quarta-feira, 3 de julho de 2019

poço, festim, mosaico

mulheres se matam porque cansaram do cheiro do açafrão.
e vivem molhadas. medonhas. invadidas de poesia e pedra.
mulheres viram pássaros
porque do alto têm a certeza que serão salvas.
de lá, contemplam o mundo.
escrevem livros. constroem casas. parques. elipses.
pintam quadros. dão aula. vão para o palco.
dirigem carro. motocicleta.
lêem homero. dante. vieira. camões. platão. pessoa.
são crianças e desejam o inferno.
depois o céu. e novamente o inferno.
andarilhas, herdam vestígios.
e são preciosas. perfumadas.
olham dentro dos olhos dos peixes
e os retiram da água para serem seus companheiros.
planetas delicados são as mulheres.
engravidam de balões. de profundidades.
sentem cólicas. a placenta rompe. o útero se revira.
os ovários se mantêm em segredo. preenchidos.
mulheres choram nas tardes de chuva.
andam de ônibus e são olhadas.
adornam-se de arbustos.
tornam-se perigosas. camufladas.
com leite derramando da alma.
têm tetas. asas.
dívidas. agendas. mapas. bússolas. dor.
aprenderam a ouvir o canto do homem com a língua de madeira.
são antigas. milenares. pertencem a templos.
consultam oráculos. fazem preces ajoelhadas.
oram pela felicidade do mundo e têm certezas guardadas.
mulheres são alquimistas: transformam topázio em esmeralda.
esmeralda em safira. safira em rubi. rubi em ametista.
ametista em orvalho. orvalho em anêmona. anêmona em girassol.
girassol em cassidônia. cassidônia em ágata.
ágata em nave. nave em águia. águia em águia.
mulheres cortam os pulsos. abrem o gás. caem de edifícios.
sobem montanhas. andam de bicicleta. barco. avião.
sentem medo. atravessam paredes.
e se tornam metáforas. anáforas. foguetes.


Marize Castro

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