FONTE - http://historiablog.wordpress.com/
De um lado pesquisadores, do outro, religiosos – ambos empenhados em conseguir provas para demonstrar que a Bíblia não é apenas um apanhado de lendas. E foi com esse espírito que muita coisa do tempo de Jesus e da antiga Jerusalém conseguiu sair do papel e ser provada. Porém, quando as pesquisas se voltam a algum episódio do Antigo Testamento, parte da Bíblia que também remete à história dos judeus, o caminho das pedras torna-se um pouco mais difícil. Para os cientistas apenas provas materiais os convenceriam de que aquelas personagens bíblicas realmente existiram, mas para os historiadores os registros escritos já são pistas preciosas, suficientes para investigar o que aconteceu no passado remoto das civilizações antigas.
Entre as figuras bíblicas do Antigo Testamento que mais chamam a atenção dos pesquisadores históricos, duas se sobressaem: Abraão e Noé. E mesmo entre esses dois há muito mais chance de descobrirmos a verdade sobre o primeiro do que sobre o segundo. O que se sabe basicamente sobre Noé é que ele construiu uma arca e tornou-se o último dos patriarcas antes do famoso dilúvio. Mas, ao contrário do que costumamos imaginar, o dilúvio não é uma histórica tipicamente hebréia. Até hoje foram obtidas cerca de cem narrativas místicas consagradas ao evento cataclísmico, a versão do Gênesis (capítulos 6 a 9), portanto, é apenas mais uma.
De acordo com o livro Terras e Povos Desconhecidos, da Time-Life americana, as narrações do dilúvio bíblico não contêm nenhuma descrição completa. Nesse sentido, a passagem bíblica seria apenas um conto um tanto quanto confuso, complexo e heterogêneo, que traria a compilação de duas versões conhecidas, uma de origem javeísta (mais tradicional e mais antiga) e outra sacerdotal (mais acessível e recente). Para os estudiosos isso não seria de se espantar, já que os hebreus passaram um longo tempo como escravos na Babilônia. “É muito difícil você passar qualquer período de tempo em um lugar sem absorver, consciente ou inconscientemente, seus hábitos”, diz Armando Calvo Laslis, do Departamento de Estudos Históricos da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Se a linha de raciocínio de Laslis estiver correta, a tarefa de descobrir a primeira matriz histórica sobre esse tema torna-se mais árdua ainda, pois lendas sobre o dilúvio são encontradas na literatura e na tradição oral de povos do mundo inteiro.
Para se ter uma ideia, a catástrofe aquática tem registro entre os nativos de Gales, do Irã, da índia, da Austrália e até mesmo dos Mares do Sul. Isso sem falar das versões nórdica, lituana, inuíte, apache e indonésia – muitas origens para um mesmo assunto. Seria esse um indicador de que o dilúvio é muito mais do que uma lenda? Pouco se sabe sobre o mundo antes dessa catástrofe, mas o fascínio pela história encanta os arqueólogos e cientistas do mundo inteiro.
Noé
Antes de seguirmos o rastro de todas essas lendas, vale relembrar a versão do dilúvio que é mais conhecida pelo mundo Ocidental, a de Noé. Pesquisadores, como o historiador Renée Noorberger, acreditam tanto em sua veracidade que o estabelecem como ponto de partida em busca do chamado mundo ante-diluviano (época anterior ao registro bíblico) que estaria misturado a relatos de civilizações perdidas, afogadas nas águas, como Atlântida e as terras de Mu e Lemúria.
A história bíblica conta que, após o estabelecimento dos patriarcas do período, o ser humano caiu em pecado. Deus então decidiu eliminar a raça humana e escolheu Noé para que salvasse não só a sua família, como também todos os animais da Terra. Então, Noé recebeu orientações para a construção de uma arca que os manteria em segurança e, assim que a embarcação ficou pronta e um casal de cada espécie animal subiu a bordo, as águas irromperam e dominaram a Terra por quarenta dias e quarenta noites. Quando finalmente a situação se acalmou, Noé conduziu sua arca para o monte Ararat e de lá recebeu novas instruções de Deus para construir uma sociedade mais justa que a anterior. Após um breve período de calmaria, os descendentes do patriarca se reuniram na Torre de Babel que depois de muito se desentenderem, espalharam-se pelos quatro cantos da Terra.
Livre adaptação
Uma prova de que o mito do dilúvio pode ter sido assimilado pelos hebreus de seus captores babilônicos é a antiga lenda de Gilgamesh. Trata-se de uma história que não deve nada aos poemas épicos de Homero e que é considerada um dos textos mais antigos já preservados. Nessa história há uma passagem que conta como um patriarca babilônico, de nome Utnapishtim, recebeu também o aviso de seus deuses sobre uma catástrofe iminente que destruiria toda a humanidade. Assim, ele construiu uma embarcação que salvou sua família, alguns animais e diversos artesãos. A tempestade durou aqui sete dias e, quando as coisas se acalmaram, o patriarca enviou três pássaros em busca de terra seca. Uma pomba, que voltou para ele; uma andorinha, que também retornou e um corvo, que não voltou, o que foi considerado um sinal de que já era seguro desembarcar.
Estudiosos britânicos e alemães, que se envolveram com escavações arqueológicas em terras turcas e nos arredores do que seria o Monte Ararat, mostraram-se intrigados com alguns restos de madeira encontrados no cume que seriam, segundo eles, da Arca de Noé. Porém as autoridades do local não cedem autorizações para estudos mais conclusivos, o que só faz aumentar a polêmica. E esses mesmos pesquisadores afirmam que a incidência em diversas culturas lenda sobre o dilúvio deve ser levada em alta consideração, pois não se trata mais de uma coincidência, já que as variações encontradas podem ter se originado de uma única fonte, ou seja, do episódio da Torre de Babel. Renée Noorbergen é um dos pesquisadores que mais defendem essa tese, principalmente depois que estudou a tradição chinesa e descobriu uma lenda que narrava os esforços de Nuwah, progenitor daquele povo que havia escapado de um dilúvio com sua mulher e filhos.
Outro acadêmico, o russo Immanuel Velikovsky, divulgou em 1955 registros de fósseis que comprovavam que a Terra já havia sofrido um cataclismo como o dilúvio, nos moldes do descrito nas lendas. Cardumes inteiros de peixes foram encontrados em amplas áreas com sinais de morte em estado de agonia. Mas, para o pesquisador, o cataclismo teria sido originado quando um cometa proveniente de Júpiter passou rente ao planeta, o que teria mexido com o eixo terrestre e provocado o transbordamento de rios, mares e oceanos, “assim não há como falar em intervenção divina”, explicou.
O mito nórdico
Odin era filho de Bôer e da giganta Besta e neto de um homem chamado Buri, que era feito de um bloco de sal. Ele tinha dois irmãos, Vila e Vá, com os quais dava-se maravilhosamente bem e com os quais realizava as maiores aventuras possíveis. Um dia, cansados de tantas artimanhas em que estavam constantemente envolvidos, os três resolveram formar o globo terrestre e chegaram à conclusão de que tudo que necessitavam para criar o Inundo estava contido no corpo de um gigante.
Com esse objetivo, os filhos de Bôer e Besta mataram o gigante Ymer e com seu corpo formaram o globo terrestre assim: os ossos originaram as montanhas, os dentes os rochedos, o crânio a abóbada celeste. Mas ao morrer o gigante espalhou sobre a terra todo o seu sangue, que se tornou um imenso dilúvio e fez com que toda a raça dos gigantes morresse afogada, exceto Belgemer e sua mulher, que conseguiram se salvar agarrados a uma arca de pão.
Odin e seus irmãos resolveram então criar um casal humano com os troncos de um freixo e com uma faia do norte que crescia no mar Báltico, dessa forma, garantiram o repovoamento do planeta.
O mito védico
Manú, filho semi-humano dos deuses, considerado o pai da raça humana, era tão bom que o deus Vishnu o salvou do ‘dilúvio, uma catástrofe que feriu todos os semidivinos que se tornaram ruins. Manú, como agradecimento, ofereceu a Vishnu um bolo de leite coalhado, creme e manteiga depois de esse deus o haver salvo do dilúvio universal.
Vishnu em retribuição fez surgir desse bolo uma mulher, bela e doce chamada Ida (ou lia). Os Acvins, elegantes cavaleiros, filhos do Sol e da Égua Saranyou, que as nuvens simbolizavam quando corriam ligeiras pelos céus, apaixonaram-se por ela e desejaram-na. Mas Ida repeliu-os violentamente exclamando: “Eu sou daquele que me criou”. Assim a criação da mulher está intimamente ligada ao dilúvio, e, o repovoamento do mundo, da união de Manú e Ida.
O mito mexicano
Mesmo no Novo Mundo podem ser encontradas lendas que falam sobre um dilúvio, como a de Cox cox Tezpi. Tezpi era um homem muito justo e bom, temente a Deus e que via com olhos tristes a corrupção dos homens, seus irmãos. Estes puseram de lado os princípios com que tinham sido criados, que pertenciam a seus antepassados, e não queriam compartilhar os benefícios de Deus na Terra – desde as águas que refrescavam seus corpos até a companhia de seus irmãos. A ganância dos homens e a mesquinhez das mulheres eram características comuns, assim a humanidade caminhava para um fim pouco animador.
Tezpi começou a compreender que alguma coisa de anormal estava por acontecer e, temendo a justiça divina, começou a fazer uma embarcação para sua salvação. Aqui temos uma diferença: não há intervenção divina no sentido de que Tezpi tenha sido avisado da catástrofe nem que tenha tido qualquer intenção de salvar os animais. Mas escavações mexicanas recentes nos arredores da Cidade do México descobriram pinturas antigas que retratavam a cena surpreendente de uma arca flutuando sobre as águas com Tezpi, suas mulheres, filhos e alguns animais. Essas mesmas pinturas contam que, depois que as águas baixaram, Tezpi soltou um beija-flor para que fosse verificar se era seguro sair da embarcação. Assim, quando a ave retornou com um ramo verde de planta no bico, Tezpi e sua família acompanhado dos animais saíram da arca e começaram o processo de repovoamento do mundo.
O mito hindu
Quando o deus Brama saiu de sua imobilidade para animar o universo, a princípio criou os Devas, os espíritos e os anjos que * iriam povoar o céu. Alguns deles, porém, ao chegarem lá em cima, viram lugares na Terra muito bonitos, cheios de frutos, flores, águas límpidas e lagoas. Começaram, então, a imaginar como seria viver em tais paisagens. Assim tornaram-se Rclasas, gênios malfeitores que se ocupam em perturbar os humanos. Essas entidades maldosas corromperam-se tanto que se dividiram em diversas e poderosas categorias de malfeitores. Tornaram o Mal o domínio absoluto sobre a humanidade corrompida. Brama, entretanto, era bom e ficou perturbado com o trabalho daqueles espíritos. Mas ele guardava em segredo um outro mundo, desconhecido dos demônios. O objetivo do deus era transportar os homens e os anjos do primeiro mundo para o segundo, mais perfeito. Porém não queria que o antigo mundo ficasse contaminado e assim aconteceu o dilúvio. Apenas um homem bom, chamado Waivaswata, foi prevenido da catástrofe iminente. Ele construiu um navio e juntou sua família e um casal de todos os animais disponíveis para, depois, repovoar o mundo.
Do blog http://tokdehistoria.com.br/, de Rostand Medeiros
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