terça-feira, 26 de novembro de 2013

CAUSO

Essa é mais antiga e nascida do espirituosíssimo de um dos homens mais irreverentes que conheci. Trata-se de Valmir Targino, ex-deputado estadual e ex-procurador do Estado, de saudosa memória. Estava num grupo de amigos quando alguém, preocupado com o inverno, perguntou se havia chovido em Janduís e Messias Targino, municípios onde Valmir era proprietário de uma fazenda. Um dos componentes da roda, adiantou-se e respondeu:
- Caiu uma boa chuva em ambos os municípios.
Aí Valmir não aguentou:
- Caiu chuva porra nenhuma. Aquilo foi apenas uma mijada de potó!

Causos de Valério Mesquita - Jornal Opinião.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

HISTÓRIA

Da série Padres Filhos do Assu trazemos dois nomes:
ANTONIO GERMANO BARBALHO BEZERRA (Padre Tote) Filho de Antonio Barbalho Bezerra e de dona Inácia Barbalho Bezerra. Foi vigário do Assu de 1879 a 1887. Fundou e foi presidente da Sociedade Libertadora Assuense em 13 de maio de 1885, com o propósito de libertar os escravos existentes no município, o que conseguiu a 24 de junho do mesmo ano.

Existe uma história sobre este sacerdote. Dizem que ele era vaqueiro do seu pai e certa vez saiu à procura de uma rés, embrenhou-se em um cerrado matagal perdendo a direção. Desorientado, sem atinar com o caminho, passou parte do dia e da noite perdido. Lembrou-se, então, de invocar os poderes divinos, fazendo um voto a Nossa Senhora, prometendo, se saísse daquela aflição, iria ser padre. Minutos depois, com surpresa, achava-se no terreiro da casa paterna. Alcançada a graça, comunicou aos pais e, ingressando no Seminário fez-se Sacerdote. Faleceu no Convento de Nossa Senhora do Carmo, em Recife, no dia 27 de novembro de 1897.

ANTONIO FREIRE DE CARVALHO – Nasceu em Assu no dia 12 de junho de 1821. Pelo Bispo Dom João da Purificação foi ungido sacerdote tendo apenas 23 anos de idade. Iniciou o seu magistério sacerdotal na terra do seu nascimento como padre coadjutor nos anos de 1844 a 1845 depois foi para Mossoró, onde permaneceu de 1850 a 1856. Na sua permanência ali, Mossoró foi, pela lei nº 246, de 15 de março de 1852 elevado à categoria de Vila, sendo padre Freire escolhido para seu primeiro administrador, elegendo-se, também, presidente da Câmara Municipal, indo residir nos fins de 1856 em Caruaru – PE, exerceu o exercício de Capelão. Passando Caruaru em 1857 a Vila e Paróquia, foi ele designado para o seu primeiro vigário. Para se ter uma ideia dos valiosos serviços prestados pelo Padre Antonio Freire. Em Caruaru, na Praça Henrique Pinto tem o seu busto com os seguintes dizeres: “No ano Centenário de Caruaru e centenário da morte do insigne benfeitor da cidade, zeloso apóstolo da religião e pai dos pobres, cônego Antonio Freire de Carvalho. O inesquecível vigarinho. Homenagem de gratidão de Caruaru, 28 de fevereiro de 1958” e, mais, na rua onde morou denominada de Rua Vigário Freire, tem uma placa com a seguinte inscrição: “Neste prédio faleceu o Cônego Antonio Freire de Carvalho (Vigarinho), que foi vigário de Caruaru de 1856 a 1908. Homenagem do Governo Municipal no centenário do desaparecimento. Caruaru, 28 de fevereiro de 1958”.

Em Assu existe uma rua no Bairro Frutilândia que leva o nome do Padre Antonio Freire de Carvalho – Ilustre assuense.

Bolacha/biscoito Flor do Açu.

JARDIM DO SERIDÓ, ANTIGAMENTE...

PADRE MARCELINO (*) 


Igreja Martriz de Jardim do Seridó



(Nota de Othoniel Menezes aposta a uma das sextilhas do livro “Sertão de Espinho e de Flor” (poema em 16 Cantos), no livro “OTHONIEL MENEZES - Obra Reunida”. 


“Por que não, se o padre é um santo?
Lidou tanto, perdoou tanto,
que anda curvado, a tremer…
A cabeça, alva, é um capulho,
esgarçado ao sol de julho…
– São Marcelino há de ser.

* * *

Todo este poema, desde a primeira página, vê-se logo, é uma apologia, uma defesa do sertão e da admirável gente – vítimas, imbeles[1] e resignadas, do celerado abandono a que, de trezentos anos a esta época de atômica superfetação[2] da democracia, os relegaram, os políticos e o governo da república; vítimas da imbecil ironia de muitos “escritores’ e “poetas” granfinos, irmãos desnaturados, caluniadores de Jeca Tatu e Manoel Xiquexique, que aqui continuam a lutar sozinhos, pegando queda de corpo com o sol, para gáudio do parasitismo dourado dos “mestiços neurastênicos do litoral”.

A expressão anotada inspira-se nas recordações de infância do Autor, quando via ele, na figura do pároco de uma freguesia, a encarnação da pureza e da bondade dos velhos ministros da Igreja, e cujas mão eram beijadas, a cada encontro do dia, por todos os habitantes do lugar.

Seguem umas notas biográficas, devidas à incansável prestimosidade do Dr. Heráclio Pires, que já ilustrou várias das presentes NOTAS. Delas ressalta, simpática e original, a personalidade do vigário de Jardim do Seridó, naquela época (1899-1908), e evocada no poema:

“Era paraibano, e chegou ao Jardim em fins de 1899, como vigário. Foi um dos melhores homens – padres, sobretudo – de quantos tenho conhecido. Quando aqui chegou, já beirava pelos oitenta anos, trazendo uma velha criada e uma moçoila, que era sua sobrinha. O padre Marcelino Rogério dos Santos Freire era tio legítimo do major Umbelino Freire de Gouveia Melo, que foi administrador dos Correios, em Natal. A indumentária do velho sacerdote era o que havia de mais pitoresco, e assim o vi milhares de vezes. Avalie o amigo como ele resolveu o caso do preço, então elevadíssimo, dos chapéus sacerdotais: chamou a um dos nossos mais hábeis “carapuceiros” (fabricantes de chapéu-de-couro), deu-lhe todas as medidas, e mandou fazer um cahpéu de couro para o seu uso diário, com o formato dos chapéus de padre; depois de bem pintado a Nubian[3], ficou mesmo um belo chapéu.

Restava o caso da batina, o que, entretanto, não embraçou o nosso herói: mandou costurá-la de brim preto, com a dupla vantagem de ser mais fresca, neste rigoroso clima do sertão, e mais econômica! Veja que tudo ele resolveu sem ferir as exigências litúrgicas ou canônicas e, portanto, merecia aplausos. Também conheci aqui um oficial da nossa Polícia e que, um belo dia, me apareceu no balcão (o dr. Heráclio manteve uma ótima farmácia, em Jardim, por alguns decênios) com uma farda… de brim preto! Com os respectivos galões e botões próprios; menos, apenas, o cinturão… Censurando, eu, a propósito, o mau gosto da nossa Polícia, em adotar tal fazenda para os seus oficiais, ele me respondeu, com a maior naturalidade, que absolutamente não se tratava disso e, sim, que havia mandado confeccionar aquela farda funérea, porque lhe havia morrido o pai!… (…).

Voltando ao padre Marcelino: aqui passou ele cerca de 8 a 10 anos, durante os quais amealhou alguma pecúnia. Voltou à Paraíba, onde D. Adauto o agraciou com o título de Cônego. Ali morreu, com mais de 90 anos de idade”.

(*) Padre Marcelino Rogério dos Santos Freire (Vigário de Pedra Lavrada/PB, de 1860 a 1870 e de Jardim do Seridó/RN entre 1899 a 1908).
[1] Que não é belicoso; não beligerante.
[2] Coisa que se acrescenta inutilmente a outra; excrescência, redundância.
[3] Antiga marca de tinta para calçados.

Carnaubais/RN dando uma volta no passado e no presente

DESTAQUE DO BLOG - FALANDO IRREVERENTE

Foi Antônio Pereira de Albuquerque o primeiro habitante de uma localidade, onde situava-se uma área com vista ampla, verde e bela, com muitas carnaubeiras ao redor e com boa terra para cultivar. Logo depois chegava Abel Alberto da Fonseca, que iniciou as primeiras construções, se tornando pioneiro na organização urbana da povoação que estava nascendo.
  

Através da participação de figuras dedicadas a comunidade o povoado começou a se desenvolver, e entre elas destacaram-se o Monsenhor Honório, primeiro vigário, a professora Adalgisa Emídia da Costa, a incentivadora cultural Celina Moura e Olavo Lacerda Montenegro, que lutou pela sua emancipação política.
Em 18 de setembro de 1963, através da Lei nº 2.927, Carnaubais desmembrou-se de Assú. Após onze anos de sua emancipação política enfrentou sua mais terrível batalha, a luta contra a fúria das águas.

 Em 1974, uma enchente destruiu a cidade e a população ficou desabrigada. Apesar do sofrimento o povo resistiu e com a participação dos Governos Federal, Estadual e Municipal, a cidade foi reconstruída em outro local.

Novos tempos 


Carnaubais`- Prefeito Luizinho investe hoje na economia local e lançou a moeda própria
Nome da árvore típica do semi-árido, a carnaúba agora também é sinônimo de dinheiro. 

Em Carnaubais, município da região Oeste do Rio Grande do Norte, as cédulas de carnaúba circulam desde agosto como moeda social com o objetivo de estimular a economia local. A ideia segue o exemplo da cidade de São Miguel do Gostoso, no litoral Norte, onde as notas levam o nome de gostoso.


Gente da Gente vizinhos carnaubaenses

Um bom dia muito especial para todos amigos blogueiros que representa a cidade de Carnaubais

Aluízio Lacerda
Toni Martins
Magno Marques
Luizinho Cavalcante
Carnaubais em foco
e demais amigos .




























domingo, 24 de novembro de 2013

UM POETA BOÊMIO DO ASSU

Manoel Pitomba de Macedo (n. Assu, 25 de maio de 1924 - m. Assu, 11 de outubro de 1957), conhecido popularmente como Manoel de Bobagem (Bobagem, apelido de sua mãe)  Para Rômulo Wanderley por quem o poeta está antologiado no livro Panorama da Poesia Norte-Rio-Grandense, 1965, Manoel "foi um dos mais conhecidos e famosos poetas populares do Assu.".

Entre a terra assuense e Natal, Manoel viveu a sua vida de poeta boêmio e mulherengo. Ele era pedinte. Conta-se que ele andava pelas ruas da cidade com uma bolça enorme confeccionada de palha de carnaúba ou carnaubeira (árvore nativa então abundante na região do Assu). Pois bem, quando ele era indagado pelo uso daquela bolça, respondia: "Pra encher de perdoe!".

Ainda o antologista Walter Wanderley depõe que Bobagem "levou vida despreocupada e nômade, dominado pelo álcool e pelas mulheres que constituíam os seus temas prediletos."

A mãe de Bobagem sempre reclamava quando ele chegava em casa embriagado: "Tenha vergonha, Manoel! Todo dia você chega em casa bêbado, tombando em tempo de cair na rua! Homem, tenha brio!" E Manoel saiu-se com essa:

Mamãe!

Nem todo homem tem brio
Nem toda moça se casa,
Nem todo fogo tem brasa
Nem toda lã tem pavio.
Nem todo inverno faz frio,
Nem todo filho tem pai,
Nem tudo que entra sai,
Nem toda fera é valente,
Nem todo lorde é descente,
Nem tudo que tomba cai.

Bebedor de cachaça inveterado, jogador de cartas (baralho), escreveu:

O seu moral descompassa
possuindo esses dois vícios
De um cachorro não passa.
Logo, de Deus, perde a graça,
Satanás fica contente
E o nome desse ente
Toma nota em seu caderno;
Vai direitinho pro inferno
Quem joga e bebe aguardente.

Bobagem faleceu aos 33 anos de idade. Sentindo a morte chegar, escreveu a glosa que por sinal é uma das suas mais conhecidas. Vamos conferir:

De mim se aproxima a morte
Preciso fazer viagem
Com saudade de Bobagem
Vou fazer o meu transporte.
Vou procurar boa sorte
No Reino Celestial,
Jesus por ser divinal
Se compadeça de mim,
Que breve será meu fim
Da vida material.

Fiquemos com uma sextilha de Bobagem que, numa feliz inspiração, escreveu:

Dos filhos de minha mãe
Fui eu o mais infeliz
Fui casar voltei solteiro
A moça não me quis
Me acharam muito feio
Mas não fui eu que me fiz!

Fernando Caldas








Artista plástico portador de síndrome de down promove a oitava exposição...

Abre-me o caminho
para o aconchego
do teu silêncio.
Deixa-me
repousar nele
os sons
que me magoam as horas.
Beija-me as palavras
que não digo.
Abraça-me os sonhos
que desconheço.
Faz-me cativa
do sorriso
com que me seduzes,
porque já não creio
hoje
na promessa
que me farás amanhã...

Rita Pais


Foto: Abre-me o caminho
 para o aconchego
 do teu silêncio.
 Deixa-me
 repousar nele
 os sons
 que me magoam as horas.
 Beija-me as palavras
 que não digo.
 Abraça-me os sonhos
 que desconheço.
 Faz-me cativa
 do sorriso
 com que me seduzes,
 porque já não creio
 hoje
 na promessa
 que me farás amanhã...


Rita Pais

sábado, 23 de novembro de 2013

SEMPRE Ao contrário de ti não tenho ciúmes. Vem com um homem às costas, vem com cem homens nos teus cabelos, vem com mil homens entre os seios e os pés, vem como um rio cheio de afogados que encontra o mar furioso, a espuma eterna, o tempo. Tirá-los todos até onde te espero: estaremos sempre sozinhos, estaremos sempre tu e eu sozinhos na terra para começar a vida. 
Pablo Neruda

Foto: SEMPRE

 Ao contrário de ti 
 não tenho ciúmes. 

 Vem com um homem 
 às costas, 
 vem com cem homens nos teus cabelos, 
 vem com mil homens entre os seios e os pés, 
 vem como um rio 
 cheio de afogados 
 que encontra o mar furioso, 
 a espuma eterna, o tempo. 

 Trá-los todos 
 até onde te espero: 
 estaremos sempre sozinhos, 
 estaremos sempre tu e eu 
 sozinhos na terra 
 para começar a vida. 

 Pablo Neruda

SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI

(Titulo do blog)

Francisco Doratioto

Pense no Paraguai

Por Bruno Garcia
  • Tudo começou com uma visita despretensiosa ao Paraguai, em 1983. Fascinado com o país, o historiador Francisco Doratioto terminou dedicando-lhe mestrado e doutorado, tornando-se o maior especialista nas relações entre o Brasil e seu vizinho. Tudo parece ter acontecido por acaso. Do interesse pela década de 1870, logo o historiador se viu obrigado a confrontar o tema da Guerra do Paraguai, mas não esperava encontrar grande novidade. O trabalho terminou, entretanto, com uma dissertação de quase 600 páginas que revolucionou a historiografia sobre o conflito.
    Doratioto aposentou teses até então consagradas. O imperialismo inglês, tratado como responsável pela guerra, teve pouca ou nenhuma responsabilidade. O historiador demonstra ainda que, diferente do que se dizia, o Paraguai não era moderno e industrializado. E descobre um Duque de Caxias que, além da grandeza militar, tinha uma notável dimensão humana. “O que eu gosto no trabalho do historiador é essa surpresa de chegar a um documento e descobrir algo novo”.
    Conversando com a equipe da Revista de História, o professor da UnB contou detalhes sobre o plano militar de Solano López e falou sobre a demora de teses e interpretações originais chegarem às escolas e aos livros didáticos e sobre sua trajetória acadêmica, que continua rendendo trabalhos inéditos sobre a relação entre os dois países. Acaso ou destino, a visita de 1983 parece ter se estendido além do previsto, como confessa o historiador, “desde então, eu e o Paraguai estamos num casamento sólido”.
    Revista de História – Por que estudar o Paraguai?
    Francisco Doratioto – Eu fui ao Paraguai em 1983, na época da ditadura de Alfredo Stroessner, e a gente tinha a sensação de voltar no tempo. Fiquei impactado com uma história que pouco conhecia, com as pessoas sempre simpáticas, com o discurso anticomunista de defesa da ditadura e o culto à personalidade de Stroessner. Resolvi saber mais. E pensei em fazer uma pós-graduação, e o que eu conhecia da Guerra do Paraguai, naquela época, era basicamente o livro do [Julio José] Chiavenatto e me parecia que ela já estava bem explicada. Pensei em estudar as relações entre Brasil e Paraguai depois da guerra. Fui fazer uma pesquisa e me deparei, em 1984, com uma tese de doutorado recém-defendida pelo professor Moniz Bandeira. Ele tinha uma longa trajetória intelectual, tinha sido exilado político e, ao voltar, fez um doutorado na USP, cuja tese veio a ser o livro O expansionismo brasileiro. É o estudo da geopolítica portuguesa/brasileira do rio da Prata da época colonial até a Guerra do Paraguai, mas apenas sua origem, sem analisar as operações militares. Foi fascinante porque questionava a visão clássica sobre o imperialismo inglês. Era uma tese diferente da forma como eu via e ensinava a questão na época, pois eu era professor secundário em São Paulo.
    RH – Como o senhor chegou ao tema da Guerra do Paraguai?
    FD - Quando eu comecei o mestrado, pensava em analisar as relações Brasil-Paraguai no pós-guerra e a rivalidade brasileiro-argentina nas negociações de paz após 1870. Mas para explicar a rivalidade entre Brasil e Argentina eu me dei conta de que precisava entender as relações político-militares entre os dois países durante a Guerra do Paraguai. E ao pesquisar sobre as operações militares, me deparei com informações que eram inéditas e outras que, com o passar do tempo, simplesmente haviam sido esquecidas; daí a guerra se tornou meu interesse.  
    RH – Como era a produção paraguaia a respeito?
    FD – Havia poucos livros sobre história da política externa paraguaia e as relações com o Brasil, e nenhum analisando o período posterior a 1844, quando o Brasil foi o primeiro país a reconhecer formalmente a independência paraguaia. Sobre a guerra, todos faziam apologia da figura de Francisco Solano López, que era herói oficial da ditadura de Stroessner, o qual se apresentava como herdeiro daquele. A versão do Chiavenato fez muito sucesso no Paraguai, o que é aparentemente contraditório, pois no Brasil seu sucesso foi junto à esquerda. No Paraguai, foi um sucesso junto à direita, à ditadura do Stroessner que, para legitimar-se, se apresentava como um herdeiro da luta de Solano López e da grandeza do Paraguai, de uma suposta “idade do ouro” que, na realidade, nunca existiu e foi inventada pelo revisionismo nacionalista paraguaio.
    RH – O que o Paraguai queria nessa guerra?
    FD – Fala-se Paraguai por uma questão didática, mas a decisão foi de Solano López. Tratava-se de uma ditadura, mas não na forma contemporânea que conhecemos. Não havia meios de comunicação ou inserção internacional, como hoje. Uma ditadura hoje, por mais ferrenha que seja, tem que reagir ao contexto internacional e há algum processo decisório, mas na de Solano López tudo se concentrava nele. A elite paraguaia era ínfima e dependente dele, enquanto o cotidiano dessa ditadura é algo digno de Gabriel Garcia Márquez, do realismo fantástico. Tanto [o presidente argentino] Bartolomé Mitre quanto o governo imperial tinham oposições e havia no Brasil e na Argentina certo debate sobre política externa, além de jornais que refletiam diferentes posições. No Paraguai não existia jornal, além de um diário oficial, e nem oposição. A oposição estava em cemitérios ou no exílio na Argentina. A população era pequena, o país era fechado ao exterior e ela não tinha acesso a outras informações, que não as oficiais.  
    RH – Então, por que houve a guerra?
    FD – A documentação mostra, inequivocamente, que em 1864 não havia nenhum plano militar do Império do Brasil contra o Paraguai. Sequer havia um exército brasileiro moderno organizado; seus efetivos não chegavam a 20 mil homens e estavam distribuídos pela imensidão do país. Do lado da República Argentina, criada em 1862 e ainda sem exército nacional, não interessava um governo paraguaio, que tinha vínculos com a oposição argentina que se opunha à centralização do poder em Buenos Aires. Mas Mitre não podia fazer nada contra Solano López, no mínimo por não ter recursos militares para tanto. Aparentemente, Solano López não pensava assim ou, então, tomou uma opção de risco, a de iniciar uma guerra, aproveitando-se do contexto favorável para impor-se ao Brasil e à Argentina.
    RH – Havia quem apoiasse López?
    FD – No Uruguai, ele tinha uma aliança tácita com os blancos, pois lá acontecia uma guerra civil entre estes, que ocupavam legalmente o poder, e os colorados, que se sublevaram com o apoio de Mitre e as simpatias dos estancieiros do Rio Grande do Sul e, depois, do governo brasileiro. Na Argentina, a centralização do poder nas mãos da elite portenha em 1862 era recente e as oligarquias do interior tinham muito autoridade e resistiam a Buenos Aires. O principal caudilho oposicionista, Justo José de Urquiza, da província de Entre Ríos, estimulou Solano López a resistir a Buenos Aires que, por sua posição geográfica, tradicionalmente era um obstáculo ao acesso paraguaio ao Oceano Atlântico e, portanto, ao comércio com o exterior. Solano López tinha o apoio dos blancos, tinha o apoio de Urquiza, e sabia que o sul do Brasil era fraco e vulnerável militarmente. Ele fez um plano militar brilhante, arriscado mas brilhante, que consistia em uma “guerra relâmpago contra o Brasil e Buenos Aires, mas que deu errado. Afinal, planos brilhantes também dão errado.
    RH – Qual foi o plano?
    FD – Começar uma guerra contra o Brasil, em um ataque surpresa a Mato Grosso, para garantir a retaguarda paraguaia, o que ocorreu em dezembro de 1864 e, ao ter negada permissão de Mitre para passar com as tropas por território argentino para invadir o Rio Grande do Sul, Solano López invadiu a província de Corrientes em abril de 1865 e o Rio Grande do Sul em junho. Ao que tudo indica, o plano era vencer Mitre e impor uma derrota militar ao Império no Uruguai. Esse plano era exequível, tanto que os paraguaios chegaram até Uruguaiana e ocuparam Corrientes com facilidade. Só não foram além porque, no Rio Grande do Sul, o coronel Estigarribia desobedeceu a ordem de não entrar nas cidades para não perder tempo na marcha. Mas como Uruguaiana era um centro comercial, os paraguaios nela entraram para saqueá-la, dando tempo aos aliados de se organizarem, sitiarem a cidade e, após combate, obterem a rendição de Estigarribia.
    RH – E em relação à Argentina?
    FD – Solano López pensou em uma guerra relâmpago contra a Argentina e o Brasil. Após ocupar Corrientes, o comandante das forças paraguaias, general Robles, também desobedeceu as instruções de marchar para o sul e manteve-se imóvel, dando tempo de reação por parte dos aliados. Ademais, Urquiza aderiu aos aliados, inviabilizando um apoio organizado da oposição argentina a Solano López. O plano era de os invasores marcharem para o sul, rumo a Buenos Aires, na condição de libertadores das províncias do interior contra a capital, contra Mitre.
    RH – Qual foi a participação do Duque de Caxias?
    FD – Esta foi uma surpresa para mim. Fiz minha graduação durante a ditadura militar e tudo o que o regime afirmava a gente pensava o contrário. Se o regime apresentava Caxias como herói, nós éramos contra. Este foi um grande prejuízo para o mundo intelectual brasileiro: a polarização política e a falta de liberdade acadêmica levaram a interpretações que, em outras condições, não teriam prosperado, e uma delas é o equívoco na interpretação da figura de Caxias.   
    RH – Que interpretação foi essa?
    FD – Para mim, foi fantástico ler a correspondência dele, porque descobri um “outro Caxias”. Por exemplo, ele foi contra a continuação da guerra em 1868. Ele foi a favor da paz, mas o imperador mandou-o continuar. Aquele senhor de mais de 60 anos de idade, que tinha sido ministro da Guerra, era senador vitalício, enfim, que estava numa posição politica confortável, aceitou ir para a guerra em 1866, em um momento em que a possibilidade da vitória aliada estava comprometida. Falava-se em derrota, em fazer a paz; o exército estava desorganizado e desmoralizado após a derrota na batalha de Curupaití e, ainda assim, ele aceitou ir para o Paraguai.
    RH – Por que ele aceitou?
    FD – Caxias era um fiel servidor do Estado monárquico. Embora não fosse um amigo do imperador, ele era extremamente fiel à sua figura. O que me surpreendeu foi sua dimensão humana, suas angústias com a guerra e sua subordinação ao poder civil. Ele era uma figura mais complexa do que o chefe militar vitorioso, disciplinador e centralizador que o regime militar me apresentara nas décadas de 1970 e 1980. Ele foi um grande líder militar, cometeu erros, mas muito mais acertos, e conseguiu destruir o exército inimigo. Em todos os comandos que exerceu, Caxias obedeceu às ordens superiores, inclusive aquelas das quais discordava pois, além de disciplinador, era disciplinado e sempre foi fiel à Constituição e subordinado ao poder civil; foi um legalista do Império. Estas características devem ser recuperadas na construção de um Brasil democrático e moderno.
    RH – Como ficou o Paraguai quando terminou a guerra?
    FD – Foi destruído. Claro que também não era o país industrializado e moderno, mito construído por aquele revisionismo histórico mais populista. Era um país agrário, com técnicas de cultivo atrasadas e com alguns lampejos de modernidade com finalidade militar. Se você aceitar a tese de que o Paraguai era desenvolvido e industrializado, o que não é verdade, a destruição teria sido abismal. Se você considerar que se tratava de um país agrário, também foi uma destruição. Mas nos faltam dados confiáveis.
    RH – De que tipo?
    FD – Sabemos que houve uma imensa perda demográfica, mas não sabemos exatamente de quanto, e essa falta de informação também se aplica às forças aliadas. Podemos falar que o exército imperial teve uma imensa perda, mas só sabemos em termos relativos, não absolutos. Não temos certeza, até hoje, de quantos homens foram para guerra pelo lado do Brasil. Nós não sabemos qual era a população do Paraguai no início da guerra. Sabemos que não era de 1 milhão, como afirma o revisionismo, mas sabemos que a maior parte da população masculina morreu, podendo-se afirmar que houve uma hecatombe demográfica, pois no país a mortandade se concentrou entre aqueles que estavam em idade reprodutiva. A perda masculina foi tão grande que, inclusive, se cita a poligamia como consequência da guerra, mas este não é um bom argumento, pois ela existia  no Paraguai desde os tempos coloniais. A historiadora alemã Bárbara Potthast-Jutkeit afirma que o número de mulheres que um homem tinha era um indicador de prestígio político no Paraguai colonial.  
    RH – Como a economia paraguaia foi afetada?
    FD – A agricultura perdeu terreno para uma floresta que reocupou os campos, e o interior ficou despovoado. A partir da década de 1870, houve o início da valorização de matérias-primas, devido à industrialização acelerada da Europa. Argentina, Uruguai e Brasil se beneficiaram muito com isso, mas não o Paraguai. O país não tinha um produto competitivo para exportar e nem acesso a essas correntes internacionais de comércio devido à sua posição geográfica de país mediterrâneo. Desse modo, o Paraguai se tornou a periferia da periferia, dependente da Argentina.
    RH – Como ficou o equilíbrio de poderes no Cone Sul?
    FD – A guerra acentuou a rivalidade entre Brasil e Argentina. Em 1868, o partido conservador retornou ao poder no Brasil. Era o mesmo partido que, na década de 1840, havia elaborado uma política externa de contenção de Buenos Aires e que via a Argentina como um inimigo que um dia atacaria o Império. Do lado argentino, o presidente eleito em 1868, Domingo Faustino Sarmiento, não confiava no Império. Quando a guerra acabou, houve uma tensão enorme. A diplomacia brasileira criou um governo provisório em Assunção, composto por paraguaios sem ligações com Buenos Aires e, depois, influenciou na montagem de uma estrutura política, de modo a garantir a continuidade do Estado paraguaio independente, pois temia-se que pudesse ser incorporado à Argentina. Até 1876 houve uma divisão do Exército Imperial; 3 mil homens ficaram aquartelados em Assunção, e o Império usou sua superioridade militar para impedir que se instalassem no Paraguai governos favoráveis à Argentina. A tensão foi muito grande, a ponto de o Brasil assinar com o Paraguai um tratado de paz unilateral em 1872, o que era proibido pelo acordo que criou a Tríplice Aliança [Argentina, Brasil e Uruguai]. Por ele, todo o território a oeste do rio Paraguai seria anexado à Argentina, o que foi rejeitado pelos conservadores brasileiros, sob o argumento de que este país teria, então, fronteira com Mato Grosso, de difícil defesa. Só não houve guerra entre o Império e a Argentina porque ela não tinha Marinha de Guerra e sua economia seria duramente atingida em caso de bloqueio naval brasileiro ao porto de Buenos Aires. Em 1876, depois de arbitragem internacional do presidente dos EUA, a Argentina ficou apenas com parte desse território, de acordo com o desejado pelos conservadores brasileiros, embora eles não tivessem tido qualquer influência nesse laudo arbitral.
    RH – Existem documentos que permanecem secretos?
    FD – Não pesquisei no arquivo do Exército, de modo que nada posso afirmar sobre ele, mas não me surpreenderia que nele ou em outros arquivos houvesse algo inédito, em decorrência da classificação incompleta de documentos. No entanto, quando se fala em arquivo secreto da Guerra do Paraguai, cita-se o diplomático, do Itamaraty, no Rio de Janeiro. Conheço bem esse arquivo e tenho certeza de que nele não há documentação sobre a Guerra do Paraguai, sobre as operações militares que tenham se mantido secretas. Existiu, de fato, essa documentação, mas ela foi liberada na década de 1990; de verdadeiramente inédito, havia pouco menos de duas dezenas de cartas do Solano López sobre condições de saúde no exército. O resto era material já de conhecimento público, mas que ficou secreto por muito tempo não pelo conteúdo, mas pela lógica burocrática da instituição, e em função da falta profissionais que pusessem a documentação em ordem para a consulta.
    RH – Como o senhor vê o ensino da guerra na escola e o lapso entre as pesquisas acadêmicas e o ensino escolar?
    FD – Leva alguns anos até os resultados de uma pesquisa original chegarem aos livros didáticos dos ensinos Fundamental e Médio. Muitas vezes editoras e autores de livros didáticos não querem fazer essas inclusões, por comodidade ou custo financeiro. Ademais, o professor do Fundamental e do Médio, que é um herói, pois ganha pouco e trabalha muito em condições precárias, não tem tempo e nem dinheiro para se atualizar.  Além disso, dizer que o imperialismo não foi responsável pelo conflito ou que foi Solano López que iniciou o conflito, retirando-lhe o papel de vítima, faz com que se tenha  de repensar outras explicações para o processo histórico de nosso país e da América Latina. Se você passou 20 anos acreditando em uma coisa, é difícil mudar de opinião. É muito mais fácil e confortável culpar o imperialismo por todos os problemas do nosso continente, embora, evidentemente, tenha existido a ação imperialista, como o demonstra a criação do Canal do Panamá.
    RH – Qual é o tema da sua nova pesquisa?
    FD – Publiquei, no ano passado, o livro Relações Brasil-Paraguai: afastamento, tensões e reaproximação (1889-1954); são 550 páginas recheadas de informações inéditas obtidas em arquivos. Para tanto, eu tive uma bolsa de produtividade cientifica do CNPq e, agora, com esse mesmo apoio, estou trabalhando as relações entre o Brasil e a ditadura de Stroessner. É uma pesquisa que envolve questões como a cooperação militar e cultural, a integração logística, a construção de Itaipu, a Operação Condor, a relação entre ditaduras e o impacto da redemocratização brasileira na ditadura de Stroessner. Para tanto, já pesquisei no arquivo diplomático uruguaio e agora estou pesquisando no Itamaraty; também espero ter acesso a arquivos na Argentina e no Paraguai. Há bibliografia sobre alguns desses aspectos, mas baseada em documentação limitada, pois a Lei de Acesso à Informação é deste ano. Minha expectativa é a de escrever, daqui a algum tempo, um livro sobre essas relações baseado em documentação inédita e nos trabalhos já publicados por colegas.

ASSUENSES DAS ANTIGAS

Família do Casal Judilita/Geraldo Dantas.

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