segunda-feira, 25 de outubro de 2021

 

 

Maria Eugênia Maceira Montenegro teve um existência lomgeva. Viveu quase toda a sua vida recheada de momentos felizes. Era filha de pai português e mãe mineira. Aos 90 anos de idade quando partiu para o outro lado estava em plena lucidez de invejar qualquer pessoa. Deixou a cidade de Assu, terra que ela tanto amou, "mais pobre e deserdada de seu talento".

Aparentemente modesta, amiga dos seus amigos. Tratava as pessoas com carinho e zelo, com aquele seu jeito que aparentava ingenuidade. Como ela gostava das palestras e das reuniões sociais na calçada da sua casa da Praça da Matriz de Assu.

Recentemente conversei com ela na calçada de sua residência que eu passei a frequentar desde menino. E ela sempre a me falar da grande poesia e dos pensamentos amargurados de João Lins Caldas, seu amigo, crítico e o maior incentivador para o seu ingresso nas letras da terra potiguar.

Poetisa, historiadora, palestradora, amante das artes plásticas. Aquela escritora pertencia a Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, cadeira número 16, desde 1972 sucedendo Rômulo Wanderley, bem como, tinha cadeira na Academia Lavrense de Letras desde 1970.

Maria Eugênia chegou em terra assuense procedente de Lavras, interior ao sul de Minas Gerais,  cognominada de Atenas Mineira, nos idos de 1938 com apenas 23 anos de idade, acompanhando  seu marido jovem recém-formado pela Escola Superior de Agricultura de Lavras, Nelson Borges Montenegro, para morar na fazenda Picada/Itu na localidade de Sacramento, atual município de Ipanguaçu por onde ela se elegeu prefeita nas eleições de 1972. Fora candidata única, pelo partido denominado Aliança Renovadora Nacional - ARENA. O incentivo e apoio a cultura da terra ipanguaçuense como não podia ser diferente, foi uma das prioridades da sua administração.

No final da década de 50, dona Gena deixou de conviver com as matas verdes e carnaubeiras da Picada, para fixar residência na aristocrática cidade de Assu que já vivia naquele tempo em plena atividade literária e cultural, jornais e mais jornais sendo editados, a sociedade praticando artes cênicas, realizando tertúlias literárias, saraus, e seus célebres poetas produzindo versos e mais versos da melhor qualidade.

Dona Gena passou a morar num rico casarão da praça da Proclamação, atual Getúlio Vargas, parede-e-meia com Tarcísio Amorim e depois com o poeta e escritor Francisco Amorim com quem, talvez, adquiriu muitos conhecimentos sobre o Assu e sua gente. 'Seus costumes e tradições'.

Não foi difícil para ela, Gena, que já carregava no seu interior a arte da prosa e do verso, conviver no Assu com figuras da família Montenegro, os Lins Caldas, de Renato Caldas (poeta de "Fulô do Mato" que o Brasil consagrou), os Amorim, de Pedro Amorim, os Wanderley, de Sinhazinha Wanderley, os Soares de Macedo, de João Natanael de Macedo, os Souto, de Elias souto (fundador da imprensa diária no Estado potiguar), os Dantas da Silveira, de João Celso Filho, Celso da Silveira (que fundou em Assu o 1º museu de arte popular do Brasil), além de tantas outras famílias ricas e pobres daquela terra assuense.

Aquela mulher de letras, assuense por escolha e Lei, e norte-rio-grandense por outorga, colaborou em vários jornais do Assu, de Natal e de Lavras, sua terra natal como "A Gazeta" e "Tribuna de Lavras". Publicou onze livros, intitulados "Saudade, Teu Nome é Menina" (1962), além de "Alfar a Que Está Só", "Azul Solitário" (poemas), "Perfil de João Lins Caldas" (plaquete), 1974, "Por que o Américo ficou lelé da cuca", "Lembranças e tradições do Açu" (história e costumes), "A piabinha encantada e outras histórias", "Lourenço, o sertanejo" (romance), "A andorinha sagrada de Vila Flor", "Lavras, Terras de Lembranças" e "Todas as Marias" (contos). Tinha ainda os inéditos intitulados "Redomas de luz" (Epitáfios) e "Poemas do entardecer".

Sobre a morte, esse "velho tema sempre novo" no dizer do poeta Caldas, Gena confessou a Franklin Jorge: "Não tenho medo de morrer. A morte é o princípio de uma vida. A gente nasce para morrer e morre para viver".

E ficou o Assu sem o seu poetar. Os jovens estudiosos da terra assuense perderam o seu maior patrimônio cultural. Era ela, Maria Eugênia, um dos maiores referenciais da terra assuense.

Ficamos nos seus versos de tanta pureza e ternura:

Minhas mãos são asas.
Taças,
Preces:
Quando anseio a liberdade,
Quando tenho sede de amor, quando minha alma se transforma em dor.


E esse outro: 

Eu vou espalhar rosas em seus caminhos
E retirar todos os espinhos pra você passar.
Um tapete de pétalas perfumará seus pés,
Que sabem pisar qualquer chão,
Em qualquer lugar.

É uma forma sutil de beijá-los,
De agradecer de coração,
De dizer que seus pés foram feitos
De duas grandes naus,
Que sempre procurando um porto novo,
Navegam em altos mares,
Levando alento e alegria a todos os lugares.

Fernando Caldas

Natal, 30 de outubro de 2006

(Crônica lida na igreja, dia de sua missa de sétimo dia e pelo escrotor, historiador assuense Ivan Pinheiro, na Rádio Princesa do Vale - Assu/Rn e publicado no site da Academia Lavrense de Letras).

 

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