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Veríssimo de Melo, Rômulo Wanderley, Esmeraldo Siqueira, JOÃO LINS CALDAS, Djalma Maranhão, Evaristo de Souza e Manoel Rodrigues de Melo |
Transcrito do NOVO JORNAL [Natal, 29 de Janeiro de 2012]
Por Franklin Jorge
Cristovão Pimentel Tavares ninguém sabe quem é, mas Totó está na boca de todo mundo. Dono de uma banca de jogo, mora à Rua Prefeito Manoel Montenegro, uma das mais tradicionais do Assu, onde nasceu há setenta e seis anos.
Se conheci Seu Caldas! Era bem magrinho, raquítico… Virgem! Quando ele tinha raiva era um leão. Ficava brabo que só vendo. Era desse tipo de homens que não agüentam piada. Eu me lembro de uma passagem dele numa mesa de jogo. Ele jogava pif-paf com um soldado que passou batido e alguém que assistia o desenrolar da partida, avisou que Seu Caldas tinha ganhado…
O soldado, num rompante, disse que era uma batida ilícita, palavra cujo sentido ele talvez ignorasse ou não soubesse ao certo. Pois Seu Caldas, virando num bicho, levantou-se incontinenti e disse-lhe com todas as letras, Me respeite, moleque! Procure outra companhia. E foi embora, deixando dinheiro e fichas em cima da mesa…
Viciado em jogo de cartas, passava às vezes até três dias jogando, levantando-se da mesa apenas para fazer as necessidades. Comia pouquinho. Só gostava de beldroegas, verduras, essas coisas que não fazem bosta sólida. Andava sempre de gravata, que não tirava por nada nesse mundo, nem para dormir. Dormia engravatado. Não sei se tomava banho… Ele mesmo lavava sua roupa, que vestia ao secar, sem passar a ferro…
O ideal de Seu Caldas era plantar cajueiros por toda essa várzea e montar uma fábrica de doces e vinho de caju. Uma vez ele inventou de montar um ferro-velho, em sua casa, na Rua das Flores, que é a continuação desta rua onde estamos agora. O negócio não deu certo. Basta eu lhe contar que os meninos que iam vender o ferro a ele, que os atendia à porta da frente enquanto outros mais espertos, entrando pelos fundos da casa, roubavam-lhe a sucata para lhe revender depois. Ele comprava até tubo de creme dental vazio…
Era homem direito e de boa fé, pagando corretamente suas contas e sem explorar ninguém. Quando, por acaso, ele se excedia no jogo e não podia pagar suas contas em dia, negociava com o credor e parcelava o débito, um pouco de cada vez. Mas isto acontecia muito raramente. Seu Caldas era homem controlado, apesar da aparente desorganização da sua vida de eremita. Vivia sozinho, ou melhor, vivia na companhia de gatos e cachorros, pois tinha muito amor aos animais e até chegava a conversar com eles e a impressão que tínhamos era a de que os bichos entendiam suas palavras.
Não falava de sua vida particular com ninguém. Conhecia todo mundo e todo mundo o conhecia, mas cultuava poucas amizades. Era amigo de Luís Lucas Lins Wanderley, que chegava a ser seu parente, e de Dona Gena, Maria Eugênia Montenegro, que por muitos anos visitou todas as noites e mesmo durante o dia, para conversar sobre literatura e fatos do passado e da atualidade. Agora, ele tinha ódio a Renato Caldas, também seu parente. Uma noite ele parou na calçada de Dona Gena e deu boa noite a todos. Porem, ao perceber que Renato se achava entre os presentes, recuou e disse, Com exceção de um. E foi embora para não respirar o mesmo ar que Renato respirava…
Muito discreto e reservado, não sei o que o levou a contar-me que, ao tempo da sua moradia em São Paulo, aconteceu-lhe ir passear com sua namorada por uma praça e um rapaz, ao vê-los, galanteou a moça – que se chamava Arina -, por quem Seu Caldas estava apaixonado e apaixonado por ela morreu. Ele então, reagindo ao atrevimento do rapaz, sacou um canivete do bolso e mandou o sujeito andar, dizendo-lhe, Roda, patife, roda… O sujeito, apavorado, escafedeu-se para nunca mais. Como se sabe, Seu Caldas só andava armado. Algumas vezes ele se apresentava como o Capitão Caldas, mas não era homem de bravatas. Irritável, sim; o que é muito diferente.
Conheci muito sua mãe, Dona Fefa, uma velha baixinha e parruda, que vivia de vender homeopatia. Não me lembro quando nem de que morreu. Vivia retirada em sua casa, na Rua Moisés Soares, antes de 1922, chamada Rua das Hortas…
Totó conversa animadamente, equilibrando-se na beirada de uma rede esticada no meio da mínima sala, modesta e bem cuidada pelas mulheres da casa. Despeço-me, por fim, prometendo voltar outro dia para continuarmos essa conversa sobre um dos grandes poetas do nosso tempo. Bem humorado, fazendo pouco da própria saúde, Totó faz cara de incrédulo e dispara, Se eu for vivo, né? Se eu for vivo até lá…
Morreria alguns meses depois."
[Fragmentos do livro Assu Mitologia & Vivências, inédito.]
Por Laélio Ferreira
Desajeitado e cabreiro, a roupa já sem o vermelho da poeira da viagem no jipe, banho-de-cuia tomado na pensão de Chicó, na flor dos meus dezesseis janeiros, à porta da residência modesta, bati palmas e gaguejei o indispensável "ô de casa".
Tinha uma obrigação, um dever sentimental, sagrado, uma promessa a cumprir no Assu, naquele ano dos anos 50. Visitar, saudar o dono da casa, mestre de muitos sonhos e senhor incontestável da mais úbere, abundante, edênica, maravilhosa e fértil gleba de todo o Vale´- a "Frutilândia".
A incubência me fora dada por meu pai, Othoniel, anos antes convidado solenemente, insistentemente, para ser sócio, meio a meio, de um colossal empreendimento de fruticultura. Redenção econômica de toda a região, gerando riqueza, justiça social, inovando a produção de frutas, legumes, hortaliças, tudo em grande escala, gigantescas proporções. Os pobres sairiam da miséria, teriam moradia, grandes vilas operárias, escolas, assistência médica, futuro. Largariam os barões da cera, que nada plantavam, viviam em Natal jogando baralho no Natal Clube, tomando uísque, enriquecendo Maria Boa, passeando no Rio de Janeiro - impecáveis ternos de linho branco, lustrosos, gordos como bispos. Moderníssimas máquinas, escavadeiras imensas, dragas descomunais - rebocadas desde Roterdâ - abririam largo e profundo canal, em linha reta, de Assu a Macau. Ali, mar adentro, plantar-se-iam modernos, imponentes, equipados cais, frigoríficos, grandes armazéns. Luzentes guindastes, esteiras rolantes, saciariam a fome das bocarras dos porões das grandes embarcações da própria Companhia, espalhando por Oropa, França e Bahia cajus, mangas, pinhas, araticuns, mangabas, româs, laranjas-cravo, abacaxis, maracujás - os dúlcidos e tropicais produtos do gigante complexo agroindustrial da biliardária sociedade CALDAS & MENEZES...
De volta ao Assu e à dura realidade, de novo bati palmas na soleira da casinha modesta do senhor da "Frutilândia", naquela rua do Assu, naquela era dos anos cinquenta. Apareceu o amigo do meu pai, o sócio do sonho tão sonhado, tão detalhado, idealizado nas conversas dos dois. Disse-lhe quem era, fez-me uma festa daquelas, passando, suavemente, a mão na minha cachola sonhadora. Era magro, gestos nervosos, rápidos. Dando o nó na gravata, convidou-me a entrar, risonho, gentil, hospitaleiro. Calçava, notei, uma daquelas botas de feira. Calça, camisa, colete - tudo amarfanhado, encardido. Guiou-me em direção à cozinha, por uma picada, uma vereda aberta numa mata fechada de ferro-velho, pacotes de amarelados jornais e uma imensidão de garrafas até o teto - um "caminho de Santiago" que, como peregrino, perpassei, com medo de lacraia e caranguejeira. Enquanto conversávamos, ferveu água e serviu-me um café saboroso, pegando fogo, coado de um pano que devia ter uns bons anos de uso diário e constante.
Na minha idade, não tinha engenho, nem arte e nenhuma tendência para falar sobre poesia ou literatura com o idealizador da "Frutilândia". Mesmo que a minha casa, em Natal, vivesse, pululasse em certos dias, cheia de literatos e candidatos a poeta, aperreando Othoniel sobre coisas de metrificação, leituras, autores e outras milongas mais - alguns deles pedindo remendos em versos de pé-quebrado. Ficava só cubando, sem pigorar, quem era besta? Sem anuência ou conhecimento do dono da casa, tinha cometido, já, no Atheneu, algumas glosas sacanas e "burilado" uns tres ou quatro sonetos decassílabos à moda de Augusto dos Anjos - coisas horrorosas...
Na cozinha acolhedora, o cavaco, o bate-papo, limitou-se, pois, às notícias da capital, aos meus estudos, à saudação do "sócio" de Natal, à mútua e sincera admiração entre os dois, às amenidades. Nada sobre a "Frutilândia". Nada, também, acerca da razão social Caldas & Menezes". Ele entretanto, já na despedida - lembro bem - deu umas boas cutucadas nos políticos do Estado e de outras plagas, pilheriando, rindo com gosto, divertido.
Sol descambando, da porta da sala, do início do labirinto de ferro velho, jornal e garrafa de todo tamanho e cor, veio o chamamento: "Seu João, tá na hora!". Saímos. Era um meninote, chapeu-de-couro atolado na cabeça grande, cara de janduí. O homem bom me pediu licença e retornou aos cafundós do seu tugúrio.
Voltou lépido, brilho nos olhos, vestindo um paletó tão encardido quanto o restante da indumentária. Numa das mãos, um surrado bisaco de lona; noutra, uma lazarina impecável, ajeitada mesmo - o cano brilhando mais do que espinhaço de pão doce, a coronha envernizada, bonita como os seiscentos.
O Poeta João Lins Caldas, sublime sonhador, senhor de vaticínios para o seu Vale - o sócio do meu pai! - trancou a porta capenga da casinha. Apertou-me a mão, com calor, despedindo-se. Pediu desculpas pela pressa - ia caçar! Argumentou, cavalheiro, que aquela era a hora dos preás e das rolinhas, das nambus escondidas no panasco dourado.
E lá se foi, engravatado, predador solene, feliz da vida - o sonhador. O curumiaçu, secretário e cúmplice, seguiu-lhe os passos ligeiros, no rumo - presumi - da "Frutilândia", procurando a presa miúda e saborosa...
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"O poeta
João Lins Caldas nasceu na cidade de Goianinha, interior do estado do Rio Grande do Norte, no dia 1º de agosto de 1888, filho de João Lins Caldas e Josefa Leopoldina Lins Caldas. Cedo migrou, junto com os pais, para a cidade de Assú-RN, onde passou a infância e a adolescência. Os registros em seus poemas comprovam sua passagem pelas comunidades de Linda Flôr, Olho d´Água (pertencentes ao município de Assú) e Sacramento, atual cidade de Ipanguaçu-RN.
João Lins teve um único irmão, José Lins Caldas, nascido a 27 de dezembro de 1889, em Canguaretama-RN e falecido em 1933, em Natal-RN, com o qual tinha uma forte relação de afeto, a deduzir dos poemas que lhe dedicou. Os escritos para os pais também revelam os mais nobres sentimentos a eles dedicados.
Em 1912, o poeta potiguar migra para o Rio de Janeiro e lá conhece homens ilustres do cenário das letras da época. Um deles foi José Geraldo Vieira, romancista e médico, com quem travou uma forte relação de amizade, fato comprovado por depoimentos de ambos. Entre 1927 e 1930 viveu em Bauru, São Paulo, trabalhando nos escritórios da estrada de ferro Noroeste do Brasil. Retorna ao Rio em 1930, lá permanecendo até 1933, quando volta para Natal a fim de apoiar a família do irmão, pois este morrera precocemente. Depois de um tempo, o poeta segue para viver em Assú.
Em 1958, passados 19 anos ausente da capital do Estado, João Lins Caldas visita Natal, sendo recebido por Câmara Cascudo e homenageado pelos poetas novos, dentre eles Celso da Silveira, Mirian Coeli, Zila Mamede, Newton Navarro, Dorian Gray, Luís Rabelo, Veríssimo de Melo, Moacyr de Góis e outros. A homenagem é oferecida pelo prefeito da cidade, Djalma Maranhão, nos jardins do Teatro Alberto Maranhão.
Na cidade de Assú, morava em uma casa simples situada à rua Ulisses Caldas. Adquiriu nas redondezas um sítio ao qual nomeia Frutilândia (conferir “Memórias”). Ali cultivava muitas plantas frutíferas e encontrava nesse espaço inspiração para bucólicos e líricos poemas. No dia 18 de maio de 1967, com quase 80 anos, o poeta é encontrado morto em sua residência, vítima de acidente vascular cerebral – hipertensão arterial.
A Fundação José Augusto publicou a antologia Poética (1975), reunindo poemas esparsos do autor. Os seus textos inéditos estão sob a responsabilidade do Conselho Estadual de Cultura do Rio Grande do Norte."