domingo, 2 de maio de 2010

"VIAJANDO O SERTÃO (II)"

"Até Santa Cruz rodamos sobre areia úmida e quase silenciosa. Oscar Guedes, inspetor do serviço de plantas têxteis, arriscava idéias sobre campos experimentais. O outro companheiro era Alcides Franco, chefe de serviço, um técnico de renome, com cursos especiais nos Estados Unidos e Inglaterra , saudoso da vida universitária e contando story deliciosas. Anfiloquio, junto ao motorista, só falava para desmentir quem o julgava cochilando." [companheiros de viagem]
"Serro Corá é uma surpresa. Povoado claro, com instalações elétricas, escola, capela, comércio, residências amplas e com um ar leve e frio que lembra Teresópoles, encantou-nos."
"O Ford dança no piso irregular. São Romão passa vagaroso como uma amostra de trabalho raciocinado e tranqüilo. A usina domina a eminência. Parece uma vila operária, azafamada e trepidante."
"Duma colina, bruscamente, aparece Angicos, um Angicos duplicado, espalhando uma casario numa área infinitamente maior que há dez anos passados. Prédios novos, estradas (...), caminhões pesados de algodão dizem índices de produção radicada.
O interventor visita o Grupo Escolar. Eu fico olhando as calçadas cheias de povo que afirma a impossibilidade de transpor o rio Assú, trasbordante e seu aliado, o Paraú, de barreira a barreira."
[Percurso – Santa Cruz – Cabeço Branco – Serro Corá – São Romão – Angicos.]
"Duas canoas oscilam como pêndulos no dorso trêmulo daquela água viva. Anfiloquio pergunta se tenho seguro de vida. Respondo que tenho a vida segura na confiança de Deus. (...) Apesar de contar algumas coragens, para que não confessar, estou com medo. Medo de molhar-me que, algumas vezes, é pior que morrer."

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L. da C. C.

Ao lado da segunda crônica de Câmara Cascudo da série "Viajando o Sertão", o jornal publica uma reportagem intitulada "A excursão do Interventor ao Interior do Estado".
"Partindo de Natal no dia 16 de maio (...), o interventor Federal [Mário Camara], que se fazia acompanhar dos drs. Anfiloquio Camara, diretor geral do departamento de Educação, Antônio Soares Júnior, Prefeito de Mossoró, Alcides Franco, chefe da segunda seção técnica do Serviço de Plantas Têxteis, Oscar Guedes, inspetor do mesmo Serviço e Camara Cascudo, chegou a Santa Cruz."
A reportagem descreve a trajetória do interventor Federal pelas cidades do interior do Rio Grande do Norte, as homenagens prestadas a ele, almoços, jantares, as recepções e condecorações. É interessante contrastar essa versão oficial da viagem com as crônicas escritas por Cascudo. Tanto a crônica quanto a reportagem relatam a viagem para o Sertão, mas com perspectivas diferenciadas; são olhares que se direcionam para paisagens distintas.
Na minha opinião, importam menos a Cascudo, e isto, fica claro em seu relato, as homenagens, o caráter político da ida ao Sertão e mais a preocupação em descrever o cotidiano das cidades, a gente simples e anônima.
Cascudo transita tanto no espaço oficial, âmbito da política e da notoriedade (cargos importantes, amizades influentes etc.), quanto no espaço anônimo onde reside o popular (conversas, estórias, casos, etc.).
Cascudo aparece na versão oficial discursando:
"Concedida a palavra, o Dr. Dario de Andrade pediu que o Dr. Câmara Cascudo, filho do município [Paraú] , falasse. (...), falou o Dr. Câmara Cascudo aceitando o título de saudar a velha terra de seus pais e avós. Falou sobre a função das escolas e a saudade de seus dias de menino decorridos naquela terra, sob a benção carinhosa daquela bondade que novamente o recebia e agasalhava. A grande assistência aplaudiu longamente o orador.(...)"

03/06/1934

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