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LAÉLIO FERREIRA DE MELO
Nascido em 30 de junho de 1939, o poeta Laélio Ferreira de Melo é formado em administração pública e atualmente é auditor federal aposentado. Laélio, que no perfil do blog “Mediocridade Plural” se autodenomina poeta de cantigas de maldizer, bardo de glosas fesceninas e antropófago nas horas vagas, começou a escrever em um jornal estudantil do Diretório “Celestino Pimentel”, do Atheneu Norte Riograndense, no início dos anos 1950, em Natal. O poeta, que herdou do pai o gosto pela leitura, elenca entre prosadores que o influenciaram: Cervantes, Eça de Queiroz, Érico Veríssimo, Jorge Amado e, acima de todos, Euclides da Cunha. Entre os poetas preferidos estão Olavo Bilac, Raimundo Correia, Augusto dos Anjos, Bocage, Edinor Avelino, Othoniel, a mossoroense Helen Ingersoll, Esmeraldo Siqueira, Damasceno Bezerra, Jayme Wanderley e todos os fesceninos que apareciam.
por: Nara Andrade
O Mossoroense: Othoniel Menezes foi o primeiro poeta modernista potiguar. Qual a contribuição de sua obra para o movimento aqui no Estado?
Laélio Ferreira de Melo: Othoniel, segundo Cláudio Galvão - seu excelente biógrafo -, em 1914, em Macau, fez experiências poéticas como “futurista”, embora essa sua produção não se encaixasse completamente nas características do movimento que viria depois, em 1922. Em setembro de 1925, publicado na revista “Letras Novas”, em Natal, o poema “Atavismo” antecedeu, sem dúvida, à divulgação dos trabalhos de Jorge Fernandes. Essa sua primeira experiência modernista, pós-1922, acho eu, era um exercício de diletantismo – e, até, de gozação -, naquela base do “se vocês fazem, eu também posso fazer”. O próprio Câmara Cascudo (a quem Othoniel chamava de “Cascudinho”), tuxaua e morubixaba do movimento cá na Jerimunlândia, embora poeta não fosse, queixava-se de “Titó” (apodo dele, para Othoniel), dizendo-o “arredio” à novidade. Revelava que o poeta do “Jardim Tropical” divertia-se com os poemas futuristas, “como se assistindo atrevimentos de menino arteiro”, esnobando uma aproximação com Mário de Andrade, então hóspede do portento da Junqueira Ayres, em 1928: “a prosa, sim, o verso não, Cascudinho!”
OM: Quando foi lançada a primeira edição do livro “Sertão de Espinho e de Flor” o seu pai doou setecentos, dos mil exemplares, para o Albergue Noturno de Natal. Nesta edição você também doou a receita arrecadada?
LFM: À exceção dos exemplares que separei para doação aos amigos, parentes e bibliotecas públicas - seguindo o exemplo do Poeta -, ofereci, graciosamente, para livre comercialização, 650 volumes do “Othoniel Menezes – Obra Reunida”, distribuídos entre o Albergue Noturno de Natal, Hospital Infantil Varela Santiago e Sociedade de Amparo aos Portadores de Anemia Falciforme (numa homenagem a um neto, infelizmente, portador desse mal) – todos de Natal.
OM: O que a edição do livro “Sertão de Espinho e de Flor” traz de novo em relação à última?
LFM: Esse longo poema sobre o sertão (do Seridó) é, sem dúvida, o carro-chefe da “Obra Reunida”, reunindo, nas anotações, sociologia, etnografia, folclore. A novidade é que toda a obra de Othoniel – um conjunto de poesia, prosa e jornalismo, cartas - recebeu anotações. Para melhor “explicar” meu Pai, ousei bastante - muitos vão me classificar como “prolixo”! -, ao escrever, aproximadamente, 1.500 notas. Othoniel Menezes, embora sem anel no dedo, era homem de vastíssima cultura e, no início da sua atividade literária, chegava a abusar, às vezes propositadamente, de preciosismos de linguagem. O talentoso mossoroense Tarcísio Gurgel, autor da excelente introdução à obra, afirmou ser Othoniel Menezes “um culto no espaço de iletrados”.
OM: Qual a sua real ligação com o movimento denominado Intentona Comunista, em 1935?
LFM: O Levante de 1935 – é assim como prefiro chamar a revolta – custou a Othoniel Menezes quase três anos de cadeia, nos porões da ditadura de Vargas, condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional. Nunca foi comunista. Era, sim, um socialista-cristão, oposicionista, jornalista vigoroso, amigo e correligionário do então Deputado João Café Filho. Seu grande pecado foi o de escrever – quase de cabo a rabo – o jornal “A Liberdade”.
OM: Por que Othoniel Menezes não foi incluído no movimento de fundação e formação do primeiro quadro de sócios da Academia Norte Riograndense de Letras?
LFM: Nessa época, Othoniel – desde os anos 20 – era o maior poeta vivo do RN, o “Príncipe” – mas tinha um defeito danado: era esquerdista, socialista. A Academia foi pensada por uma elite de intelectuais de direita, quase todos integralistas de carteirinha, que marchavam, fardados, rua acima e rua abaixo, sob o pálio do Sigma, cantando hinos e bradando o “anauê”, sob o lema “Deus. Pátria e Família”... Aliás, quem explica muito bem, minuciosamente, essa novela é Cláudio Galvão, na biografia do poeta.
OM: Anos mais tarde, já no final da década de 1950, vários sócios inscreveram Othoniel Menezes para ocupar a cadeira 26 da Academia Norte-Rio-grandense de Letras. E mesmo eleito por unanimidade ele nunca chegou a tomar posse. Por quê?
LFM: Pirraça. Nunca foi lá, nunca passou procuração para a posse. Não gostava de igrejinhas, solenidades, mediocridades, confetes e serpentinas, embora nesse tempo a Academia fosse outra, mais séria e muito comedida nas escolhas. Era arredio, sofrido, “pobre, probo e culto” – no dizer de Manoel Onofre Júnior. Ia fazer lá o quê? Agradeceu aos amigos, pediu desculpas e alguns anos depois, doente, perseguido pelo governador Aluízio Alves, juntou os poucos teréns, deu uma solene banana para os poderosos de plantão, pegou sua Maria e se autoexilou no Rio de Janeiro, onde morreu com saudades da aldeia cruel. Só para ilustrar: Se a ossada do meu velho pai estivesse hoje em Natal (era espiritualista, não ligava para coisas da matéria) – digamos lá pelo velho Cemitério do Alecrim – estaria chacoalhando divertidamente com a notícia da mais nova aquisição da Academia de Letras.
OM: O poema “Serenata do Pescador”, mas conhecido como “Praieira”, escrito em 1922, musicado por Eduardo Medeiros no mesmo ano, recebeu em 1972, da Câmara Municipal do Natal, o título de Canção Tradicional da Cidade. O que isso representou para o seu pai?
LFM: A sextilha do poeta responde à indagação: A glória a que aspiro – a única –/e que há de ser minha túnica,/mais sagrada que a de um rei,/posse intangível, se planta/na alma do povo – que canta/as canções que lhe ensinei!
OM: Na sua opinião, o seu pai não teve o reconhecimento merecido por parte do Rio Grande do Norte?
LFM: Respondo com um trecho que escrevi, na apresentação do livro: “Linda e pobre terra, a nossa "iara morena, pulando na água serena do Potengi, a cantar"... Muita água no velho rio desceu, o tempo rodou e, vamos e venhamos, Othoniel Menezes – o parnasiano, o modernista, o jornalista, o ensaísta, o prosador, o etnógrafo, folclorista, o crítico –, hoje, salvo para poucas pessoas, é apenas mais um nome de rua na Limpa dos Santos Reis. E apelido de prêmio de poesia da Prefeitura do Natal, só isso. Seus livros publicados foram poucos e, agora, são muito raros. O rio da sua canção, lá bem perto da ruazinha modesta, está poluído pela imundície dos esgotos; o prêmio temporariamente cassado pela pequenez cerebral da atual administração, entregue às baratas e borboletas viageiras.”
OM: O senhor também é sobrinho de João Menezes, primeiro aviador do Rio Grande do Norte, que morreu em 1920, aos 24 anos, no Campo dos Afonsos – Rio de Janeiro. O seu tio também não teve o devido reconhecimento?
LFM: Esse meu tio – pioneiro, herói e mártir da aviação brasileira, um militar -, nascido em Natal, na Rua das Laranjeiras, tem sido, aqui, na sua terra, cruelmente esquecido. Há anos, venho me debruçando sobre a curta história da sua vida e sobre ela escrevendo. Seus companheiros de farda, no Rio de Janeiro, em São Paulo, no Recife e até em Natal, nos tempos de Parnamirim e da Segunda Guerra, o homenagearam, em várias oportunidades. Há hangares (no Campo dos Afonsos, no Rio e no Campo de Marte, em São Paulo) e ruas com o seu nome, por todo o Brasil. Somente aqui – terra de muro baixo e encruzilhada de mediocridades, digo eu! – não lhe dão o valor que merece. Há poucos dias, representantes de uma certa Fundação em Natal, dirigida por empresários e militares da reserva, cujos objetivos reais desconheço, respondendo a indagações que lhes fiz, demonstrando absoluta desinformação, chegaram ao cúmulo de, numa “reunião de diretoria”, ofenderem a memória do meu tio, questionando, nesse tribunal de araque, os patetas juramentados, a heroicidade do aviador.
OM: Ser filho do poeta e jornalista Othoniel Menezes o influenciou a começar a escrever?
LFM: Acho que sim. Nasci e me criei numa casa cheia de livros e frequentada por intelectuais importantes – daqui e de alhures -, vendo e ouvindo gente de muita tenência e brilho: Esmeraldo Siqueira, Oswaldo Lamartine, Deífilo Gurgel, Mauro Mota, Olegário Mariano, Ascenso Ferreira, Newton Navarro, Edinor Avelino, seu filho Gilberto, João Batista Pinto, Aderbal Morelli, Lenine Pinto, Câmara Cascudo, Djalma Maranhão e Sílvio Pedroza (fazendo serenatas), Evaristo de Souza, Jayme Wanderley, Walflan de Queiroz (dava-me moedas de mil réis!), Miriam Coely, Helen Ingersoll, Celso da Silveira, Dorian Gray, seu tio Luiz Rabelo, João Meira Lima, Moacyr de Góes e tantos outros.
OM: O gosto pela poesia fescenina também é herança do seu pai?
LFM: Não. Othoniel, em casa, era avesso até “a nome feio”. Essa era a regra. Havendo necessidade de se referir a um homossexual, o “velho”, na frente dos filhos e da mulher, partia, no máximo, para o substantivo e pouco usual “pederasta passivo” – é olhe lá. A sua pouca – mas deliciosa produção fescenina - só a conheci, em parte, aos dezessete anos, no Assu, sob a guarda fiel do poeta João Fonseca, seu amigo e colega no Campo de Parnamirim, na Segunda Guerra Mundial. Em casa, ele nunca falava dessa sua faceta pornográfica. E eu, às escondidas, no Atheneu, pintava e bordava nas tais cantigas de maldizer.
OM: O senhor é conhecido por seus comentários polêmicos sobre pessoas e fatos, principalmente, na área cultural. Por que adotou esse estilo de escrever?
LFM: Para aporrinhar os analfabetos, os corrutos e os cretinos – os “analfacorruinos”, como bem dizia o meu amigo de levantamento de copo, o insubstituível juiz de Direito Caio Pereira.
OM: Qual o objetivo do blog Mediocridade Plural?
LFM: Tá lá, no frontispício: “Aqui (no Rio Grande do Norte), há muitas exceções, honrosas, decentes, mas a coisa, no geral, no picollo mondo, "tá preta" mesmo no ensino (de todos os graus), nas academias – inclusive na de Letras, aquela que o senhor nunca foi lá sequer tomar posse –, na política e no bestunto da maioria dos "intelectuais conterrâneos" – estes últimos produzindo mais do que sabiá no fundo da gaiola. (Carta a Othoniel, in “Obra Completa”) |
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