quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Direito Tributário no STF

Direito Tributário no STF


Crédito Nelson Jr./SCO/STF
Crédito Nelson Jr./SCO/STF

Por Pedro Henrique Ramos SalesBrasília

Por Abhner Youssif Mota ArabiBrasília
O julgamento da Ação Penal 470 trouxe muitos sacrifícios ao Supremo Tribunal Federal. A agenda do Plenário foi drasticamente modificada para comportar as numerosas sessões que se mostraram necessárias para a conclusão do histórico julgamento. Muitos casos que permeavam a pauta tiveram de aguardar o desfecho do midiático “mensalão”. E as grandes causas tributárias tiveram que aderir a esta espera. A comunidade jurídica nutriu grande expectativa com relação ao ano de 2014, na medida em que seria necessário acelerar o passo para reverter um considerável acúmulo de demanda reprimida. Um número expressivo e crescente de repercussões gerais reconhecidas dando ensejo ao sobrestamento de um universo incontável de recursos nas instâncias ordinárias associado a um volume de distribuição jamais visto no âmbito da Corte exigiram do Supremo uma resposta. E ela veio, sobretudo no segundo semestre.
O Ministro Ricardo Lewandowski assumiu a Presidência sensível ao cenário desfavorável e imprimiu um ritmo intenso na condução dos trabalhos. Prestigiando os recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, o Ministro Presidente conferiu aos julgamentos uma nova formatação, mais concisa e objetiva. Não podemos deixar de mencionar a reforma regimental que promoveu o deslocamento dos feitos criminais para as Turmas, circunstância que contribuiu sobremaneira para desobstruir a congestionada pauta do Plenário. O ano encerra-se com um resultado satisfatório, gerando ares de otimismo quanto ao exercício vindouro. No intuito de apresentar ao leitor uma retrospectiva, destacando o que de mais importante foi decidido no movimentado ano de 2014, listamos os casos tributários mais emblemáticos apreciados pelo Plenário.
As entidades beneficentes de assistência social que preencham os requisitos previstos em lei gozam de imunidade tributária com relação à contribuição para o PIS. A Corte concluiu que o PIS está acobertado pela imunidade de que tarta o art. 195, § 7º, da Constituição Federal e avançou para concluir que o diploma necessário para regulamentar a referida hipótese de imunidade é a lei ordinária. No tocante a este último ponto, alertamos para uma possível virada na jurisprudência. Começaram a ser julgados, com quatro votos proferidos em favor dos contribuintes, o Recurso Extraordinário (RE) 566622, com repercussão geral reconhecida, e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 2028, 2036, 2228 e 2621. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do Ministro Teori Zavascki. As ações foram movidas por entidades representativas das áreas de ensino e saúde que pretendem afastar modificações introduzidas no artigo 55 da Lei 8.212/1991, atualmente revogado. Os contribuintes defendem a existência de uma reserva de lei complementar para a definição de aspectos relevantes relacionados à imunidade de entidades de assistência social, sobretudo com relação à imposição do percentual de prestação gratuita de serviços. O Ministro Marco Aurélio, Relator do RE 566622, votou no sentido de dar provimento ao recurso interposto, no que foi acompanhado pelos Ministros Joaquim Barbosa, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso. (STF. Plenário. RE 636941/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 13/2/2014)
A contribuição previdenciária prevista no art. 22, inciso IV, da Lei n.º 8.212/91 não pode ser absorvida pelo art. 195, I, “a”, da CF/88. O plenário debruçou-se sobre a Lei nº 9.876/1999, que inseriu na Lei nº 8.212/1991 uma sistemática peculiar de cobrança da contribuição patronal devida pelas sociedades cooperativas. O dispositivo afastado previa a contribuição de 15% sobre os valores distribuídos pelas cooperativas aos seus cooperados. Com a alteração legislativa mencionada, a contribuição previdenciária deixou de incidir sobre os valores repassados aos cooperados como rendimento de trabalho, passando a incidir sobre cada operação de prestação de serviços. Desta forma, caberia ao tomador do serviço recolher 15% sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços. De acordo com o entendimento da Corte, ao transferir a obrigação de recolhimento da cooperativa para o tomador de serviço, a União extrapolou as regras de competência constantes da Constituição Federal, desconsiderando a personalidade jurídica da cooperativa. Ademais, de acordo com o 195, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, a contribuição previdenciária deve incidir sobre a folha de salários. A incidência sobre um percentual do valor constante da nota diz com o faturamento da cooperativa, não havendo relação com os salários devidos aos cooperados. Por fim, conforme o ressaltado pelo Ministro Relator, “A contribuição instituída pela Lei 9.876/99 representa nova fonte de custeio, sendo certo que somente poderia ser instituída por lei complementar, com base no artigo 195, parágrafo 4º — com remissão feita ao artigo 154, inciso I, da Constituição”. (RE 595838/SP, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 23/4/2014.
A exigência de caução pelo Fisco para permitir a emissão de notas fiscais é inconstitucional. A Administração tributária não pode condicionar a concessão de talonário para a emissão de cupons fiscais ao adimplemento de débitos tributários, pois tal coerção indireta ao pagamento dos tributos devidos configura “sanção política”, o que contraria as garantias do livre exercício do trabalho, ofício ou profissão (art. 5º, XIII), da atividade econômica (art. 170, parágrafo único) e do devido processo legal (art. 5º, LIV). (STF. Plenário. RE 565048/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 29/5/2014)
A imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão. A antiga Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima – RFFSA – era uma sociedade de economia mista federal que foi extinta e incorporada pela União, que por sua vez tornou-se sua sucessora legal nos direitos e obrigações. A União, enquanto Ente político, goza da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, da CF/88) e, com base neste fundamento, pretendeu eximir-se dos créditos constituídos originariamente em desfavor da RFSSA. O plenário entendeu que a imunidade tributária recíproca não afasta a responsabilidade tributária por sucessão, haja vista que o sujeito passivo era contribuinte regular do tributo devido. O ente imune está protegido contra o fato gerador da obrigação principal, mas não está excluído do fato gerador da responsabilidade. (STF. 1ª Turma. RE 599.176/PR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 5/6/2014.
O pedágio cobrado pela efetiva utilização de rodovias tem natureza jurídica de tarifa, razão pela qual não está sujeito ao princípio da legalidade estrita. É antiga a discussão sobre a natureza jurídico do pedágio. A corrente majoritária afirma que o pedágio é um preço público. Uma corrente menos expressiva defende a natureza de taxa. Uma terceira corrente, intermediária, sustenta que a definição depende da existência de uma via de acesso alternativa. Não havendo um percurso que faculte ao condutor não incorrer na cobrança, estará configurada a natureza tributária. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o elemento nuclear para distinguir taxa e preço público é a compulsoriedade. Há algum tempo a Corte apreciou o caso do “selo-pedágio” (instituído pela Lei n.°7.712/88). Tratava-se de tributo cobrado compulsoriamente de todos os usuários de rodovias federais e que deveria ser pago mesmo por aqueles que não se utilizassem das rodovias. O Supremo Tribunal Federal chegou a decidir que esse “selo-pedágio” possuía natureza jurídica de taxa (RREE 181.475-RS e 194.862-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 04/05/1999). Ocorre que esta exação foi extinta pela Lei n.° 8.075/90 e não pode ser confundida com os atuais pedágios cobrados nas rodovias brasileiras. Com relação aos pedágios tradicionais, em sua maioria cobrados por concessionárias, a Corte afastou a natureza de tributo.  Foi acolhida a tese majoritária, que defende a natureza de preço público. Vale ressaltar que a Corte reputou indiferente a existência de via alternativa. Nas palavras do Ministro Teori Zavascki “[…] a despeito dos debates na doutrina e na jurisprudência, é irrelevante também, para a definição da natureza jurídica do pedágio, a existência ou não de via alternativa gratuita para o usuário trafegar. Essa condição não está estabelecida na Constituição. É certo que a cobrança de pedágio pode importar, indiretamente, em forma de limitar o tráfego de pessoas. Todavia, essa mesma restrição, e em grau ainda mais severo, se verifica quando, por insuficiência de recursos, o Estado não constrói rodovias ou não conserva adequadamente as que existem. Consciente dessa realidade, a Constituição Federal autorizou a cobrança de pedágio em rodovias conservadas pelo Poder Público, inobstante a limitação de tráfego que tal cobrança possa eventualmente acarretar. Assim, a contrapartida de oferecimento de via alternativa gratuita como condição para a cobrança de pedágio não é uma exigência constitucional.” (STF, Plenário. ADI 800/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/6/2014)
Os descontos incondicionais não devem integrar a base de cálculo do IPI. A Corte declarou inconstitucional, por ofensa ao art. 146, III, a, da Constituição Federal de 1988, o § 2º do art. 14 da Lei 4.502/1964, com a redação conferida pelo art. 15 da Lei 7.798/1989, no ponto em que determina a inclusão de descontos incondicionais na base de cálculo do IPI. São considerados como descontos incondicionais, as parcelas redutoras do preço de venda de um determinado produto e que não dependem, para sua concessão, de evento posterior à emissão da nota fiscal de venda ou da fatura de serviços. A doutrina entende que os tributos indiretos não podem incidir sobre os descontos incondicionais, como é o caso do IPI e do ICMS, pois esses abatimentos são deduzidos do preço de tabela do produto antes que a operação, venda do produto ou mercadoria, ocorra. Esse procedimento está previsto na legislação do ICMS (Lei Complementar nº 87/96, art. 13, § 1º, II, “a”).  Contudo, em sentido contrário, a norma que dispunha sobre a base de cálculo do IPI (art. 14, § 2º da Lei nº 4.502/64, com redação dada pela Lei nº 7.798/89) incluía, dentre os valores tributáveis, os descontos incondicionais. O Plenário sufragou a tese de que a inclusão dos abatimentos importaria o descumprimento da  reserva de lei complementar. O Ministro Marco Aurélio, Relator do recurso, sustentou que o legislador ordinário federal, ao instituir os impostos, deve observar o regramento básico relativo a fato gerador, base de cálculo e sujeito passivo, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade formal. (RE 567935/SC RG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 4/9/2014)
O ICMS não incide nas operações de leasing internacional se não for exercida a opção de compra. O texto constitucional prevê que os Estados poderão instituir o ICMS, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. Diante dessa previsão, surgiu a dúvida sobre se haveria incidência do imposto nos casos de leasing internacional. O Plenário enfrentou a questão e firmou a tese de que, em regra, não incide o ICMS-importação nas operações de arrendamento mercantil internacional, em razão de, em tais operações, não haver a necessária transferência da propriedade do bem arrendado. O fato gerador do ICMS pressupõe sua efetiva circulação, isto é, a transferência da titularidade do bem, de modo que a materialidade não se satisfaz com a mera transferência da posse. Assim, se na operação de leasing existe a possibilidade de restituição da mercadoria ao proprietário no final do contrato e, se de fato a opção de compra não foi exercida, o ICMS não deve incidir. Ao contrário, se inexiste a possibilidade de restituição, resta caracterizada a circulação que configura o fato imponível da obrigação tributária. O caso concreto referia-se a um bem que deveria ser restituído ao fabricante ao término do prazo contratual que seria de sessenta meses. (RE 540.829, redator para o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 11/09/2014 e RE 226.899, Redatora para o acórdão Min. Carmen Lúcia, julgado em 1º/10/2014).
Mais um capítulo da guerra fiscal: a inconstitucionalidade do Protocolo nº 21/11 do CONFAZ. A controvérsia envolve a incidência de ICMS na aquisição interestadual de mercadoria de forma não presencial. É o fato imponível que ocorre nas compras virtuais. Especificamente quanto ao caso no qual o adquirente é destinatário final da mercadoria, o texto constitucional prevê que deve ser aplicada a alíquota interna do Estado de origem. Vale dizer, na venda interestadual direta ao consumidor final, o estado de origem da mercadoria recebe o ICMS “cheio”.  Essa sistemática harmonizava-se com a realidade do constituinte de 1988, na medida em que tais operações eram residuais. Antes do comércio eletrônico, a grande maioria das operações interestaduais davam ensejo a uma posterior revenda no local de destino. Neste caso, a partilha do ICMS ocorre mediante a sistemática do diferencial de alíquota. Com o crescimento do comércio eletrônico, o cenário constitucional tornou-se demasiadamente desfavorável ao estados que não concentram polo produtivo. Evidentemente, as mercadorias partem sempre dos mesmos estados, nos quais se concentram os parques industriais do país. Estas unidades da federação estão concentrando todo o ICMS apurado nas vendas diretas pela internet. Diante dessa injustiça fiscal, os Estados prejudicados conseguiram aprovar no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), o Protocolo ICMS nº 21/2011, pelo qual se instituía nova sistemática de recolhimento na venda realizada ao contribuinte não habitual, permitindo que fosse cobrado o ICMS nas operações interestaduais em que o destinatário da mercadoria estiver localizado em seu território pela regra do art. 155, §2º, VII, “a” e VIII da CF/88, independentemente de ser consumidor final ou não do tributo. Na prática, o Protocolo criou um diferencial de alíquota onde ele não deveria existir, segundo a conformação constitucional. Não foi por outro motivo que o Plenário declarou a inconstitucionalidade do Protocolo nº 21/2011, ressaltando a flagrante violação material ao quanto previsto no art. 155, §2º, VII, “b”, da CF/88. Afirmou-se, também, a inconstitucionalidade formal do ajuste, em razão do seu objeto versar sobre matéria reservada à lei complementar (art. 155, §2º, XII, “b”, da CF/88). (ADI nº 4.628 e 4.713, Rel. Min. Luiz Fux e RE 680.089, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 17/09/2014)
O ICMS não deve compor a base de cálculo da COFINS. A COFINS é uma contribuição social instituída pela Lei Complementar nº 70/91, em conformidade com o disposto no art. 195, I, “b”, da Constituição Federal. A materialidade prevista para o regime cumulativo é o faturamento, compreendido até então como o resultado obtido com a venda de mercadorias e serviços. Vale frisar que a Cofins também pode ser apurada sob regime não-cumulativo, hipótese na qual incidirá sobre a receita bruta, excetuadas as exclusões legais previstas no art. 1º, § 3º, da Lei nº 10.833/2003. Há muito paira controvérsia sobre a possiblidade da Cofins incidir sobre despesas fiscais. Aponta-se que o conceito de receita ou faturamento não contempla valores que serão de imediato repassados ao Fisco. Vale dizer, a despesa não se confunde com a receita, na medida em que esta última reporta ao ganho que permanece em definitivo nos caixas da empresa. Em julgamento encerrado neste ano, o Supremo Tribunal Federal afirmou que os valores retidos a título de ICMS não deve compor a base de cálculo da Cofins, sob pena de violação ao art. 195, I, “b”, da Constituição Federal de 1988. A Corte sufragou entendimento doutrinário que defende a impossibilidade dos valores recolhidos a título de ICMS serem considerados como receita ou faturamento, já que a despesa fiscal não se confunde com a vantagem auferida no desempenho do objeto social. Entretanto, trata-se de processo cujo julgamento foi há muito iniciado, tendo sido suspenso em 2006 por um pedido de vista do Ministro Gilmar Mendes. Muitos dos Ministros que votaram a favor da tese vencedora já se aposentaram, de modo que o resultado pode não refletir a posição da atual composição do Plenário. O voto divergente do Ministro Gilmar Mendes trouxe robustos e judiciosos fundamentos em sentido contrário ao entendimento que prevaleceu, o que pode sinalizar uma virada na compreensão da Corte sobre a matéria. O cenário está em aberto, na medida em que pende de apreciação um recurso submetido à repercussão geral sobre o tema (RE 574706, Relª. Minª Cármen Lúcia –  Tema 69 – Inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS). (RE 240.785, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 08/10/2014)
A redução da base de cálculo de ICMS equivale à isenção parcial para o fim de anulação proporcional de crédito relativo às operações anteriores, salvo disposição em lei estadual em sentido contrário. Nos casos em que houve recolhimento do imposto na etapa anterior e a operação subsequente é desonerada, o contribuinte tende a gerar um acúmulo de crédito escritural na sua conta gráfica. Nestas situações, a Constituição Federal determina a anulação de tais créditos, até para evitar que o sujeito passivo transforme-se em credor do Fisco. Este é o procedimento constitucionalmente previsto para a isenção. Discutia-se se a mesma sistemática poderia ser aplicada à redução da base de cálculo, neste caso, dando ensejo ao estorno proporcional dos créditos. Segundo o entendimento predominante, a redução de base de cálculo deve ser considerada como se fosse uma “isenção parcial”. Logo, a redução parcial do encargo dará ensejo à anulação proporcional do crédito do ICMS relativo às operações anteriores, salvo disposição de lei estadual em sentido contrário. Vale dizer: a manutenção do crédito que a priori seria estornado é um segundo benefício fiscal que pode ser concedido pelo estado. Assim, mediante a redução da base de cálculo do ICMS, não será permitido que a empresa aproprie-se do crédito integral. Em outras palavras, se houver redução na base de cálculo em uma das operações da cadeia de circulação de mercadorias, aplica-se a regra do art. 155, § 2º, II, “b”, da CF/88. (RE 635688/RS, Min. Gilmar Mendes, julgado em 16/10/2014).
Na hipótese de percepção acumulada de proventos, o imposto de renda deve ser apurado segundo o regime de competência. Segundo os critérios legais adotados pela legislação de regência, o critério temporal do IRPF reporta ao exato momento em que ocorre a disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos de qualquer natureza. Se o empregado aufere seus rendimentos pelo trabalho assalariado, no momento em que recebe seus vencimentos, está realizando o fato gerador do imposto. É neste momento, então, que ocorrerá a retenção prevista no art. 3º, da Lei n.º 9.250/95. O parágrafo único do citado art. 3º, da Lei n.º 9.250/95, consagra o chamado regime de caixa como critério de apuração do IRPF, na medida em que o tributo deverá ser calculado sobre os rendimentos efetivamente recebidos em cada mês. O regime de caixa consiste assim, na efetiva contabilização das rendas ou rendimentos a partir da sua efetiva disponibilidade econômica ou jurídica, que reflete a realidade daqueles que já receberam ou já podem dispor de todos os seus créditos. Trata-se de uma opção legislativa que, via de regra, consagra a isonomia e a capacidade contributiva. Verifica-se, entretanto, um efeito deletério deste regime com relação à percepção acumulada de rendimentos. Sob a disciplina de tal sistemática, o contribuinte que recebe regularmente seus créditos, seja mensalmente ou por ocasião da declaração de ajuste anual, estará circunscrito à faixa de alíquotas menores quando comparado ao sujeito passivo que recebe uma verba acumulado por força de decisão judicial. Este último terá retido o IRPF na fonte pela pessoa física com base na alíquota máxima, na medida em que o montante percebido fatalmente alcançará a faixa de maior tributação. Tal como observado pelo Ministro Marco Aurélio, o regime de caixa na percepção acumulada promove uma lesão dupla ao contribuinte. Inicialmente, o indivíduo é compelido a buscar a tutela jurisdicional para ter seus direitos reconhecidos. Em um segundo momento, ao receber o que é seu por direito já reconhecido, sujeita-se a um encargo fiscal mais gravoso. O Estado estaria sendo premiado porque deixou de reconhecer direitos a tempo e modo adequados. Em face desta disparidade fiscal, a Corte entendeu que a alíquota do imposto de renda deve ser a correspondente ao rendimento recebido mês a mês, e não de uma única vez. (RE 614406, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 23/10/14)
A imunidade recíproca concedida em favor da ECT deve incidir de modo irrestrito, mesmo quanto aos impostos relacionados com o desempenho de atividade não abrangida pelo privilégio do serviço postal. Apesar de o art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal restringir a imunidade recíproca apenas aos Entes políticos (União, Estados/DF e Municípios), prevendo a possibilidade de extensão com relação às autarquias e fundações (§§ 2º e 3º), o jurisprudência do Supremo firmou-se no sentido de que tal imunidade alcança também as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público. De outro modo, as entidades da Administração indireta que exploram atividade econômica não são alcançadas pelo dispositivo, já que a elas deve aplicar-se o mesmo regime jurídico das empresas privadas (art. 173, §1º, II da CF/88). Quanto à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), a controvérsia sobre a natureza jurídica e a amplitude do conceito dos serviços postais por ela prestados conferiu novos rumos à jurisprudência tradicional. Com relação aos impostos cuja materialidade não permitiriam discernir o regime do desempenho da atividade, a imunidade seria inconteste (IPVA – ACO 765). Já nos casos em que fosse possível identificar o desempenho em atividade não sujeita ao regime de exclusividade, próprio do privilégio postal, a Corte entendeu que a imunidade seria decorrência do chamado “subsídio cruzado”. A rigor, a desoneração serviria de estímulo para a Empresa que seria obrigada a prestar o serviço postal em áreas notoriamente deficitárias. Desta forma, ficara reconhecida a imunidade relativa ao ICMS, mesmo quanto às atividades prestadas em regime de concorrência com o particular. (RE 627.051 – Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 12/11/2014)
Os atos havidos entre as cooperativas e os terceiros que com elas se relacionam sujeitam-se a tributação na forma prevista pela legislação ordinária – O art. 146, III, “c”, da Constituição Federal assegura a reserva de lei complementar para dispor sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. Diante de tal previsão, questionava-se no âmbito do Supremo a possibilidade de fazer incidir o PIS sobre negócios jurídicos praticados entre cooperativa e o tomador do serviço. O Plenário assentou dois pontos principais, cada qual relacionado ao respectivo processo apreciado na assentada. De início, no julgamento do RE 599.362 Rel. Min. Dias Toffoli, a Corte entendeu devida a contribuição ao PIS/PASEP incidente sobre os atos ou negócios jurídicos realizados entre a cooperativa prestadora de serviço e os terceiros tomadores. Isso porque o texto constitucional, ao assegurar o “tratamento adequado”, não concedeu imunidade tributária às cooperativas, já que um tratamento adequado não significa um tratamento desonerado. O Relator afirmou que a legislação ordinária em vigor já contempla exclusões e adaptações consentâneas com as peculiaridades das sociedades cooperativas. Na sequência, em análise da pretensão deduzida no RE 598.085, Rel. Min. Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal reputou legítima a revogação do art. 6º, inciso I,  da Lei Complementar nº 70/91 (que concedia isenção de contribuição ao PIS/CONFINS às sociedades cooperativas que observarem ao disposto na legislação específica, quanto aos atos cooperativos próprios de suas finalidades) pela Medida Provisória nº 2158/01. Neste particular, o Tribunal confirmou sua jurisprudência para assentar que não há hierarquia entre leis ordinárias e complementares, mas apenas uma repartição constitucional de competências distintas. Desta forma, não há óbice a impedir que a medida provisória possa modificar uma lei complementar materialmente ordinária.  Desta forma, foram duas as conclusões destes julgados: (i) incide a contribuição ao PIS sobre atos ou negócios jurídicos praticados entre cooperativas e tomadores de serviço; (ii) são legítimas as alterações implementadas à Lei Complementar nº 70/91 pela MP nº 1.858/99 e suas sucessivas reedições. (RE 599.362, Rel. Min. Dias Toffoli e RE 598.085, Rel. Min. Luiz Fux, julgados em 5 e 6/11/2014).

* Analistas Judiciários – Assessores no STF

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