É fato notório que muitos contratos de planos de saúde anteriores à Lei nº 9.656/98 previam reajustes por mudança de faixa etária de forma indefinida, incidindo livremente até os 70, 80 anos dos beneficiários, de acordo com o interesse das operadoras.
Após a edição da Lei nº 9.656/98, que regulamentou os planos de saúde no país, o Conselho Superior de Saúde (CONSU) havia estabelecido originalmente, por meio da Resolução nº 06/98, que as operadoras de planos e de seguro saúde poderiam aplicar reajustes dentro de faixas etárias previamente definidas e limitadas até os 70 anos:
A partir de janeiro de 2004, no entanto, entrou em vigor o Estatuto do Idoso, “(…) destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos” e que expressamente vedou a discriminação do idoso nos planos de saúde em razão da idade.
Diante disso, e no intuito de adaptar os contratos ao Estatuto do Idoso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) redefiniu as faixas etárias obrigatórias às operadoras, limitando os reajustes até os 59 anos.
A partir daí, por força da inovação imposta pelo Estatuto do Idoso, todos os contratos firmados anteriormente à sua edição, deveriam ter suas cláusulas de reajustes por mudança de faixa etária readequadas à legislação, sendo que o último reajuste por idade legalmente permitido seria por ocasião do aniversário de 59 anos dos beneficiários dos planos.
Inúmeros consumidores que tiveram reajustes por mudança de faixa etária impostos após os 60 anos ingressaram em juízo buscando afastar tais reajustes em virtude da flagrante inobservância às regras determinadas pela legislação e pela ANS (leia mais sobre os reajustes para idosos aqui).
O Judiciário posicionou-se de forma favorável aos consumidores, reconhecendo que as disposições da Lei nº 9.656/98 bem como do Estatuto do Idoso consistem em normas cogentes de ordem pública e aplicáveis, inclusive, aos contratos firmados anteriormente à sua vigência
Diante das reiteradas e sistemáticas derrotas perante os tribunais, as operadoras de planos de saúde desenvolveram nova tática visando burlar as disposições do Estatuto do Idoso.
Com efeito, cientes de que os reajustes por mudança de faixa etária estão legalmente vedados após o aniversário de 60 anos de seus beneficiários, as operadoras passaram a impor pesados reajustes por ocasião do último reajuste permitido em lei, ou seja, por ocasião do aniversário de 59 anos de seus beneficiários.
Em outras palavras, se não podem impor os pesados reajustes posteriormente aos 60 anos, passaram a fazê-lo de forma imediatamente anterior.
Assim, embora tecnicamente não estejam infringindo a legislação referente ao Estatuto do Idoso, os efeitos maléficos de tais reajustes unilaterais e abusivos são exatamente os mesmos, quais sejam, onerar excessivamente os consumidores cuja idade esteja mais avançada comprometendo suas condições de arcar com os pagamentos e, eventualmente, forçando verdadeiramente a sua expulsão das carteiras dos planos.
Diante dessa situação, resta ao consumidor lesado por reajuste excessivamente oneroso, recorrer ao Judiciário para, com base no Código de Defesa do Consumidor, afastar tais reajustes.
Precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo já consideraram que:
“Não obstante a legalidade formal do contrato entabulado entre as partes, verifica-se que no presente caso, a abusividade do aumento praticado, consiste na verdade, na proporção do último aumento por idade aplicado ao contrato. Evidente que o Estatuto do Idoso e a vedação de discriminação de indivíduos a partir de 60 anos em planos de saúde tem por função precípua assegurar a dignidade dos indivíduos em idade avançada, bem como seu acesso à saúde. Nesse sentido, óbvia a necessidade de fixação de um parâmetro, qual seja, a idade de 60 anos. Não obstante, estipular reajustes abusivos para a idade de 59 anos, embora não ofenda formalmente o Estatuto do Idoso, acaba por obstar, da mesma maneira, o acesso aos planos de saúde para aqueles em idade avançada. Admitir tão elevado aumento em idade crítica significaria, em última análise, inviabilizar a continuidade do contrato por parte do consumidor, após longos anos de contribuição, o que, à luz da Constituição Federal, não se admite. Razoável, assim, seja feita intervenção no contrato” (destacamos) (Apelação Cível nº 0070305-70.2010.8.26.0224).
Dessa forma, ainda que legalmente o reajuste aos 59 anos encontre previsão no ordenamento legal, será ele nulo quando verificada a sua manifesta abusividade e excessiva onerosidade, podendo o consumidor socorrer-se do Judiciário para coibir abusos e afastar ilegalidades.
Artigo de Luciano Correia Bueno Brandão, advogado em São Paulo titular do escritório Bueno Brandão Advocacia. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (FMU). Cursou extensão em “Responsabilidade Civil na Área de Saúde” (FGV). Membro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP). Membro efetivo da ”Comissão de Estudos sobre Planos de Saúde e Assistência Médica” da OAB, secção São Paulo. Autor de artigos e pareceres jurídicos.
No caso de dúvidas, críticas, elogios e sugestões, os leitores podem encaminhar um e-mail para: luciano@buenobrandao.adv.br
Fonte: Bueno Brandão Advocacia
Nenhum comentário:
Postar um comentário