O EX-BANCÁRIO MANOEL PEREIRA COMPLETOU 100 ANOS NA ÚLTIMA QUARTA-FEIRA; AO NOVO JORNAL, ELE CONTA TUDO O QUE TESTEMUNHOU SOBRE A INVASÃO DO REI DO CANGAÇO A MOSSORÓ
DO NOVO JORNAL
O azulejo padronizado com figuras de flores, presente nas paredes da antiga residência no bairro de Petrópolis, em Natal, é a moldura singela para o manso discurso de Manoel Pereira. No auge dos 100 anos de idade, comemorados na última quarta-feira, o senhor de cabelos ralos, bigode e barbicha grisalhos, lembra de datas, nomes e números de cabeça. Fala sem pressa ao narrar sua história que, em muitos pontos, se cruza com a própria história do Rio Grande do Norte: ele é uma das últimas testemunhas vivas do ataque de Lampião a Mossoró em 1927.
Foto: Argemiro Lima/NJ.
Manoel relata os tiroteios à esmo
Ao completar dois anos, sua família comprou um sítio próximo a Ceará Mirim, conhecido como Jacoca de Baixo, onde viveram por volta de uma década. Dessa fazenda, ele lembra das fruteiras, da cana de açúcar e de um moinho movido a burro. Fez o ABC ainda naquela comunidade. Na década de 20, a família migrou para Lajes do Cabugi e, quando tinha 14 anos, chegou a Mossoró, onde viveu na região suburbana até que mudou-se para uma casa na atual avenida Alberto Maranhão.
Nesta fase de sua vida, o garoto tornou-se uma testemunha privilegiada da saga do cangaço que aterrorizava o sertão nordestino, já tendo sido, por este motivo, entrevistado pelos pesquisadore que se interessam pelo tema. Mossoró, claro, era muito diferente da cidade que é hoje. Havia só três igrejas: a da Conceição, a de São Vicente e a Matriz. “A gente morava no alto, próximo a uma caieira (de fazer cal). Até hoje ela existe, só que com algumas modificações. Era a última casa da Alberto Maranhão”.
A invasão do bando de Lampião à cidade, lembra como se fosse hoje: “Foi no dia de Santo Antônio (13 de junho), eles achavam que iam pegar a cidade de surpresa”, informa. No entanto, depois que os cangaceiros atacaram Apodi, pouco antes, os mossoroenses ficaram alertas. Inclusive, segundo disse, as autoridades souberam do plano dos bandoleiros através de uma pessoa que vinha de uma das cidades da região que já havia sido saqueada pelo bando.
Conta que, enquanto o bando descia a cavalo para São Sebastião, atual Dix-sept Rosado, a população de Mossoró já se armava para receber os visitantes indesejáveis. “Naquela época, o exército era muito reduzido e por isso os coronéis cederam os fuzis para os cidadãos e a cidade toda ficou em estado de alerta”, ressalta.
Revela ainda que, pouco antes do ataque, um grupo de cangaceiros tentou tomar, sem sucesso, um trem que se destinava a Mossoró. A locomotiva, a salvo dos bandoleiros, entrou na cidade apitando ininterruptamente, logo sendo acompanhada pelas badaladas do sino da igreja, sinalizando para toda a população que o perigo era iminente.
Pereira parece não ter dificuldades para resgatar da memória fatos que ocorreram há mais de 80 anos, quase 90. Com a voz sempre pausada, fala que a ameaça do rei do cangaço gerou um alvoroço na população civil, notadamente mulheres e crianças, culminando com o êxodo de muita gente. Quem tinha condições deixou a cidade em carroça ou a cavalo em direção aos sítios e cidades vizinhas.
Quem não tinha condições partiu a pé, como a família de Manoel Pereira. Depois de duas horas de caminhada, chegaram ao sítio Bom Jesus. “Como minha mãe estava com medo de os cangaceiros roubarem as coisas lá de casa, trancou tudo na caieira que havia na vizinhança”, recorda. Às 13h do dia do ataque, a família estava reunida numa cabana de folha de carnaúba, empestada de muriçocas, quando começou a escutar a chuva de balas.
“Eles atiravam a esmo: os cangaceiros a partir da entrada da cidade e o povo da trincheira do prefeito Rodolfo (Fernandes), onde estavam reunidos”, conta, explicando que ouviu o relato dos acontecimentos dos próprios atores deste drama real. Segundo ele, o bravo prefeito que liderou a resistência havia montado uma trincheira de sacos de algodão prensado. “Aquilo era mais forte do que ferro”, avalia. “Lampião ficou no entorno da cidade, onde hoje fica a Estação das Artes, e mandou dois homens de seu bando para avaliar a situação: Colchete e Jararaca”, diz.
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