figuras espirituosas da terra potiguar.

Menino irrequieto, cheio de peripécias e aventuras próprias da idade. Já metido a gente grande, Celso sempre acompanhava seus pais João Celso Filho e dona Maria Leocádia em noites de festas bailes realizadas em Assu. Pois bem, certa vez, num baile de carnaval realizado em certo local improvisado, Celso deu uma escapulida, foi cheirar lança perfume num armazém de compra e venda de algodão, vizinho ao local onde se realizava o baile momesco, da antiga rua São João, Centro da cidade de Assu. João Celso, sentindo falta do menino traquino, foi procurá-lo encontrando-o em porre, entre os fardos de algodão do citado galpão. Alucinado,  soltou a frase denunciadora: "Não diga a papai, não!"

Certo dia, Celso fora a um centro espírita em Natal. O médium vidente lhe dirigiu a palavra para lhe fazer  alusão a um espírito de luz que o acompanhava. E Celso então desejou saber daquele médium mais detalhes sobre a predileção daquele espírito para com ele. O médium então expôs o tipo do espírito: "O nome dele é Douglas, é padre, italiano, desencarnou em São Paulo".  Celso não deixou para depois, dizendo com aquela graça que lhe era peculiar: "Será que esse Douglas é aquele que dirige o meu carro quando estou bêbado?"

Celso teve o privilégio de estudar no Colégio Militar Castelo Branco, da Arquidiocese de Fortaleza, antes no Colégio das Freiras de Assu, e São João, da capital cearense. Tempos depois regressou a cidade do Natal com o objetivo de estudar no Atheneu, da Junqueira Aires, depois voltou a sua terra natal onde lecionar na Escola Normal Regional de Açu e trabalhou num dos cartórios da Comarcada do Assu.  Herdou dos seus ancestrais a arte da prosa e do verso, produzindo uma obra que enriquece as letras, o folclore norte rio-grandense.

Na terra assuense de tantas tradições Celso foi escoteiro, vereador, professor, ator, fundou o Jornal Advertência em parceria com João Marcolino de Vasconcelos, além de fundar o 1º Museu de Arte Popular no Brasil, bem como o Clube do Copo, que tinha a finalidade de realizar saraus, tertúlias literárias e serenatas.

Celso nos idos de cinquenta, deixou a convivência harmoniosa da Fazenda Camelo e Limoeiro, dos verdes carnaubais da sua terra, passando a residir na cidade do Natal, do "Potengi amado", como diz a canção de Othoniel Menezes. Naquela capital bacharelou-se em jornalismo e comunicação Social pela Faculdade de Jornalismo Eloy de Souza, trabalhou e colaborou em diversos jornais de Natal, como Tribuna do Norte e foi repórter da sucursal do Jornal do Commercio, do Recife, bem como foi chefe de gabinete do prefeito Djalma Maranhão.

Conviveu com grandes nomes das letras potiguares como Como João Lins Caldas, Câmara Cascudo (que ele conheceu através do poeta Renato Caldas), Veríssimo de Melo, Manoel Rodrigues de Melo, Sandoval Wanderley, Newton Navarro, Luis Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros, Bosco Lopes, Myrian Coeli (com quem contraiu matrimônio), Andíère Abreu, dentre outros da velha e jovem guarda das letras Norte-rio-grandenses..

No dizer de Manoel Onofre Junior, Celso "vale por toda uma academia", pois a sua obra é constituída de "26 Poemas de Um Menino Grande", 1952 (seu livro de estreia que mereceu elogio e a influência do grande poeta modernista João Lins Caldas) , "Imagem Virtual", 1961, "Glosa Glosarum", 1979, "O Homem Ri de Graça", 1982, "Salvados do Assu", 1996 (que conta alguns fatos da história da terra assuense, seus casarões e aspectos do Vale do Açu), "Assu, Gente, Natureza, História", 1996, (livro didático), "Peido, o Traque Pum" - O Valor que o Peido Tem", 1989, "Anjos Meus, Aonde Estais", 1996, (que relembra algumas figuras da terra assuense).

É de autoria de Celso, a seguinte glosa:

O peido de um general
não pode ser comparado com
O peido de um soldado
Que em tudo é desigual
Tem gente que peida mal,
Há outros que peidam bem
Eu não conheço ninguém
Que ainda não tenha peidado
Mas o povo não tem dado
o valor que o peido tem.

Suas “conversas eram recheadas de muita ironia e humor... Ninguém ficava indiferente a sua presença."

Afinal, numa manhã de domingo, 2 de janeiro de 2005 (ele nasceu no dia 25 de outubro de 1929)  partiu aos 75 anos de idade, para fazer versos e graças lá no céu, deixando o Assu - a terra que ele tanto amou - sem a sua irreverência, sem o seu talento e a sua arte de escrever, que lhe fez ficar conhecido como "O Bocagiano Potiguar", pelas suas glosas irreverentes que sabia produzir a seu modo.

Celso da Silveira está enterrado na cidade do Natal, terra que ele escolheu para viver até morrer. O seu sepultamento ocorreu conforme pedira aos seus familiares: "Sem choro nem vela, sem discursos, nem flores.".

Epitáfio é o título de um dos poemas do grande Celso Dantas da Silveira que eu conheci e convivi na intimidade. Vejamos:

Aqui jaz o poeta
e não o canto
que dele foi deflagrado
como a flecha de um arco.
Em cada intercessão
do trajeto alcançado
inércia e movimento
ganham o mesmo compasso.
Paro e passo, paripassu
o canto e o silêncio
para sempre viajado.

(Fernando Caldas)

PELO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA Se Guilherme de Almeida escreveu 'Raça', em 1925, uma obra literária “que tem como tema a gênese da na...