terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Entre engenhos e alambiques

Tádzio França - repórter

A cachaça é a bebida mais popular do Brasil desde que os primeiros engenhos foram criados no início da colonização portuguesa. É história, e também é deleite para os paladares mais exigentes. A partir do momento em que o destilado nacional passou a ser devidamente valorizado, e a produção artesanal ganhou importância como padrão de qualidade, os velhos engenhos de alambique se tornaram atrações à parte. O Rio Grande do Norte também está nessa rota, apesar de muita gente ainda desconhecer o fato. Os caminhos dos alambiques levam para o interior do Estado, por recantos ainda vistos por poucos, lugares com aparência - e sabor - de história. Um passeio que pode render saborosos brindes. 

Marco PoloMaria Boa e Mucambo estão no cardápio do Engenho de GoianinhaMaria Boa e Mucambo estão no cardápio do Engenho de Goianinha
Goianinha já chegou a ter 21 engenhos em funcionamento. Após um período de declínio, a partir dos anos 80 as novas tecnologias foram proporcionando um renascimento. O produtor Frederico Araújo Lima está há oito anos à frente do Engenho Mucambo, onde produz as cachaças Maria Boa e Mucambo, duas iguarias finas para beber. Ele faz parte de uma família que tem mais de 200 anos em tradição produtora na área. "Nosso antigo engenho ficava na fazenda Bom Jardim, onde minha mãe mora até hoje. O negócio entrou em decadência e passou muito tempo parado, até que em 2003 resolvi começar tudo do zero", conta. 

Os novos suportes tecnológicos  fizeram com que produtores veteranos e novatos passassem a investir novamente na cachaça artesanal. O Engenho Mucambo faz parte dessa leva que está refinando o cardápio de destilados do Rio Grande do Norte. Sob a orientação do Sebrae, esses engenhos combinam modernidade e técnicas artesanais para fazer suas bebidas. A Mucambo segue o padrão produtivo: usa cana de açúcar sem agrotóxico; corte da cana sem uso de queimada; moagem até 24 horas após a colheita; uso de fermento (sem produtos químicos); destilação com temperatura controlada; envelhecimento em barris de madeira, e total higiene nas atividades. 

Todas as etapas do processo de produção da cana, da moagem até o engarrafamento, podem ser vistas numa passagem rápida pelo engenho. Frederico Lima percebeu o potencial disso para atrair um novo público, e tem planos para o local que vão além da cachaça. O produtor pretende fazer do engenho um pólo de turismo rural. A construção do espaço já se encontra adiantada. "Pretendo fazer da Mucambo um parque temático ecológico, com uma série de atrativos para quem desejar saber mais sobre a ambientação do campo, a cultura, e tudo que o envolve", explica. Ele pretende abrir o engenho para essas funções já no primeiro semestre do ano que vem. 

Arquivo/TNFazenda Bom Jardim, onde Mário de Andrade se hospedou nos anos 20, teve o primeiro engenho da família Araújo Lima, há duzentos anosFazenda Bom Jardim, onde Mário de Andrade se hospedou nos anos 20, teve o primeiro engenho da família Araújo Lima, há duzentos anos
O espaço do engenho já conta com vários elementos do futuro parque. Foi construída uma bodega de taipa ao estilo antigo, que além de cenário também venderá as caninhas; há um mucambo - as casas que os escravos construíam quando fugiam - estilizado, e um restaurante que está em fase de finalização. Será construído ainda uma piscina e parque infantil. O engenho também já dispõe de uma trilha ecológica, com banho de bica, que só pode ser realizada através de reservas. 

Frederico também agregou um projeto cultural chamado Casa do Caboclo, que está representado na forma de uma casinha típica de taipa. Por dentro, traz vários elementos do estilo de vida do sertanejo clássico, com as roupas de couro para vaqueiros, caçuás, cangalhas, pilão, esteiras, rolo de fumo, cachimbo, pratos de barro e tudo o mais. Ele pretende criar uma programação mensal para esse projeto, junto à Secretaria de Educação e Cultura, agendado visitas de escolas, universitários, historiadores, e interessados em geral. Trios de forró também estarão incluídos. O produtor foi inspirado pelo projeto que há anos é feito pela bicentenária Fazenda Bom Jardim, que agencia visitas ao seu sítio histórico com direito a café da manhã e almoço. E não para por aí; "No futuro, pretendo criar uma pousada rural, pequena e aconchegante, para quem quiser aquele clima de fazenda", diz.

O Engenho Extrema, no município de Pureza, é outro que pretende atrair não apenas o paladar  de seus visitantes. Há cinco anos produz e vende a cachaça Extrema, a primeira caninha orgânica do Estado. O engenho também produz licor, e há um projeto para vinho em 2013. "Tudo deve ser 100% desprovido de produtos químicos na produção, e a gente deve manter sempre o padrão", afirma o proprietário Anderson Faheina. 

No local há um receptivo com auditório onde, além de explanações sobre a produção, há minicursos de cachaça e degustações. O visitante também conhece o projeto sócio-ambiental do engenho, que consiste em trabalhar e purificar a sujeira dos esgotos, convertê-la num líquido rico em nutrientes, e irrigar os vegetais que alimentam o gado. Um interessente processo de beneficiamento sustentável. A Extrema ganhou recentemente o prêmio MPE Brasil de 'melhor empresa do agronegócio' e destaque em responsabilidade social. 

Agregar valor à cachaça artesanal é o objetivo maior do Sebrae junto aos 12 produtores atuais relacionados à instituição. "Queremos que o consumo seja ampliado, já que a aguardente industrial ainda domina. Vamos mostrar que cachaça de qualidade não está só em Minas Gerais", afirma Honorina Medeiros, gestora do projeto de cachaça de alambique. Outros pontos que merecem visita e degustação: Fazenda Olho d'Água, em São José de Mipibu (Berckmans), Samanaú, na zona rural de Caicó, e a Papary, em Nísia Floresta. Há um brinde para todos os gostos.  

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