segunda-feira, 25 de novembro de 2013

JARDIM DO SERIDÓ, ANTIGAMENTE...

PADRE MARCELINO (*) 


Igreja Martriz de Jardim do Seridó



(Nota de Othoniel Menezes aposta a uma das sextilhas do livro “Sertão de Espinho e de Flor” (poema em 16 Cantos), no livro “OTHONIEL MENEZES - Obra Reunida”. 


“Por que não, se o padre é um santo?
Lidou tanto, perdoou tanto,
que anda curvado, a tremer…
A cabeça, alva, é um capulho,
esgarçado ao sol de julho…
– São Marcelino há de ser.

* * *

Todo este poema, desde a primeira página, vê-se logo, é uma apologia, uma defesa do sertão e da admirável gente – vítimas, imbeles[1] e resignadas, do celerado abandono a que, de trezentos anos a esta época de atômica superfetação[2] da democracia, os relegaram, os políticos e o governo da república; vítimas da imbecil ironia de muitos “escritores’ e “poetas” granfinos, irmãos desnaturados, caluniadores de Jeca Tatu e Manoel Xiquexique, que aqui continuam a lutar sozinhos, pegando queda de corpo com o sol, para gáudio do parasitismo dourado dos “mestiços neurastênicos do litoral”.

A expressão anotada inspira-se nas recordações de infância do Autor, quando via ele, na figura do pároco de uma freguesia, a encarnação da pureza e da bondade dos velhos ministros da Igreja, e cujas mão eram beijadas, a cada encontro do dia, por todos os habitantes do lugar.

Seguem umas notas biográficas, devidas à incansável prestimosidade do Dr. Heráclio Pires, que já ilustrou várias das presentes NOTAS. Delas ressalta, simpática e original, a personalidade do vigário de Jardim do Seridó, naquela época (1899-1908), e evocada no poema:

“Era paraibano, e chegou ao Jardim em fins de 1899, como vigário. Foi um dos melhores homens – padres, sobretudo – de quantos tenho conhecido. Quando aqui chegou, já beirava pelos oitenta anos, trazendo uma velha criada e uma moçoila, que era sua sobrinha. O padre Marcelino Rogério dos Santos Freire era tio legítimo do major Umbelino Freire de Gouveia Melo, que foi administrador dos Correios, em Natal. A indumentária do velho sacerdote era o que havia de mais pitoresco, e assim o vi milhares de vezes. Avalie o amigo como ele resolveu o caso do preço, então elevadíssimo, dos chapéus sacerdotais: chamou a um dos nossos mais hábeis “carapuceiros” (fabricantes de chapéu-de-couro), deu-lhe todas as medidas, e mandou fazer um cahpéu de couro para o seu uso diário, com o formato dos chapéus de padre; depois de bem pintado a Nubian[3], ficou mesmo um belo chapéu.

Restava o caso da batina, o que, entretanto, não embraçou o nosso herói: mandou costurá-la de brim preto, com a dupla vantagem de ser mais fresca, neste rigoroso clima do sertão, e mais econômica! Veja que tudo ele resolveu sem ferir as exigências litúrgicas ou canônicas e, portanto, merecia aplausos. Também conheci aqui um oficial da nossa Polícia e que, um belo dia, me apareceu no balcão (o dr. Heráclio manteve uma ótima farmácia, em Jardim, por alguns decênios) com uma farda… de brim preto! Com os respectivos galões e botões próprios; menos, apenas, o cinturão… Censurando, eu, a propósito, o mau gosto da nossa Polícia, em adotar tal fazenda para os seus oficiais, ele me respondeu, com a maior naturalidade, que absolutamente não se tratava disso e, sim, que havia mandado confeccionar aquela farda funérea, porque lhe havia morrido o pai!… (…).

Voltando ao padre Marcelino: aqui passou ele cerca de 8 a 10 anos, durante os quais amealhou alguma pecúnia. Voltou à Paraíba, onde D. Adauto o agraciou com o título de Cônego. Ali morreu, com mais de 90 anos de idade”.

(*) Padre Marcelino Rogério dos Santos Freire (Vigário de Pedra Lavrada/PB, de 1860 a 1870 e de Jardim do Seridó/RN entre 1899 a 1908).
[1] Que não é belicoso; não beligerante.
[2] Coisa que se acrescenta inutilmente a outra; excrescência, redundância.
[3] Antiga marca de tinta para calçados.

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