domingo, 22 de julho de 2012

Onde estão, o que fazem e como vivem os centenários do RN


Margareth Grilo
repórter

A sergipana Otília Pina, a paraibana, Eudócia dos Santos e o potiguar, Cicero Abreu não se conhecem, mas reúnem algo em comum: ultrapassaram um século de vida. Os centenários brasileiros representam, de acordo com o Censo 2010, do IBGE, 0,01% da população. Parece pouco, mas eles estão aumentando, em número. Houve um salto de 58% ao longo dos dez últimos anos: há dez anos, o Brasil possuía cerca de 14 mil idosos longevos. O Rio Grande do Norte, 447. Hoje, o Brasil tem mais de 24 mil centenários.

Desse seleto contingente, 3% vivem no Rio Grande do Norte.  O Estado tem 700 pessoas com 100 ou mais anos. Em Natal, vivem 164. Mas, se chegar aos 100 anos será cada vez mais comum, o obstáculo é alcançar um século de vida com saúde, segundo o geriatra e professor da cadeira de Geriatria, da UFRN, Gustavo de Carvalho Rego.

No final das contas, o que todo quer, diz o geriatra, é ter funcionalidade. "Ele quer ter a capacidade de poder fazer tudo que faz hoje, de resolver a vida, de uma forma independente", acrescenta. Perder o controle da vida, após 60, 70 anos, é o temor da maioria. De acordo com o médico, a longevidade já foi muito estudada, mas quase não existem estudos clínicos sobre a categoria de centenários. "Ainda é uma incógnita o porque que alguns chegam aos 100, 105 e até 110 anos. Havia época em que as pessoas com 50 anos eram extremamente idosas. E, hoje, se tem pessoas de 90, 100 anos muito bem", comenta o geriatra.

Não há, segundo ele, uma receita, nem uma fórmula que garanta essa tão alta longevidade, mas um fator que pode estar associado é o genético. Mas isso, enfatiza, não chega a ser uma regra. "Se você tem na família pessoas centenárias, tem mais chances de viver mais", diz Gustavo Rego, "mas se você tem uma tia que tem 100  anos e você está cheio de problemas e não segue orientações médicas, muito dificilmente vai conseguir chegar lá".

Gustavo Rego explica que a partir dos 30, 40 anos, o envelhecimento começa a se intensificar, a ficar mais visível e, a partir dos 60 anos, as modificações próprias do envelhecimento começam a impactar no indivíduo. Uma dessas alterações é a perda de fragilidade. O organismo, explica o médico, não consegue manter a homeostase, ou seja, o equilíbrio. "A fragilidade é como se existisse um déficit nessa homeostase e o sistema de defesa do indivíduo não consegue mais debelar as alterações", esclarece. Segundo o IBGE, em 2040, o Brasil não será mais um país jovem, mais um maduro ou adulto.

Histórias de longevidade

Eudócia Ferreira dos Santos, 104 anos

Um fato curioso entre os centenários é a predominância feminina. Em Natal, por exemplo, o número de centenárias é três vezes maior que o de homens com 100 ou mais anos: 124 mulheres, contra 40 homens. A paraibana Eudócia é uma delas. Lúcida, com memória bem ativa, lembra dos detalhes de quando chegou por aqui. O ano era de 1944.
Adriano AbreuEudócia Ferreira dos Santos, 104 anosEudócia Ferreira dos Santos, 104 anos


Saiu de João Pessoa com destino a Natal, em trem, com um grupo de amigas, para assistir ao embarque dos soldados que saiam de Natal para as trincheiras da guerra. "Foi muito bonito. Muita gente chorando, porque na guerra, não se sabe se volta. E eu estava lá, vendo tudo", conta. D. Eudócia diz que ao chegar em Natal gostou da cidade e resolveu ficar.

Não teve receio de enfrentar o desconhecido. Por aqui, não chegou a casar, mas teve um companheiro e oito filhos. A mais velha tem 54 anos. Por aqui, viveu do comércio, montando banca na feira das Rocas e, depois, teve um bar no mesmo bairro. Hoje, a música é sua distração. E as orações, um rito que cumpre todos os dias. De saúde está bem. No último exame, o médico atestou: "a senhora não tem problema".

Otília Pina de Oliveira, 102 anos

"Agora, estou ficando velha". Com essa afirmação D. Otília iniciou a entrevista. Bem-humorada, memória aguçada, ela diz que o segredo da longevidade, só "o lá de cima sabe". Mas arrisca dar um conselho aos mais jovens: não beber, não fumar, não fazer extravagância e não perder noite de sono. Assim vive há 102 anos. A sergipana, que adora dormir, chegou em Natal há 32 anos, viveu quase 50 anos na Bahia e alguns no Rio de Janeiro. Ainda hoje, cuida da casa, lava roupa à mão, porque não gosta de máquinas. Faz bordados à mão e costura. Esse talento perdeu o ritmo, nos últimos dias, por causa de uma dormência nas mãos. "Se não melhorar, este é meu último bordado", mostra uma toalha de banho onde tece pontos de cruz.

emanuel amaralOtília Pina de Oliveira, 102 anosOtília Pina de Oliveira, 102 anos


Do único amor que teve, Benjamin, "o beijo", como costumava chamá-lo, fala entre risos. "Foi a única paixão que tive".  Mas a união durou apenas 12 anos. "Arranjei muitos pretendentes, mas nunca olhei para outro homem", afirma. Depois da separação, se dedicou ao trabalho e aos filhos. Com muita vitalidade, disposição e bom humor, D. Otília diz que se sente uma mulher realizada. "Na minha família foram doze mulheres, mas nenhuma com a minha cabeça, para trabalhar e prosperar", conta.

Cícero Gomes de Abreu, 102 anos

A parte mais visível do envelhecimento é a perda de músculo. Ela gera diminuição de força e, consequentemente, do equilíbrio. A pessoa passa a ter uma marcha menos estável. Seu Cícero sabe bem o que é isso. Ao rememorar os passos dados ao longo de 102 anos de vida, ele lembra as extensas caminhadas a pé que fazia, de 15 e até 18 quilômetros, com balaio de grude e fruta-pão na cabeça.
emanuel amaralCícero Gomes de Abreu, 102 anosCícero Gomes de Abreu, 102 anos

Há quase 35 anos, em Natal, seu Cícero comemora: foi nessa labuta que criou os cinco filhos, três mulheres e dois homens. Já tem 15 netos e 25 bisnetos. "Foi uma vitória chegar aqui. A vida foi muito dura", define. Havia dias, lembra o agricultor, que saia da praia de Pipa (Tibau do Sul), onde morava, às 10h e chegava em Canguaretama, destino final das vendas, às 16h.

Hoje, seu Cícero caminha com ajuda de andador e já passou por 17 cirurgias - a primeira feita há 35 anos. Enfrenta vários problemas de saúde. Há três meses, devido às baixas defesas, ficou internado por 24 horas. A companheira Maria de Lourdes morreu em 2004, aos 92 anos.

Fonte - Tribuna do Norte

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