quinta-feira, 14 de julho de 2011

Augusto Severo Neto é pouco conhecido entre os jovens. Mas é um dos maiores poetas e "causers" do Rio Grande do Norte. O seu lirismo nostálgico, com acentuado timbre hispânico (Machado, talvez), revela uma poética arrebatadora em que que o leitor é convocado à cumplicidade, como se revivesse ou compartilhasse as mesmas imagens e cená...rios desenvolvidos pelo autor. Selecionei um dos seus mais significativos poemas - Balada daquela casa. De fato, uma pavana.

Por Pedro Simões

"Era uma casa sozinha
Sem gritos, sem gargalhadas,
Sem vozes dentro da sala,
Sem louças batendo louças,
Sem passos pelas escadas.

Havia um cheiro abafado,
Um cheiro assim bolorento,
Talvez por falta de vento,
Talvez por falta de luz.
As janelas quando abertas
Gritavam tintas quebradas

E as portas estavam coladas
Mais ainda que as janelas,
Que para abrir uma delas
Fiquei com as mãos machucadas
Cheias de manchas azuis.

Mas a porta foi aberta
E uma janela também.
O vento entrou por elas
Eu entrei atrás do vento,
Olhei por todos os lados
Procurei quartos e salas
A casa estava deserta,
Lá não havia ninguém.

O vento que entrou comigo,
Decerto um vento menino,
Brincou com um jornal antigo,
Folheou velhas revistas
Atiradas nas cadeiras,
Soprou poeira dos móveis
Fez redemoinho no chão.

Talvez que por milagre
O relógio trabalhava
E o seu batido se ouvia
Por toda parte da casa.
A moldura de silêncio
Que circundava as pancadas
Uniformes, compassadas,
Despertou-me uma pergunta:
Como nós, aquela casa
Não teria um coração?

Não sei, porém eu sentia
Que qualquer coisa pulsava,
Qualquer coisa acompanhava
O sangue nas minhas veias.
Perguntei-me: o que seria?
Junto de mim não há nada,
A casa estava fechada,
Os lustres cheios de teias,
Os móveis empoeirados,
Há muito não vem ninguém.
E esse algo pulsando?
Talvez eu estivesse certo
Quando, há pouco, pensava
Que os batidos que escutava
Nasciam do coração
Que essa velha casa tem.

Era uma casa sozinha,
Sem gritos, sem gargalhadas,
Sem vozes dentro das salas,
Sem louças batendo louças,
Sem passos pelas escadas.
Era uma casa deserta,
lá não havia ninguém."

[Texto transcrito do Facebook de Pedro Simões]

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