quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Romance verde maduro

Eduardo Olympio, 19/08/2014, poeta baiano

O militar Né Quiabo,
Sorteado com um passe,
Foi ao camarada Nabo,
Pedindo que lhe ajudasse,
Pois o colega era cabo,
A sair de certo impasse.

Apesar de alguma idade,
Que o alto Quiabo ostentava,
Era solteiro, verdade!
De soldado não passava
E, em face à dificuldade,
Para a patente apelava.

Namorou, certo verão,
Elga Couve de Bruxelas,
Que, mesmo usando tacão,
Não lhe dava nas canelas.
Elga quis separação.
Né ficou sem as “costelas”.

"O passe era duplo", disse,
Dava direito ao cinema
E ao jantar que se seguisse
Pra dois também sem problema.
Contava assim que saísse
Resolvido esse dilema.

O cabo, nobre, gentil,
Fiável parceiro antigo,
Que já provara, ao Brasil,
Ser leal mesmo em perigo,
Dar-lhe-ia, vezes mil,
Conselho, socorro e abrigo.

Antes que aquele momento
Adjutório passasse,
Veio ao cabo em pensamento
A imagem de Lisa Alface:
Perfeito acompanhamento
Para fazer juz ao passe.

Lisa Alface era viúva
Do japonês Tchô Tomate,
Que morou no Alagachuva,
Antes de virar mascate,
Vendendo sapato, luva,
Miudezas e erva-mate.

Tomado de entusiasmo,
Nabo propôs ao soldado,
Para evitar-lhe o marasmo,
Um rendez-vous arranjado,
Deixando-lhe assim! de pasmo,
Com o plano apresentado.

Mas, pra Né, a bela senhora,
Circunspecta e estudada,
Não perderia uma hora
Com um quase...quase nada.
Antes, depois, mais agora,
Não se via na empreitada.

Cabo Nabo precisou
Desdobrar-se em argumentos,
Permitisse-o, implorou,
Cuidar dos entendimentos.
Quiabo, enfim, concordou
Que houvesse prosseguimentos.

Isso depois que o colega
Instilou-lhe a confiança,
Pois sentira-se em refrega
Dos nervos, soltos em dança,
Já que presumira nega
Do convite e da esperança.

E tarde, suave aragem
Pareceu incentivar
Que inocente traquinagem
Então tivesse lugar.
E o cabo enviou mensagem
WhatsApp do seu celular.

Lisa recebeu-o lá fora:
…Vir aqui, por que será?
Mas, de cuidados senhora,
Sobre a mesa pôs o chá,
Geleia, doce de amora,
Sequilhos do Ceará.

Nabo, que tinha pedido
Essa importante audiência,
Fora amigo do marido
E a tratara, com decência,
Durante o luto sofrido
E depois, mas sem querência.

O cabo à vontade estava,
Um chazinho a ingerir,
Pra viúva perguntava:
“Desistira de sair?
Companhia precisava,
A um cinema, que tal ir"?

"Mas com quem"?, lhe interrogou,
"O bom amigo é casado,
E a mulher que desposou,
Prefere estar ao seu lado,
Uma vez, me confessou,
E isso foi-me assimilado".

"Além do ilustre casal,
Cuja fina companhia
É uma graça divinal,
Amizade ou mancebia,
Em concreto ou virtual,
Não na minha freguesia".

“Afora especial amiga,
Preciosa mãe do amor,
Generosa rapariga,
Que luta com destemor
Pela causa a que se liga,
A autêntica de Lis flor.”

Mas, De Lis longe morava,
Não se viam com frequência,
De cinema não gostava,
E Lisa tinha ciência.
Essa, então, se dedicava
Aos trabalhos da docência.

Finalizado o discurso,
A palavra concedida,
O cabo entrou com recurso
Pra esclarecer a medida
E, antes que houvesse decurso,
Sua ideia foi exibida.

Trouxe o bom amigo à tona,
Cobrindo-o com elogio:
“Não era homem de zona,
Do jogo ou do mulherio”.
Lisa sentiu, “de carona”,
Correr-lhe algum arrepio.

Já casada conhecera
Né Quiabo, numa tarde.
O finado a convencera,
Sem necessitar alarde,
Tratar-se de homem sem cera,
Provara não ser covarde.

Não era mulher-objeto,
Mas, lembrando-se de Né,
Por caminho não direto,
Pressentiu que ía dar pé,
Pois lhe despertou afeto
E um certo calor até.

Depois do chazinho findo,
Lisa Alface renovada,
Bons sentimentos fluindo,
Declarou-se premiada,
Com o coração tinindo
E mesmo um pouco apressada.

Já no anoitecer seguinte,
Né Quiabo se aprumava
De terno, por conseguinte,
O encontro valorizava,
À porta dessa sainte,
Que até então se fechava.

Especial formosura,
Em verde e sexy vestido,
Como se fosse “in natura”,
Embora rico tecido,
Exaltado sem censura,
Pelo futuro marido.

Depois da ceia, uma estrela
Para os dois então brilhou.
Né, tão sedutora ao vê-la,
Apaixonado ficou
E, com medo de perdê-la,
Rápido se declarou.

Como a história que restou
Do meu tempo de petiz,
Lisa com Né se casou,
Para sempre foi feliz.
A lua de mel doou
A madrinha Flor-De-Lis.





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