A Natal dos sonhos
Data: 17 setembro 2012 - Hora: 18:04 - Por: Vicente Serejo
Olhe Senhor Redator, a Natal da propaganda eleitoral, aquela criada pelos marqueteiros, é a Natal da imaginação. Não aquela outra da minha primeira juventude, entre a Ribeira palafita, de ruas e rios, a dos trens que partiam de lá carregados de sonhos; e o Grande Ponto, praça d’armas das grandes lutas, de dias e noites lutando pela liberdade. Não a Natal do Brisa Del Mare, desenhando madrugadas nas águas ternas do Potengi. Nem a André de Albuquerque sob as luzes do Parque São Luiz Diversões Imperador.
Talvez fosse bem melhor, mais verdadeira e mais humana, do que essa Natal de hoje, fingindo-se de moderna. Natal tão calma que parecia uma ilha cercada de silêncio e solidão. De bares que dormiam cedo, a não aqueles naturalmente destinados à vigilância das danações. A Ribeira com suas boates, uma delas com seu nome afrancesado – Arpeje. Ou aquela outra – nem lembro o nome – com sua luz vermelha acendendo nos homens todos os desejos, quando o sexo era clandestino e tinha um gosto de perdição.
Não diria da Natal de hoje, tão vulgar, tão vulgarmente turística, com direito a tapiocaria e bares de nomes intraduzíveis, enólogos e chefs de cozinha. A vida era simples. De hábitos simples. De sonhos simples. Vivíamos vaidosos de quase nada. De lugares tão humanos que pareciam com a simplicidade de nossas próprias casas: Peixada da Comadre, Carne de Sol do Lyra ou do Marinho que ninguém sabia fazer. Do filé de peixe ao molho de camarão lá no restaurante da Rampa, do velho Caldo de Cana Orós.
Três lugares eram modernos: o Dia e Noite, ali de lado onde é hoje o Edifício Sisal, com seu chão quadriculado, e onde Gasolina, o garçom, cortava o silêncio da noite do Grande Ponto – ‘Um bife e dois ovos mais ou menos!’. Modernidade que combinava com o Cinema Nordeste e a sorveteria Oásis. Um dia perderam para o arrojo da Lanchonete Kixou. Escrito assim mesmo, pilares revestidos de cordas, e onde a minissaia instigava o olhar desejoso dos rapazes com olhos que pareciam subir nas pernas das meninas.
Mas, convenhamos, nada se compara, nem a Natal futurista nascida da imaginação de Manoel Dantas espantando a província há um século, à Natal dos candidatos nos seus delírios arquiteturais. Com seus ônibus de escadinhas robóticas, veículos leves sobre trilhos, as avenidas largas, limpas, sem buracos e de jardins suspensos. Tenho até medo que essa modernidade destrua o que sobrou, o resto dos traços da Natal de ontem, seus últimos becos tão nossos, e matem o lirismo das suas janelas bocejando saudades.
De uma coisa, Senhor Redator, por absoluta falta de bom gosto, não se pode duvidar: é da nossa capacidade de destruir os traços do pitoresco. Da vocação inenarrável para o modernoso, mistura terrível do moderno com o horroroso. Se antes amanuelaram o mundo – na metáfora genial e perfeita do verso de José Bezerra Gomes – hoje fazemos pior: acafonamos. E aqueles postes com imitações de candelabros da Avenida Duque de Caxias? E o tal do Largo Dom Bosco? E os arcos cretinos do Mercado da Redinha?
(O Jornal de Hoje)
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