quarta-feira, 26 de setembro de 2012


Muito
Edição de quarta-feira, 26 de setembro de 2012 
Quem conhece Seu Santos?
Conhecido de poucos marchands e críticos de arte, ele é tido como o maior artista popular vivo do Rio Grande do Norte
Sergio Vilar
sergiovilar.rn@dabr.com.br

Um tesouro escondido foi descoberto: um carvão feito diamante. Seu Santos é conhecido de poucos marchands e críticos de arte. Pouquíssimos mesmo, restritos ao meio acadêmico. E por eles é considerado nada menos que o maior artista popular vivo do Rio Grande do Norte. O trabalho deste escultor não é citado por nenhum folclorista. Tampouco protagonizou uma exposição sequer em mais de meio século de arte. Até que um professor conheceu suas peças e reuniu poucos colecionadores para montar a exposição Santos: Arte Popular Prodigiosa.


Obras do artista podem ser conferidas até sexta-feira, no Museu Câmara Cascudo, graças a um professor que reuniu peças junto a colecionadores. Foto: Carlos Santos/DN/D.A Press
Sim, o professor Everardo Ramos "catou" as peças junto a colecionadores porque Seu Santos, 67 anos, vende tudo que produz para sobreviver e criar a família de cinco filhos. Não junta nada nem para portfólio. Até se assustou quando viu tanta coisa sua reunida em um espaço tão bonito. A exposição, assim como o artista, também está pouco visitada. Permanece aberta no Museu Câmara Cascudo, recém-inaugurado pela UFRN de forma parcial, apenas para receber exposições temporárias até a conclusão da reforma. A de Seu Santos perdura só até sexta-feira.

"Conheci Seu Santos no corredor da Universidade tentando vender uma peça que tinha acabado de esculpir. De imediato, fui tomado por uma sensação de estranhamento, pela incongruência da situação". Everardo Ramos - formado doutor em gravura popular na França - disse ter percebido a fragilidade do artista, obrigado a perambular com sua obra embaixo do braço, na esperança de encontrar um comprador. "Ao mesmo tempo vi a dignidade do homem e, principalmente, a qualidade extraordinária da peça, de uma riqueza de detalhes impressionante. Vi que ele era especial".

Seu Santos relembra o episódio com orgulho e cansaço: "Quando saí de casa a convite (de uma aluna de Arte) para a Universidade, me senti crescido, porque sou pessoa simples e ia penetrar esse muro com o dom que Deus me deu". Mas o inusitado não está na visita, mas na volta para casa. Seu Santos conta que após mostrar a peça por lá, pegou carona com o professor Everardo até o Via Direta e não teve coragem de voltar de ônibus. "Tive medo do empurra-empurra depreciar a peça. Então voltei a pé pra casa, nas Quintas. Cheguei bem cansado", suspira.

O professor acredita nunca terem estudado a obra de Seu Santos em razão da quebra de paradigma que sua obra propõe ao estigma da arte popular. "É uma obra refinada, diferenciada. Mestre Vitalino, por exemplo, criou personagens regionais desse jeito. Mas Seu Santos cria esses personagens em cenários: árvores, caminhos, pedras, lajedos; a paisagem típica do Seridó onde foi criado". Além deste "bônus", Everardo também cita a precisão das formas, a coerência e impressionante anatomia proporcional dos corpos, sem nunca ter estudado sequer o ensino médio.

"Vi a dignidade do homem e, principalmente, a qualidade extraordinária da peça, de uma riqueza de detalhes impressionante. Vi que ele era especial", Everaldo Ramos - Professor da UFRN

"É sofisticação de quem estuda anatomia. O Renascentismo se preocupava muito com essa questão anatômica. No entanto é tudo empírico, intuitivo. Talvez por isso sua obra tenha passado incólume pelos folcloristas, porque é típico da arte acadêmica. Ele quebra o estereótipo da artepopular, do rústico, do estilizado". Quando Seu Santos é indagado sobre qual material costuma usar, diz. "Quando eu olho, já me comunico com aquele tronco, já estou vendo uma obra de arte ali", diz. "Michelangelo dizia liberar os personagens aprisionados na pedra", frisa Everardo Ramos.

Vernáculo

A exposição de Seu Santos representa a estreia do Projeto Vernáculo, encabeçado por Everardo Ramos. A ideia é abrir as portas do Museu Câmara Cascudo para a arte e o artefato popular. "Vamos estudar, pesquisar e trazer a obra de artistas do interior pra cá. E temos a vantagem de ser um museu da Universidade, ou seja, com possibilidade de continuidade do projeto, sem a nesga dos governos que acabam com os projetos criados por seus antecessores. Estamos pensando em modernizar o museu para suprir esta carência presente em Natal", conclui Everardo Ramos. 

Diário de Natal

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