(Repostando corrigido e aumentado).
Conta-se que em 1955, em Campina Grande, um grupo de boêmios, noite alta, fazia serenata numa certa praça daquela terra paraibana. A polícia aproximou-se e, sobre o pretexto que aqueles seresteiros estavam perturbando o sossego público, prendeu o violão. Ronaldo Cunha Lima, poeta, recém formado em advocacia, que foi também governador da Paraíba, senador da república, fora procurado pelo dono do violão, para requerer a devolução daquele instrumento que se encontrava arquivado em Cartório, arrolado nos altos do processo de contravenção. Cunha Lima, em forma de versos (Habeas Pinho, é o título do poema), peticionou conforma transcrito adiante:
Exmo. Sr. Dr. Artur Moura,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,
Meritíssimo Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca,
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, Doutor, um violão!
Um violão, Doutor, que, na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste, entre os dois, afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas e que povoam a vida,
Sufocando, assim, suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.
Porém, seu destino o perpetua:
Ele nasceu para cantar, em plena rua,
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo, pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Em nome da Justiça e do Direito!
É crime, porventura, o infeliz,
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na rua as suas dores?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes termos, vem pedir deferimento!
Na certeza, já, do seu acolhimento.
É somente liberdade, o que pedimos
E, nestes termos, vem pedir deferimento!
Ronaldo Cunha Lima
Advogado
Advogado
O Juiz Dr. Artur Moura (no melhor de sua inspiração poética), despachou (há duas versões sobre o despacho do Juiz), dizendo assim:
Primeira versão:
Para que eu não carregue
Remorsos no coração,
Determino que se entregue
A seu dono o violão!
Remorsos no coração,
Determino que se entregue
A seu dono o violão!
Segunda versão:
Recebo a petição escrita em verso
E, despachando-a sem autuação,
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Verbero o ato vil, rude e perverso,
Que prende, no Cartório, um violão.
Emudecer a prima e o bordão,
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Nos confins de um arquivo, em sombra imerso,
É desumana e vil destruição
De tudo que há de belo no universo.
Que seja Sol, ainda que a desoras,
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
E volte á rua, em vida transviada,
Num esbanjar de lágrimas sonoras.
Se grato for, acaso ao que lhe fiz,
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
Noite de luz, plena madrugada,
Venha tocar à porta do Juiz.
Dr. Artur Moura,
Juiz de Direito
Juiz de Direito
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