Argemiro Lima / NJ
Os poemas escritos para o livro marcam também a aproximação de Anna Zepa com o “stencil”
Dez e meia da manhã. O tempo que passa para o grupo de passageiros aguardando pelo transporte público rumo aos seus destinos não é o mesmo tempo que passa para a moça que se aproxima de uma das paradas de ônibus com uma mochila nas costas e uma lata roxa de spray nas mãos.
“07
O tempo / que passa / é o tempo / que temos
o tempo / que passa / é o tempo /que temo”
Poucos segundos são necessários para ela mudar completamente o sentido da paisagem, deixando no local um poema grafitado em stencil. A cena se repete ruas adentro do histórico bairro da Ribeira, onde o seu olhar atento vai percebendo novos lugares carentes de versos e aos poucos seus rastros vão se tornando mais coloridos, com mais poesia.
Todos os moldes de papel ela traz cuidadosamente de São Paulo, onde mora desde 2009, quando resolveu se mudar de Natal, abandonando sua identidade como publicitária e passando a se dedicar exclusivamente às novas verves: poesia e artes cênicas.
De rápida passagem pela capital potiguar, Anna Zêpa, 32, aproveitou o tempo para lançar o seu mais recente livro de poemas, o segundo da carreira, na última quinta-feira. “aconvivênciadosnossosrastros”, escrito desse jeito mesmo, reúne 25 poemas elaborados entre 2013 e o início de 2015 especialmente para a publicação.
São estes mesmos poemas, aliás, que ela vai retirando da mochila impressos nos moldes de stencil e declamando para a reportagem enquanto continua a espalhar os seus versos pelos cantos mais invisíveis dos caminhos percorridos por atores, cantores, comerciantes, pescadores, empresários, funcionários públicos e tantos outros personagens que habitam diariamente o bairro.
Os poemas escritos para o livro marcam também a aproximação de Anna com o “stencil”, técnica bastante difundida nas paredes das grandes cidades, e também nos muros virtuais, através de perfis no instagram, por exemplo (@oqueasruasfalam).
O namoro começou de forma sutil, com indicações do amigo e também poeta Daniel Minchoni, idealizador do selo “doBurro”, responsável pela publicação de seu livro, que é também uma viagem pelo relacionamento a dois, selecionados em 25 momentos diferentes. “É como se fosse uma fita sendo rebobinada, sabe? Mas é claro, que nem todo mundo vai interpretar dessa forma”, sugere.
Os poemas foram grafitados em stencil pelos muros de São Paulo, no bairro de Perdizes, onde Zêpa morou por muito tempo, e logo em seguida fotografados por Micaela Wernicke para então serem transferidos para as páginas do livro, que traz, portanto, 25 imagens dos poemas de Anna por SP.
Ela não sabe se vai levar a técnica adiante, mas garante que não pensa em abandonar o stencil tão cedo, mesmo que ele se torne apenas um hobbie no futuro. “Ah, não sei. Gosto de me expressar assim, mas talvez no futuro leve mais por prazer mesmo”, reforça a escritora que geralmente precisa estar só para ter inspiração.
“Eu amarrei esse livro, por exemplo, enquanto estava só lá em São Miguel do Gostoso, quando vim aqui em dezembro do ano passado”, conta, já pensando na terceira publicação que está sendo escrito, tem o título provisório de “Queda livre” e deve ser lançado até o início do ano que vem.
Não dá pra ser sem dor
Zêpa nunca foi das que sonhou com um futuro artístico ou coisa do tipo. Fez o caminho natural: estudou, cursou faculdade de Publicidade e Propaganda ainda em Natal, onde foi aluna do ator César Ferrário (Clowns de Shakespeare) e depois trabalhou cinco anos como diretora de marketing em uma grande produtora de eventos da cidade.
“Lembro que um dia César chegou na sala avisando que estava em cartaz com um espetáculo e então fui ver. Era ‘Muito Barulho Por Quase Nada’ e fiquei completamente encantada por aquilo. Juro. Vi umas cinco vezes, sei lá... Hoje eu reconheço que esse momento também me inspirou”, conta empolgada, agora já dentro da redação do NOVO Jornal, longe do sol forte que ilumina suas artes lá fora.
Como diretora de marketing, Zêpa precisava viajar para São Paulo ao menos duas vezes por ano, e em uma dessas idas ela escreveu o poema “Beijo Só”, que considera uma virada pessoal em sua perspectiva poética. Foi a partir desses versos que começou a se ver como poeta, também por influência de Daniel Minchoni, desde então incentivador do seu texto.
“É muito louco isso porque aí eu comecei a perceber que sempre tive perto da arte, de alguma forma da arte. “Ou Isto ou Aquilo”, de Cecília Meireles foi um livro que me marcou muito, por exemplo, e eu também fui a aluna que leu um poema durante a inauguração da biblioteca do Colégio Henrique Castriciano, onde estudei”, compara a poeta e atriz, lembrando ainda de seus tempos como observadora no “Poesia Esporte Clube”.
“Antigamente tinha o Poesia Esporte Clube aqui em Natal, que também era realizado pelo Daniel Minchoni e eu costumava ir sempre, ficar mais calada e observar aquela galera... Já escrevia minhas coisas, mas eram muito particulares, imersas em um processo solitário. Não mostrava para ninguém”, diz a poeta adepta dos “poemas pequenos”, como ela costuma chamar.
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