Podem esquecer os almanaques do Professor Pardal, Zé
Carioca, Luluzinha, Tio Patinhas, da Disney e isso e mais aquilo. Eles não
chegam aos pés dos antológicos “Almanaques de Farmácia”. Reconheço que ao fazer
essa afirmação, serei contestado pela geração teen posterior à minha, muito
mais acostumada a ler os chamados almanaques contemporâneos. Pena que essa
galera não nasceu na época de ouro dos antológicos almanaques do Biotônico
Fontoura, Elixir Nogueira, Saúde da
Mulher, entre tantos outros. Eles eram distribuídos gratuitamente nas farmácias
ou então como brindes para atrair a assinatura de grandes jornais.
Os almanaques de farmácia fizeram tanto sucesso, mas
tanto sucesso, que mesmo décadas após o encerramento de suas publicações ainda
continuam sendo comprados à ‘preço de ouro’ por colecionadores em alguns sebos.
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Nos anos 70 quando ainda era um ‘crianção’ não me
cansava de ler esses almanaques. Recordo-me que todos os meses ia até a
farmácia perto de casa ansioso por ‘agarrar’ o famoso folhetim. Com o passar do
tempo, o farmacêutico muito amigo de meus pais, acabou, ele próprio, levando os
almanaques até a minha casa, entregando-me à domicílio. Acho que ele via tanta
empolgação em meus olhos de criança que acabou tomando essa decisão.
A partir daí ganhei ‘gosto pela coisa’ e comecei a
colecionar os tais almanaques. Caramba! Tinha uma montanha deles! Se remorso
pagasse imposto, certamente, hoje eu estaria pobre de ré. Certo dia, quando nem
passava pela minha cabeça montar uma sala de leitura com uma estante onde
colocaria as minhas obras preferidas, resolvi doar todos os almanaques para a
biblioteca de uma entidade assistencial da minha cidade.
Naqueles tempos idos, à exemplo de hoje, era um
leitor compulsivo (rs), mas não tinha o hábito de colecionar ou guardar o que
lia. Quando acabava de devorar um livro, jogava-o num canto ou então doava para
a biblioteca. E assim fiz com os meus estimados, amados e saudosos almanaques
de farmácia. Putz! Que lambança. Por isso resolvi escrever um post sobre esses
folhetins como forma de espiar o meu ‘grande pecado’.
Fuçando na Rede, descobri uma tese muito
interessante sobre o assunto: “Almanaques: História, Contribuições eEsquecimento”, escrita por Patrícia Trindade Trizotti. Segundo a autora, “o primeiro almanaque de farmácia lançado no
Brasil foi o Pharol da Medicina, elaborado com o patrocínio da Drogaria Granado
do Rio de Janeiro em 1887. A
publicação pode ser considerada uma espécie de modelo para os seus sucessores. O
Pharol da Medicina possuiu uma tiragem inicial de 100 mil exemplares e de 1913 a 1923, atingiu a cifra
de 200 mil exemplares. Fato esse muito significativo para a história dos almanaques,
sobretudo os de farmácia”.
De todos os almanaques do gênero, o mais famoso de
todos foi o Almanaque Fontoura, principalmente pela sua associação com o
escritor Monteiro Lobato. Este almanaque tinha por objetivo fazer a divulgação publicitária do Biotônico Fontoura, produto criado pelo farmacêutico brasileiro Cândido Fontoura. O
folhetim era distribuído gratuitamente como
brinde pelas farmácias do
país.
A curiosidade é que o almanaque era
editado e ilustrado por Monteiro Lobato que acabou aceitando o convite por ser muito amigo de Candido Fontoura. Pois
é, nem preciso dizer que o Almanaque Fontoura esbanjava qualidade. Reza a lenda
que o escritor de Taubaté sentia-se muito cansado quando Fontoura lhe indicou o
medicamento e este imediatamente se sentiu mais animado, tornando-se um
verdadeiro fã do Biotônico. Assim, acabou aceitando, prontamente, o pedido de
seu amigo para editar o almanaque.
Lobato concordou ainda em emprestar um de seus
famosos personagens para a divulgação do Biotônico, nascia assim, o Jeca
Tatuzinho, baseado no Jeca Tatu que o autor criara na literatura. O Almanaque Fontoura
divulgava o laboratório e pregava uma campanha contra a ancilostomose,
popularmente conhecida por amarelão.
A primeira edição do Almanaque Fontoura que teve
Monteiro Lobato à frente fez um estrondoso sucesso com os seus 50 mil
exemplares iniciais ‘secando’ num piscar de olhos. Esta tiragem foi crescendo a
ponto de entre as décadas de 1930
a 1970 terem sido distribuídos entre dois e meio a três
milhões de almanaques. A edição trazia um conteúdo variado, como horóscopo, dias
bons para a pesca (fases da lua), passatempos e
até histórias em quadrinhos que retratava o personagem Jeca Tatuzinho.
Lobato e o seu Jeca Tatuzinho abriram caminho para a
consolidação do almanaque nos anos posteriores. Em 1982 sua tiragem foi de cem
milhões de exemplares.
Com o passar dos anos novas sessões foram sendo
criadas como dicas de saúde, receitas culinárias, cartas melodramáticas,
piadas, curiosidades, santos do dia, conhecimentos gerais, etc.
Além do Biotônico Fontoura, outros produtos medicinais
se valiam dos almanaques para a divulgação de seus produtos. Os laboratórios
que produziam os fortificantes Sadol, Elixir Nogueira, Emulsão Scott e o tônico
Capivarol se aproveitaram da mesma estratégia para divulgar os seus produtos.
Enfim, os almanaques bombavam nas farmácias. Uma verdadeira febre, uma
verdadeira loucura.
Galera, os ‘ditos cujos’ faziam tanto sucesso nas
décadas de 30, 40, 50 e etc que acabaram invadindo os antigos consultórios
médicos. Caraca!! O que que é isso!! Pois é galera, podem acreditar: muitos
médicos distribuíam e recomendavam essas publicações aos seus pacientes. Eles
recebiam os almanaques dos laboratórios juntamente com os fortificantes como
brinde. Algo parecido com o esquema das tão propaladas amostras grátis, sabe? Ou
será que você nunca ganhou ‘na faixa’ de seu médico um remedinho maneiro após
uma consulta? Há muitos anos atrás, não tinha o remedinho maneiro, mas em
contrapartida tinha o almanaque maneiro.
Conversando com um ex-dono de farmácia que me pediu
para não revelar o seu nome, fiquei sabendo que em décadas passadas era uma
briga de foice no escuro entre os laboratórios no que diz respeito a
distribuição dos almanaques. Esse farmacêutico, hoje beirando os seus 80 anos
revelou que os viajantes que distribuíam os almanaques juntamente com os
fortificantes, tônicos ou elixires eram concorrentes acirrados e jamais se
‘cruzavam’ no estabelecimento comercial. – “Eles já sabiam o horário que cada
um passava na farmácia para deixar os livretinhos”, revelou. Ele disse também
que os almanaques não duravam um dia nos balcões. – “Barbaridade menino!!
Aquilo era uma loucura! Tinha pessoas que ficavam esperando a farmácia abrir
para pegar o ‘livrinho’!”
O ‘pega prá capá” sempre acontecia entre os
almanaques do Biotônico Fontoura, Sadol e Capivarol que eram os chamados
‘bama-bam-bam’ do gênero. Com o passar dos anos, o tônico Capivarol deixou de
ser fabricado e a briga pela preferência popular se restringiu aos dois pesos
pesados: Fontoura e Sadol. Quanto aos outros almanaques: “Elixir Prata”, “Saúde
da Mulher”, Bristol, etc, apesar do excelentes conteúdos, nunca foram páreo
para os dois maiorais. Um dos poucos que chegou a fazer frente com Fontoura e
Sadol foi o almanaque da Emulsão Scott. Lembram-se daquele xarope de óleo de fígado
de bacalhau que no rótulo da embalagem havia um pescador segurando um bacalhau
nas costas? Ecaaaaaaaaaa!!! Entonce, a publicação anual lançada em 1939 também
era muito procurada na época, mas pouco tempo depois parou de circular.
Caramba quantas coisas engraçadas e ao mesmo tempo
interessantes aprendi com os almanaques de farmácia. Fiquei sabendo, por
exemplo, que os nossos olhos são sempre do mesmo tamanho, desde o nascimento,
enquanto as orelhas e o nariz nunca param de crescer. Me surpreendi com as informações
de que uma pessoa pisca os olhos aproximadamente 25 mil vezes por dia e que a
língua é o músculo mais forte do ser humano.
Cara, tinha até informações sobre História! A
história da bandeira do Brasil; quem foi Alexandre O Grande e algo que me marcou
muito e até hoje não esqueço: a mítica história sobre o farol de Alexandria. Puxa
vida! Quantas coisas tinham naqueles livrinhos miúdos!
Tenho certeza de que naquela época, muitos falsos
letrados criticavam a chamada cultura de almanaque, afirmando que esse tipo de
conhecimento não acrescentava nada na vida dos jovens, servindo apenas como
canal para matar curiosidades bobas, mas algo eles jamais negaram: a
importância dos almanaques na criação de hábitos sanitários, de saúde e higiene
salutares nas pessoas.
Não importa o que as pessoas pensem dos antigos
almanaques de farmácia; aprendi muito com eles e também me diverti além da
conta. Pena que essa época passou. Com o tempo, os famosos e amados folhetins
foram parando de circular, até encerrarem as suas atividades. Com o advento da
internet que começou a deslanchar no Brasil à partir de 1995 e depois com a
febre das redes sociais, os almanaques foram expirando... expirando, até darem
o seu último suspiro. E agora, só restou a saudades.
Uma pena...
Do blog: https://www.livroseopiniao.com.br
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