quinta-feira, 30 de julho de 2009

PERMANÊNCIA DE EZEQUIEL

Os espiritualistas de todas as correntes religiosas ocidentais falam-nos de uma segunda vida, cujo portal de saída da vida terrena - a morte - seria a de entrada para aquela outra.

Seja como for, aqui ou lá, Ezequiel Epaminondas da Fonseca Filho, que há mais de um ano (15.01.87) transpôs esses umbrais, deixou em sua cidade e em sua gente, uma tradição de fecunda humanidade e filantropia que hão de contemplá-lo, onde estiver, de felicidade permanente.

Pela palavra de um pregador católico, na homila de um morto, ouvi que só os que não têm fé se atemorizam com a morte física. Não sei, por sentimento de quem perdeu pai, mãe, esposa, irmãos e amigos queridos (Melé, a Vara, César, Oldanir) que uma morte e indesejável e temida pelas pessoas de inteligência mais ou menos desenvolvida - a morte que vem pelo esquecimento.

Sem memória o morto não sobrevive para a família, nem para os amigos, muito menos para a humanidade, tão entre si ligada por problemas comuns à salvação e tão extranhamente separada quando os povos se avaliam e se confrontam como nações.

Ezequiel Fonseca Filho eu conheci desde menino (parece que nasci por suas mãos de parteiro) e depois, na política, militei em suas campanhas como orador de comícios que faziamos pelo Vale do Assu. Para mim ele só deixou a marca de ter sido servidor do seu povo, como médico, examinando, tratando, fazendo curativos, atendendo chamados, tudo num mundo subdesenvolvido do interior do Rio Grande do Norte, como era exigido de um profissional de sua sabedoria e conceito.

Aprendi a querer bem a esse homem que cumpriu quase um século de existência continuamente jovem e bem humorado. Uns dois meses antes que sua alma transparente atravesse o patamar de uma nova dimensão, me procurou em casa, aqui em Natal, para conversarmos literatura e sobre seu projeto de editar um novo livro, desta vez sobre glosadores assuenses. Antes me confiara o acompanhamento da edição do seu "Poetas e Boêmios do Assu", que é um registro crítico importantíssimo para a história cultural do Estado.

Aos 92 anos alguém fazer projeto de publicar livro, como se estivesse começando uma carreira de escritor, é um fenômeno para mim fantástico. E ele, lúcido, conversando com a humildade que nem todo aprendiz de escritor tem, mostrava-se um exemplo de vida plena e vigor mental de quem sonha e ama realizar os seus sonhos.

Não vou esquecê-lo nunca, porque sei que é difícil, hoje, encontrar uma alma tão boa como a dele, e porque sei que ele me amava como a um filho.

A sua morte não pode ser como a daqueles que morrem anonimamente. Sua existência não pode ser igualada à daqueles que fizeram um papel de transitoriedade em nosso Planeta.

Ele não veio para preencher um tempo, mas para ascese que se completa na eternidade.

Celso da Silveira
(Tribuna do Vale do Assu, 4.6.1988)

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