sexta-feira, 25 de outubro de 2019

A ciência do direito é uma arte. Quem vive de arte passa fome

Publicado por Nelson Olivo Capeleti Junior



Não raro me deparo com a arte de rua, estampada em muros ou nos sinaleiros. Vejo grafites fantásticos. No sinaleiro, uma jovem toca violino. Eis o lugar da arte em uma sociedade cujos valores e sustentabilidade estão calcados em coisas, objetos, na produção daquilo que é pautável e que serve ao modelo de consumo. Artistas neste cenário passam fome.
Quem precisa de arte? Ouvir música ou assistir uma peça de teatro não coloca comida na mesa. Observar e compreender a emotividade em uma tela de Vincent van Gogh não paga o aluguel, ou as contas de água e luz. Afinal, qual o sentido da arte?
No filme Sociedade dos poetas mortos, há uma cena em que o professor, interpretado pelo eloquente e brilhante Robin Williams, diz aos seus alunos que: “medicina, direito, engenharia, são tarefas nobres e necessárias para a vida, mas a arte, o amor, a poesia, é para isso que vivemos”.
Eis ai o lugar da arte. Ela de fato não paga contas, não põe comida na mesa. Entretanto, trata-se da beleza que se identifica através da obra humana. Não fosse assim, a finalidade da vida seria fabricar parafusos.
Pois no direito as coisas não são assim tão diferentes. O operador do direito se instruiu, dedica anos de vida a leitura, mas no mercado corporativo, seu salário é inferior ao salário de um operador de máquinas industriais (que não fez faculdade para isso). E não venham me dizer que existe um piso salarial para advogados. A maioria dos escritórios instituiu um plano de carreira em que advogados são registrados como analistas ou assessores.
Em Joinville, cidade de Santa Catarina, os escritórios remuneram seus colaboradores com salários de R$ 1.200,00 e R$ 2.000,00. Pois na mesma cidade, em uma empresa de fundição chamada TUPY, o salário mensal de Operador De Esmerilhadeira é de R$ 2.000,00 (a exigência para o cargo é ensino fundamental).
Ou seja, o advogado trabalha em nome da arte, para deleitar-se com a redação de uma peça processual, pois se trabalha-se visando crescimento patrimonial, abandonaria o trabalho que lhe exige ensino superior e adotaria um trabalho de ensino médio ou fundamental.
Anos e anos de leitura e estudo são facilmente refutados em um almoço de família, pois quando você vai debater o discurso do presidente na ONU, de nada adianta discorrer explicando que a soberania do país não é absoluta, mas relativa, haja vista tratados e acordos internacionais de defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, dos quais o Brasil é signatário. De nada adianta pois o tio, primo, sobrinho, que trabalha no setor fabril te olha com desdém. Vê-se no olhar do operador de torno ou fresa, o desdém. Ele sabe que é mais abastado e, em uma sociedade que mede o sucesso pela aquisição de bens materiais, você, advogado, é um fracassado.
E não venham me dizer que este relato desconstrói ou ofende o glamour da advocacia. Que glamour? Tal glamour existe apenas para quem detêm de berço um conforto material e utiliza-se da credencial de advogado como um título aristocrático. Para quem encontra-se no chão de fábrica da advocacia não existe glamour algum.
Se você leu este texto até aqui, e tem uma história de superação na advocacia. Se você partiu do nada e conseguiu abrir uma porta e ter clientes, e se estes clientes te trouxeram um ganho que possibilitou alguma dignidade material em sua vida, deixe aqui seu exemplo.
Eu sigo como Fernando Pessoa no poema Tabacaria: “meu coração é um balde despejado”.
Viver da advocacia é viver da arte. Sou um jovem tocando violino no sinaleiro. Amo a minha arte e gostaria que ela fosse valorizada.

Bacharel em Direito pela Faculdade Cenecista de Joinville. Aprovado no XX Exame de Ordem.

Dehttps://nelsoncapeleti.jusbrasil.com.br

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