domingo, 13 de janeiro de 2013

ZPE DO SERTÃO: O QUE É? PARA ONDE VAI?

As Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) são distritos industriais incentivados, onde as empresas neles instaladas trabalham com suspensão de impostos, liberdade cambial e procedimentos administrativos simplificados de compra e venda de mercadorias, com a condição de destinarem ao menos 80% de sua produção para o mercado externo. O foco do modelo é a exportação já que, pela legislação vigente, apenas uma pequena fração da produção pode ser direcionada ao mercado interno.

A experiência pioneira de ZPE foi registrada na Irlanda no ano de 1959, como projeto de revitalização da área portuária de Shannon. No continente asiático, a primeira ZPE foi instalada na Índia, em 1965, e, no ano seguinte, um empreendimento da mesma natureza foi adotado em Taiwan. Em 1970, a Coreia do Sul credita nessa nova modalidade econômica de negócios e cria também o seu distrito industrial exportador. A partir dessa década, a instalação de áreas produtivas voltadas à exportação se propaga pela China, pelos Estados Unidos e por outras localidades do mundo.

São inúmeras as razões que levam os países a adotarem ZPEs. Dentre as suas principais finalidades, destacam-se: atração de investimentos estrangeiros, melhoria da competitividade das empresas nacionais, criação de empregos formais, aumento da competitividade das exportações, redução dos desequilíbrios regionais, fortalecimento do balanço de pagamentos, difusão tecnológica e o desenvolvimento econômico e social, entre outras.

No Brasil, a proposta original de criação de ZPEs só o correu após  a redemocratização do país, em fins da década de 1980, através do Decreto-Lei 2.452/1988, editado pelo governo do então presidente José Sarney. Atualmente, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC, 2013), existem 23 ZPEs  autorizadas a funcionar no território nacional, embora nenhuma delas ainda esteja em atividade. Desse total, dois projetos estão localizados no estado do Rio Grande do Norte (RN): um em Macaíba e outro em Assú.

A ZPE de Assú, que por sua localização no interior do semiárido potiguar recebeu o sugestivo nome de "ZPE do Sertão", foi criada por meio de Decreto Presidencial, em 10 de junho de 2010. O referido decreto prevê que o projeto ocupará uma área de 1.020 hectares no território assuense, sendo o espaço escolhido situado geograficamente no trecho que liga a cidade ao município de Paraú-RN.

A aprovação da ZPE do Sertão, desde o início, provocou grande expectativa na população local e os representantes de diferentes esferas do governo logo trataram de espalhar a notícia na tentativa de colher rapidamente os frutos políticos da conquista. Apresentado ora como "redenção", ora como um "poderoso mecanismo de transformação do Vale do Açu", o projeto visa "no papel" iniciar um vigoroso ciclo de crescimento econômico na região e adjacências por meio da industrialização e agregação de valor às riquezas naturais abundantes no espaço regional.

Na visão dos entusiastas do projeto, alguns da "situação" e outros da "oposição", a ZPE do Sertão representa, por si só, "a realização do sonho do progresso e da prosperidade". Objetivamente, embora não existam evidências científicas e históricas que comprovem a suposta relação de uma ZPE e processos de desenvolvimento inclusivos e harmoniosos com o meio ambiente, deve-se admitir que a proposta parece ser realmente promissora do ponto de vista geoeconômico. A implantação do distrito industrial incentivado no Vale do Açu poderá atrair empresas privadas estrangeiras e nacionais, que poderão contribuir para ampliar e agregar valor às exportações potiguares. Além disso, o projeto poderá ajudar a descentralizar as atividades produtivas estaduais, fortemente concentradas na região da Grande Natal, irradiando seus efeitos pelo interior potiguar e até mesmo pelos estados vizinhos.

Todavia, mesmo considerando suas boas perspectivas, o "sonho do progresso" corre o risco de se esvair no ar. Conforme notícia veiculada recentemente pela imprensa estadual, a empresa contratada para gerir o empreendimento não cumpriu os prazos de preparação e cercamento do terreno reservado ao empreendimento, o que pode levar ao cancelamento da obra antes mesmo dela começar a operar. O fato é que, transcorridos dois anos desde a aprovação da proposta pelo presidente Lula, a ZPE do Sertão, que fora apresentada como "salvação da pátria", capaz de alavancar a economia assuense  da noite para o dia, não conseguiu sair do papel nem angariar apoio político capaz de viabilizar sua implantação.

Com efeito, ao permanecer enclausurada numa redoma de vidro importada, a ZPE do Sertão acumula dúvidas e incertezas quanto ao seu destino. Do ponto de vista gerencial, provavelmente a administração municipal de Assú conseguirá prorrogar os prazos e manter a proposta viva por mais algum tempo. Nesse intervalo, não há previsão para o começo das obras e muito menos para a instalação das primeiras empresas. Afora esses aspectos, deve-se também deixar claro que não existe ainda nenhuma previsão oficial sobre os reais rebatimentos do projeto em sua amplitude.

Entre as muitas dúvidas sobre o tema, basta dizer que não se tem dados convincentes sobre o tipo e a quantidade de empregos que serão gerados. Por exemplo, não há qualquer evidência comprovada estatisticamente que ateste que o projeto vai gerar 1.000 ou 50.000 empregos diretos, até mesmo porque não se sabe ao certo o tipo e a dimensão das empresas que se hospedarão na área, bem como as cadeias produtivas que elas serão capazes de dinamizar no entorno. Ademais, não se tem qualquer noção precisa sobre os rebatimentos socioambientais e a infraestrutura social requerida para atender às necessidades futuras da sociedade.

Na verdade, todos esses questionamentos continuam abertos e sem resposta, pelo menos por enquanto. E, como se não bastasse, não se nota no Vale do Açu um clima político de cooperação intermunicipal em torno do equacionamento dos problemas regionais, que, aliás, são muitos e desafiadores. Isso inibe ações conjuntas, indispensáveis para a obtenção de emendas orçamentárias que possam contribuir para melhorar a infraestrutura de transporte e energia, fundamental para fortalecer a logística operacional das empresas e responder as demandas da população que deve crescer substancialmente caso o empreendimento se concretize.

Essas e outras inquietações, essenciais ao debate propositivo, ganham relevo com a possível ameaça de perda do projeto da ZPE do Sertão e as indefinições quanto ao seu futuro. De qualquer forma, parece evidente que, na conjuntura atual, muito mais importante do que discutir os possíveis "culpados" pelos atrasos nas obras é realizar estudos e concentrar esforços para readequar o projeto e viabilizar sua operacionalização. Logo, a "queda de braços" travada pelos atores locais pouco contribuirá para a resolução dos desafios que precisam ser vencidos mediante o debate público e o maior envolvimento da sociedade, até então carente de informações mais precisas a respeito dos assuntos atinentes à construção de caminhos para o desenvolvimento da economia regional.

Joacir Rufino de Aquino & amp; Raimundo Inácio da Silva Filho

(Economistas e professores da Uern/Assú)

Fonte: O Mossoroense

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