domingo, 30 de setembro de 2012

Trilogia do cotidiano


No momento em que o Brasil vive suas eleições municipais, transcrevo, apenas transcrevo do livro intitulado Trilogia do cotidiano, 2003, do escritor potiguar de Macaíba chamado *Valério Mesquita (figura de minha admiração e simpatia), uma crônica intitulada A arte de administrar, que diz assim:

"Já se falou que administrar um Município, um Estado ou uma empresa é uma arte. Exige tempo e dedicação exclusiva. O administrador municipal, por exemplo, não pode advogar ou lecionar e ser Prefeito ao mesmo tempo. Não pode exercer a profissão de médico, aviando receitas nos postos de saúde afora e, ao mesmo tempo, administrar o Município, porque fatalmente irá se descurar ou descuidar das atividades fundamentais e ecléticas que são exigentes, intransferíveis e multifacetárias. Quem assim o fizer, é porque não sabe ser prefeito e só aprendeu a profissão pela qual se formou.

Hoje em dia, a escolha dos agentes políticos para gerir um Município está desvirtuada e entregue ao sabor da moeda eleitoral e pela falta de conscientização do eleitorado em conhecer melhor os candidatos. Não há avaliação. Não se compara mais, antes de escolher o melhor.

É por isso que as pessoas despreparadas e incipientes ganham prefeituras e depois não sabem o que fazer com elas. Substabelecem o Poder. Transferem regalias a outras, descompromissadas com o povo e o destino do município. A experiência administrativa é uma condição indispensável para se votar em um candidato. Não é o discurso que revela o melhor candidato. Não é a profissão que expressa o melhor administrador. Mas, a sua experiência, o seu currículo, a sua formação cultural e o seu grau de responsabilidade.

Passei a adquirir hoje uma visão panorâmica de como se administra ruim dezenas de municípios e quanto desperdício e falcatrua se comete em seu nome. Trata-se de uma visualização assombrosa e quase irremediável, porque as penalidades impostas elas leis complementares, a lei orgânica do TCE e toda legislação substantiva pertinente não curam o malefício, que parece arraigado às entranhas como um bacilo resistente a todos os antibióticos.

E qual a saída para esse dolorido impasse? Bom, as leis estão aí. O Ministério Público e os julgadores, idem. O problema está no povo, no eleitor que vota mal, escolhe péssimo e infelizmente é obrigado a passar pela purgação do erro. É como o mosquito da dengue. Nem só o inseticida pode erradicá-lo, mas é preciso que o povo colabore e entre na luta. É melhor prevenir do que remediar.

Por outro lado, há um outro fato na relação político-administrativa digno de consideração: o Poder Legislativo. Mesmo quando o Município prospera em todos os seus segmentos é justo que deva existir, mesmo assim, o contraditório, a Oposição para dosar a estabilidade democrática, equilibrar o jogo do poder porque toda unanimidade é burra, como já disse o escritor Nelson Rodrigues. No Município em que a Prefeitura claudica, erra e a Câmara, amordaçada, consente e compactua com as irregularidades, tal convivência inspira cuidados. O povo e o Município - e somente eles, são os grandes prejudicados pela conduta aética e amoral dos seus agentes políticos. Por isso é que no Rio Grande do Norte há tantos artistas e arteiros que subvertem a verdadeira arte de administrar."

*Ex-prefeito de Macaíba, deputado estadual em quatro legislatura,  Membro efetivo da Academia Norte-Rio-grandense de Letras, presidente do Tribunal de Contas do Estado-RN.


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