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Maria do Perpétuo
Socorro Wanderley de Castro – Desembargadora do Trabalho, professora da
UFRN aposentada e membro da Academia Assuense de Letras
A alimentação, por
constituir uma necessidade vital, marca espaços, vivências, alegrias e
momentos. Já diz Câmara Cascudo, em seu prefácio à História da
Alimentação no Brasil que “a eleição de certos sabores que já constituem
alicerce do patrimônio seletivo no domínio familiar, de regiões inteiras,
unânimes na convicção da excelência nutritiva ou agradável, cimentada através
de séculos”, não se transforma com facilidade. Assim, há um predicado de
permanência nos sabores.
E, se nos voltamos
para Marcel Proust, autor cuja obra é construída pela lembrança, já percebemos
nas páginas, que o alimento surge como um encaminhador ou condutor de ocasiões
à volta da mesa com o chá de tília e as madalenas, deliciosas.
Em qualquer lugar,
encontramos hábitos alimentares de seus habitantes. Nas cidades às margens de
rio ou mar, os peixes. Em Assu, a boa curimatã, assada na brasa e ainda sinal
de inverno bom quando, no final do ano, estivesse ovada. Essa é para a hora do
almoço. Melhor começar do amanhecer, com o café da manhã.
O acompanhamento do
café, em Assu, é o biscoito homenagem, sim o biscoito ‘flor do Assu,. Pode ter
queijo, ovos, cuscuz, muitos alimentos, mas um café assuense não está completo
se faltar o biscoito fofo com massa que inclui especiarias, um travo bom do
cravo ou do anis.
Para o meio da
manhã, se é hora do lanche, comer sonhos fritos em óleo, feitos em pequenas
formas por dona Nila Pinheiro. Ou comer os doces casadinhos
preparados com esmero por dona Maria Iná, que morava em frente à Igreja e até
em outra festa que não a festa do paladar, regalado pelo sabor.
Chegada a hora do almoço,
arroz e feijão e a batata doce em rodelas são a companhia para o peixe, mas
acompanham igualmente a galinha torrada, galinha criada no quintal de
casa, engordada sob os olhos das crianças que, às vezes, fazem das
aves, pequenas amigas. E à mesa, começavam a rebelião. Como aceitar ver servida
na travessa de louça branca, a galinha que batia as asas, soltava penas antava
seu canto miúdo, pois cantar forte e alto era qualidade do galo?
O peixe não recebia
essa prova de estima e a solidariedade da recusa a ser degustado, mas sua
utilização na comida era mais esparsa do que a ave. Aos domingos, galinha
torrada. Era o cardápio habitual e que, às vezes, se completava substituindo o
arroz pelo macarrão e fazendo aparecer, timidamente, uma farofa com muita manteiga,
sal e cebola, usando farinha da melhor qualidade para os grãos dourados
brilharem
À tarde, o
tabuleiro de alfenim fresco, recém-saído do fogo trazia a guloseima apreciada.
O açúcar com gotas de limão, cozinhado até o ponto, depois puxado até o segundo
ponto e, então, cortado e passado na goma. Desmanchava-se na boca. Se
então não me lembrava das madeleines é porque não as conhecia, mas essa
sensação do paladar é comum aos dois. O velho doce assuense é
reminiscência árabe e ficou nas casas grandes chegando às mãos das doceiras.
As comidas tinham
suas horas próprias e sua época. Pois o peixe era para a Semana Santa e o
jejum, como a canjica e a pamonha eram para o São João e as festas; e a
galinha era para o domingo, por ser o dia de repouso, o dia festivo
de cada semana.
Assim seguia a vida
simples. Eita vida besta, numa cidadezinha com Drummond. Numa cidadezinha
amada.
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